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Indigenista da Funai é morto apos levar flechada de isolados em Rondônia

Chamados de "isolados do Cautário", índios estão ameaçados por invasores de terras na área rural do estado

Rieli Franciscato: indigenista havia recebido a informação da aparição de um grupo na zona rural de Seringueiras; morte causou comoção entre servidores e sertanistas (Arquivo pessoal/Reprodução)

Rieli Franciscato: indigenista havia recebido a informação da aparição de um grupo na zona rural de Seringueiras; morte causou comoção entre servidores e sertanistas (Arquivo pessoal/Reprodução)

Mariana Martucci

Mariana Martucci

Publicado em 10 de setembro de 2020 às 17h33.

Última atualização em 11 de setembro de 2020 às 15h32.

Considerado um dos indigenistas mais respeitados da Fundação Nacional do Índio (Funai), o coordenador da Frente de Proteção Etnoambiental Uru-Eu-Wau-Wau, Rieli Franciscato, morreu com uma flechada no peito nesta quarta-feira após encontrar com índios conhecidos como "Isolados do Cautário", na região conhecida como Linha 6, no município de Seringueiras, em Rondônia.

A informação foi confirmada ao O Globo por várias entidades indigenistas, entre elas a Associação de Defesa Etnoambiental Kanindé, que atua na região. A entidade afirma que os indígenas isolados não sabem distinguir protetores de inimigos. "O território deles está sendo invadido e eles estão tentando sobreviver", diz nota.

Rieli chegou ao local após moradores terem avisado a Funai que um grupo de indígenas isolados havia aparecido próximo de suas casas, na zona rural de Seringueiras. O Globo teve acesso a um áudio de um dos policiais que acompanharam Rieli e viu o momento em que ele foi flechado.

"Ele subiu num morro que tinha e de repente a gente começou a ouvir baruho de flechas. Foi neste momento que ele deu um grito, arrancou a flecha do peito e voltou para trás correndo, conseguiu correr uns 60 metros e já caiu praticamente morto. Nosso amigo se foi, infelizmente".

Em nota enviada ao O Globo, o ex-presidente da Funai Sydney Possuello afirmou que perdeu um grande amigo e criticou a política indigenista do atual governo.

"Recebi agora a notícia do falecimento do sertanista, meu companheiro e amigo Rieli Franciscato. A circunstância de sua morte demonstra o descaso e a irresponsabilidade do governo Bolsonaro com relação às questões que envolvem os índios e os funcionários das Frentes de Proteção Etnoambiental, que são a vanguarda dos trabalhos na selva. Rieli pediu auxilio à Policia por que não tinha funcionários para acompanhá-lo", diz a nota, continuando:

"A culpa de sua morte é o descaso e a incompetência da Funai e dos que hoje orbitam em volta desse presidente da Funai e do coordenador de índios isolados. Realmente o governo consegue destruir a Funai como instituição, desamparando os funcionários que estão na missão mais difícil e perigosa e, acelerando o processo de destruição dos povos indígenas isolados ou não."

A flecha que matou o indigenista media aproximadamente 1,5 metro e era feita de bambu com penas de aves na ponta. O artefato atingiu Rieli no tórax e ele já chegou sem vida ao hospital de Seringueiras, na zona rural de Rondônia. Em áudio obtido pelo O Globo, o policial militar Paulo Ricardo Bressa relata que escutou o barulho da flecha no peito de Riele.

"A soldado Luciana estava atrás dele e eu um pouquinho atrás dela. A gente só escutou o barulho da flecha, que pegou no peito dele. Aí ele deu um grito, arrancou a flecha e voltou para trás correndo. Ele conseguiu correr uns 60 metros e já caiu praticamente morto. Nosso amigo se foi, infelizmente".

O Globo apurou que Rieli tentava impedir um conflito entre os indígenas e moradores da região que invadiram terras próximas à área demarcada pela Funai. Além de evitar que algum tipo de contato fosse feito em meio à pandemia. Os isolados estão entre os grupos mais vulneráveis e podem ser dizimados caso sejam contaminados pela covid-19.

Tensão marca região

Pela manhã, antes de Rieli ser flechado, um vídeo publicado nas redes sociais mostrou um morador afugentando os isolados a quem chamava de "cambada de vagabundos" e "sem-vergonha".

"O Rieli chegou aqui, pediu apoio para o sargento, se a gente poderia ir com ele lá, porque lá é uma área de conflito. O sargento liberou a gente para ir, e a gente foi. Quando a gente chegou lá onde eles apareceram, ele entrou em contato com a senhora dona da terra e perguntou se podia dar uma olhada por onde eles tinham vindo", conta o policial que confirma ser a região uma área de conflito deflagrado por terras.

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A morte de Rieli abalou servidores da Funai e referências do meio indigenista que o reconheciam e nutriam muito carinho e respeito por sua dedicação aos povos isolados.

A Funai lamentou a morte do servidor e diz que acompanha o caso. Não há, no entanto até o momento, nenhuma ação planejada pelo órgão para tentar impedir um conflito maior na região.

"Rieli dedicou a vida à causa indígena. Com mais de três décadas de serviços prestados na área, deixa um imenso legado para a política de proteção desses povos", diz nota assinada pelo coordenador-geral de índios isolados e de recente contato da Funai, Ricardo Lopes Dias.

A gestão de Ricardo é bastante criticada pelos movimentos indígenas, que o acusam de inércia diante da pandemia de covid-19 e de trazer riscos para as comunidades por seu envolvimento com missionários.

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