Túnel Santos-Guarujá: PPP é uma parceria entre o governo federal e estadual
Repórter de Brasil e Economia
Publicado em 9 de setembro de 2025 às 06h01.
Foram 100 anos de espera para que o projeto do Túnel Santos-Guarujá começasse a sair do papel. E a primeira etapa foi concluída na sexta-feira, 5, com o leilão vencido pela construtora portuguesa Mota Engil, que será responsável pela construção do primeiro túnel imerso do país.
Agora, em meio às questões burocráticas, como a validação do resultado, comprovação de competências e assinatura de contrato, se discute os principais desafios para que a obra seja executada.
A previsão é que os trabalhos comecem no início do próximo ano.
Com prazo de conclusão até 2031, a empresa europeia e os governos federal e do estado de São Paulo terão na governança, no Porto de Santos, na complexidade e no ineditismo do projeto os principais desafios para tornar o sonho da população da baixada santista uma realidade, segundo especialistas ouvidos pela EXAME.
"Este projeto é bastante desafiador pelo seu porte e pelas características da obra e da operação. Em primeiro lugar, trata-se de um projeto greenfield, sem uma infraestrutura pré-existente, e um histórico de demanda, o que o torna naturalmente desafiador", afirma Fernando Vernalha, advogado especialista em infraestrutura e sócio do Vernalha Pereira.
O especialista diz que essas características únicas explicam o leilão sem alta competitividade e propostas conservadoras das duas proponentes.
A Mota Engil levou a PPP ao oferecer apenas 0,5% de desconto sobre a contraprestação que será paga pelo estado. A espanhola Acciona ofereceu 0%.
"É verdade que a modelagem buscou mitigar a exposição do concessionário a riscos críticos, optando por compartilhar com o poder concedente o risco de demanda (fluxo de tráfego), o risco geotécnico e geológico e o risco de interferências, o que ajudou a conferir um mínimo de atratividade para o projeto", diz Vernalha.
Em coletiva após o certame, o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) reforçou que já era esperado que pouquíssimas empresas participassem do certame, em função dos riscos embargados nessa obra. O edital também exigiu experiência em projetos similares, o que explica a predominância empresas estrangeiras na disputa.
"Eu ficaria preocupado se tivessem ofertado grandes descontos para uma obra desse porte", afirmou Tarcísio.
Trajeto do Túnel Santos-Guarujá (SPI/Governo de SP/Divulgação)
O contrato prevê uma concessão de 30 anos para construção, operação e manutenção do túnel. A previsão é de R$ 6,8 bilhões em investimentos. O aporte público será de até R$ 5,14 bilhões, divididos igualmente entre os governos de São Paulo e federal.
O túnel terá 1,5 km de extensão, sendo 870 metros imersos, com módulos de concreto pré-moldados, instalados no leito do canal portuário – técnica já consagrada em países da Europa e da Ásia.
Para Isadora Cohen, sócia da ICO Consultoria e especialista em infraestrutura, a articulação entre o governo federal e estadual foi extremamente importante para o projeto deixasse o campo das ideias, uma vez que era exatamente a falta de acordo entre os entes o grande empecilho para que o túnel avançasse.
Agora, com a aproximação da fase de obras, a sua avaliação é que é preciso uma "coordenação fina" entre todos os atores para que a obra avance.
"Na prática, um projeto com esse mix de interfaces e de stakeholders é um desafio de governança. Sem papéis claros, prazos e rotinas, podem surgir entraves burocráticos", avalia Cohen.
O contrato prevê a criação de um Comitê de Prevenção e Solução de Divergências (CPSD), que atuará como câmara técnica independente e obrigatória para a resolução de possíveis controvérsias.
Além desse instrumento, Cohen afirma que a figura de um verificador independente dedicado ao projeto seria importante para apoiar na regulação, fiscalização e resolução de possíveis conflitos.
"Pode ser contratado pela própria concessionaria, com anuência tanto do governo federal quanto do estado. Ele daria um apoio na regulação e fiscalização, dedicado exclusivamente ao contrato. Pode ser eventualmente um benefício interessante a ser explorado", diz.
Maquete do Túnel Santos-Guarujá ( Pablo Jacob/Governo do Estado de SP/Flickr)
Outro desafio para a obra será o Porto de Santos, local por onde embarcam 30% das vendas brasileiras ao exterior.
O contrato prevê mecanismos para evitar a paralisação do complexo ao máximo possível, mas a questão é vista como sensível por analistas pela complexidade da obra.
Contratualmente, há planejamento e aprovação prévia de qualquer restrição à navegação (com janelas e prazos de comunicação), definição de horários para atividades sensíveis (como dragagem), ajuste da Contribuição Pública conforme o tempo efetivo de fechamento do canal e sanções por descumprimentos de regras.
"Isso reduz a margem de conflito e transforma a convivência entre obra e porto em um processo regulado por regras claras", afirma Cohen.
O estado de São Paulo, Autoridade Portuária de Santos (APS) e concessionária compartilharão as responsabilidades para evitar conflitos.
Porto de Santos: complexo será afetado pelas obras do túnel (Germano Lüders/Exame)
Em entrevista à EXAME, Raquel Carneiro, diretora da Agência de Transporte do Estado de São Paulo (Artesp) e "mãe" da versão do projeto que será executado, afirmou que uma das principais mudanças do projeto foi a flexibilização da forma que a obra será executada pela concessionária, com objetivo de provocar o menor número de interrupções possíveis no Porto de Santos.
"O contrato também traz requisitos técnicos e de desempenho para obra e sistemas, assegurando padrões elevados, porém sem amarrar a um “catálogo” de equipamentos. Isso confere flexibilidade tecnológica e melhor gestão do ciclo de vida sem perda de qualidade", diz Cohen.
Além da questão do Porto, um ponto adicional é a padronização de normas brasileiras e internacionais. A Sócia da ICO consultoria avalia que, uma vez que o projeto é inédito no país e será executado por uma empresa estrangeira, seria importante que fosse feita uma tabela de equivalência.
"A formalização de uma tabela de equivalência entre normas internacionais (NFPA, PIARC, IEC) e ABNT daria maior segurança regulatória e técnica ao empreendimento", afirma.
O projeto já tem licença ambiental prévia aprovada, mas agora será necessário Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e Relatório de Impacto Ambiental (RIMA) completos para que autorizações sejam efetivadas.
"Será preciso elaborar um EIA/RIMA completo, que comprove como os impactos ambientais na Baía de Santos — uma área sensível — serão reduzidos e compensados. Órgãos ambientais e a sociedade civil podem questionar o projeto, o que pode causar atrasos e exigir mudanças", afirma Carolina James Zini Ghidoni, advogada especialista em Direito Público, Regulatório e Infraestrutura do Cascione Advogados.
A Associação Comunitária do Macuco (ACOM), bairro de Santos que será diretamente impactado pela obra, pede a criação de um Comitê Regional de Monitoramento Ambiental e das Obras na Baixada Santista. A preocupação dos moradores é com os possíveis impactos ambientais negativos na região.
Outra preocupação é com as desapropriações. Segundo estudos do governo de São Paulo, a estimativa é que 59 edificações serão afetadas pela obra em Santos. Do lado do Guarujá, a previsão é que sejam desapropriadas 717 edificações, sendo 645 ocupações irregulares em Vicente de Carvalho.
A promessa é que, no caso das ocupações irregulares, as famílias serão removidas e reassentadas em habitações populares. O governo estadual anunciou na última semana a construção de 1,7 mil unidades habitacionais no Bairro Macuco.
Os prédios serão localizados em três quarteirões situados no perímetro das avenidas Siqueira Campos, Senador Dantas e rua Padre Anchieta (SPI/Governo de SP/Divulgação)