O presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, durante discurso em Brasília nesta quinta-feira, 10 (Ricardo Stuckert / Divulgação/Divulgação)
Luciano Pádua
Publicado em 10 de novembro de 2022 às 20h21.
Última atualização em 10 de novembro de 2022 às 20h44.
Investidores e agentes do mercado financeiro reagiram de maneira muito negativa ao discurso de Luiz Inácio Lula da Silva nesta manhã, em Brasília. Analistas ouvidos reservadamente apontam que os números divulgados até o momento sobre a “licença para gastar” acima do teto de gastos se aproximaria a R$ 230 bilhões -- caso confirmada a cifra de R$ 175 bilhões na PEC de Transição. Trocando em miúdos, isso significa um déficit de 2,3% do PIB. E qual o problema? A grande questão é que se trata de gastos que seriam permanentes – ou que dificilmente seriam retirados uma vez distribuídos à população. Nessa toada, seria inviável estabilizar o crescimento da dívida pública até 2026, ano em que se encerra o mandato de Lula.
A interpretação das falas de Lula é que a responsabilidade fiscal não importa -- e o importante seriam os gastos sociais, que gerariam investimentos, segundo indicou o novo governo. “Acho que todo mundo entende a necessidade de políticas distributivas e até de aumentar o bolsa família. O que não pode é a partir daí querer uma carta branca para aumentar todo tipo de gasto e ainda falar que responsabilidade fiscal é assunto de Faria Lima”, diz um investidor.
Agentes do mercado estavam esperançosos que Lula se aproximasse do tom adotado em 2003, quando Henrique Meirelles assumiu o Banco Central e as indicações foram de manutenção das políticas monetárias e da responsabilidade fiscal. “O que assustou foi que o discurso do presidente eleito ontem e hoje mais parecia um discurso de campanha”, afirma um especialista.
Mais cedo, em sua primeira visita ao Centro Cultural Banco do Brasil, sede da equipe de transição, Lula questionou por que as pessoas são levadas a sofrer "por conta de garantir a tal da estabilidade fiscal nesse país?"
"Por que toda hora as pessoas falam que é preciso cortar gasto, que é preciso fazer superávit, que é preciso fazer teto de gasto? Por que as mesmas pessoas que discutem com seriedade o teto de gasto não discutem a questão social deste país? Por que o povo pobre não está na planilha da discussão da macroeconomia? Por que que a gente tem meta de inflação e não tem meta de crescimento?", disse Lula.
O mercado trabalhava com um “waiver” (a tal licença para gastar) na ordem de R$ 70 bilhões. As cifras que circularam até o momento falam em R$ 175 bilhões, o que levaria a um déficit primário de R$ 230 bilhões (2,3% do PIB).
As críticas também pesaram sobre os nomes escolhidos para compor a ala econômica da equipe de transição. Analistas falam que, caso fossem nomeadas pessoas respeitadas, o governo eleito ganharia o benefício da dúvida por mais tempo. Em contrapartida, destacam que os nomeados são economistas que não acreditam muito na necessidade de um ajuste fiscal — entre eles, o ex-ministro Guido Mantega, anunciado nesta quinta-feira para integrar a equipe de transição. A exceção fica para o nome de Pérsio Arida.
“É uma insensatez esse tipo de discurso de ontem e hoje porque vai aumentar o custo de ajuste para o próprio governo”, diz uma fonte à EXAME.
Esses analistas e investidores reclamam que o PT tem criado narrativas de que o mercado teria “preconceito” contra Lula, mas asseguram não se tratar disso. Caso o gasto fiscal aumente de forma acelerada, o Banco Central deve prolongar o ciclo de taxas de juros alta – o que desaceleraria a economia no próximo ano, dentro desta leitura.
Para esses gestores, Lula não precisa nomear um ministro já. Mas precisa dar um sinal de responsabilidade fiscal e que vai cuidar da área social mas fará de tudo para ser responsável do ponto de vista fiscal para criar um ambiente de queda de juros no Brasil. “Você colocaria seu dinheiro em um banco ou fundo de investimento que o gestor falasse pra você que não está preocupado com o retorno da sua carteira?”, questiona um gestor.
Para o mercado, é fundamental a mensagem de que o Brasil conseguirá estabilizar a dívida pública, mesmo que isso aconteça perto do final do mandato de Lula em 2026. As sinalizações a partir das falas de Lula demonstraram exatamente o contrário.