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Início do governo Bolsonaro enfrenta divisões e confusão política

"Existe desalinhamento importante entre a equipe econômica e política. Não há coesão nem coordenação", diz Leonardo Barreto, da consultoria política Factual

Jair Bolsonaro em cerimônia de posse  (Sergio Moraes/Reuters)

Jair Bolsonaro em cerimônia de posse (Sergio Moraes/Reuters)

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Reuters

Publicado em 10 de janeiro de 2019 às 17h15.

Brasília - O presidente Jair Bolsonaro tropeçou no início de seu governo, com disputas internas e confusões políticas na primeira semana, levantando preocupações entre investidores sobre sua capacidade de promover as necessárias reformas fiscais.

Divisões surgiram rapidamente entre as equipes política e econômica sobre os planos para reestruturar o complicado sistema tributário do país e a cara Previdência para colocar o Orçamento federal sob controle.

Os comentários de Bolsonaro no Twitter e em entrevistas também contradisseram seus principais assessores, em um alerta para investidores que esperam um governo focado em uma rápida reforma da Previdência para melhorar as finanças antes de enfrentar questões sociais cruciais.

Na sexta-feira, por exemplo, Bolsonaro disse a jornalistas que havia elevado o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) e que a alíquota máxima do Imposto de Renda seria reduzida. Isso gerou uma rápida negativa do secretário especial da Receita Federal, Marcos Cintra, subordinado ao ministro da Economia, Paulo Guedes. Mais tarde, o ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni disse que o presidente havia "se equivocado".

As idas e vindas preocuparam investidores que haviam elogiado uma equipe econômica ortodoxa montada por Guedes, que tem vários integrantes egressos da Universidade de Chicago, uma meca do liberalismo econômico.

O episódio deixou muitos no modo de esperar para ver, especialmente nos mercados de dívida, disse Fabio Knijnik, da gestora de patrimônio K2 Capital, sediada em São Paulo.

Embora muitos investidores domésticos permaneçam com postura compradora, estrangeiros que têm outras opções têm sido mais cautelosos com o Brasil.

"É menos provável que eles coloquem dinheiro em um país onde um secretário afirma que o que presidente acabou de falar não faz sentido", disse ele. "Não estamos vendo os integrantes deste governo marchando no mesmo ritmo."

O Ibovespa, principal índice da bolsa de valores brasileira, teve um dos melhores desempenhos do mundo nos últimos seis meses, subindo 25 por cento com a vitória de Bolsonaro na eleição de outubro e com a nomeação de um gabinete visto como amigável ao mercado financeiro.

O real e as ações de empresas do país ampliaram a valorização no ano novo, mas os ganhos diminuíram ao passo que as dúvidas se acumularam.

Política X Economia

A confusão sobre a reforma da Previdência, que Knijnik classificou como pedra fundamental da agenda econômica de Bolsonaro, tem sido especialmente perturbadora para os mercados financeiros.

Bolsonaro disse em entrevista ao SBT idades mínimas para aposentadoria de 62 anos para homens e 57 anos para mulheres, uma idade mínima maior do que a atual, mas inferior do que a proposta pelo governo do ex-presidente Michel Temer.

Investidores entenderam isso como um sinal de que Bolsonaro pode amenizar a proposta feita por Temer para limitar os custos políticos, facilitando a aprovação no Congresso, mas fazendo com que novas mudanças sejam necessárias no futuro.

Guedes disse ser a favor de uma proposta mais dura que terá mais dificuldades políticas mas que teria um impacto maior e mais duradouro na dívida pública, que disparou para 77 por cento do Produto Interno Bruto.

"Existe um desalinhamento importante entre a equipe econômica e a equipe política. Não há coesão nem coordenação no entorno direto do presidente Bolsonaro", disse Leonardo Barreto, chefe da consultoria política Factual, com sede em Brasília.

Guedes está adotando uma abordagem de tudo ou nada nas reformas fiscais, enquanto Onyx sinalizou que faria concessões a parlamentares para conquistar apoio político, disse Barreto.

As contradições destacam tensões mais amplas no governo Bolsonaro, que junta militares da reserva, nacionalistas de direita, economistas formados em Chicago e evangélicos, cada grupo com prioridades diferentes.

Bolsonaro já enfrentou divergências com as Forças Armadas por conta de sua sugestão de que o Brasil poderia abrigar em seu território uma base militar dos Estados Unidos.

Investidores temem que o governo vá se voltar primeiro para questões sociais caras à base eleitoral conservadora de Bolsonaro, queimando capital político necessário para a impopular reforma da Previdência.

Os lobby ruralista e o favorável às armas querem que Bolsonaro atue rapidamente para amenizar leis que restringem a posse de armas de fogo. Evangélicos querem que educação sexual, diversidade de gênero e pensadores de esquerda sejam removidos do currículo das escolas públicas.

"Depois que eles aprovarem a reforma da Previdência, então eles podem tratar de toda a coisa ideológica de que eles falam, como meninas vestindo rosa e meninos azul", disse Knijnik.

(Reportagem adicional de Lisandra Paraguassu e Marcela Ayres)

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