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Independência foi apoiada por elites do Sudeste e deixou cisões, diz historiadora

Em entrevista à EXAME, Lúcia Bastos, uma das maiores especialistas do país em relação ao processo de separação de Portugal, fala sobre a herança colonial e desafios do país

View of the Ipiranga Museum located in Independence Park, where Dom Pedro I, proclaimed the independence of Brazil. São Paulo Brazil (Getty Images/Getty Images)

View of the Ipiranga Museum located in Independence Park, where Dom Pedro I, proclaimed the independence of Brazil. São Paulo Brazil (Getty Images/Getty Images)

CA

Carla Aranha

Publicado em 7 de setembro de 2022 às 08h57.

Autora de sete livros sobre a independência do Brasil e o Império, a historiadora Lúcia Bastos, professora da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), é considerada uma das maiores especialistas no processo de criação da identidade nacional. Em entrevista à EXAME, Bastos discute a herança da monarquia, o legado do Brasil colonial e a interpretação de momentos históricos marcantes do país. Veja os principais trechos a seguir.

Há uma interpretação enviesada da independência do Brasil?

Durante muito tempo, foi privilegiada uma historiografia do século 19, que enaltecia o sentimento de identidade nacional. Nos anos 60 e 70, isso mudou. Passou-se a adotar uma perspectiva econômica, em que se comparava muito o processo de independência do Brasil com a descolonização de países africanos. Hoje, entendemos que a separação de Portugal fez parte de um processo que contou com a participação de um conjunto de pessoas, como José Bonifácio.

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Por que se comparava a independência do Brasil com a de países da África?

Isso estava baseado na ideia de acumulação de capital e de exploração das riquezas dos países que eram colonizados. Mas no Brasil foi um pouco diferente. Os portos foram abertos e o país podia fazer comércio com a metrópole.

De qualquer forma Dom Pedro I não fez a independência no grito, certo?

Não mesmo. É algo muito maior, que envolveu as elites tradicionais do Sudeste. O Norte e Nordeste apoiaram Portugal. O grupo que promoveu a independência percebeu que para manter a coroa era necessária uma separação de Portugal. Dom Pedro era o filho primogênito, cabia a ele esse papel. Havia todo um movimento aqui de circulação de ideias, de panfletos, jornais. Foi um movimento cultural também. O Brasil acabou mantendo a escravidão e criou-se uma nação um tanto disforme, que não estava unida em torno de um mesmo propósito.

Quais as principais diferenças entre o processo de independência dos Estados Unidos e do Brasil?

A colonização aqui e lá foi muito diferente, embora ambos os países tenham passado por processos violentos. Nos Estados Unidos, as leis precisam ser aprovadas pelos governantes locais, havia câmaras e todo um aparato para isso. Era um outro tipo de administração, diferente daqui. A educação também era intensiva, o que não acontecia no Brasil.

Por que o Brasil até hoje é um exportador de commodities, como era na época do Brasil colônia?

Isso não é exclusivo do Brasil, faz parte da divisão internacional do trabalho, embora venha de nosso passado. Não temos uma indústria forte. Sem isso, vai vender que tipo de produto de maior valor agregado? O que temos a oferecer é o agronegócio.

E em termos de avanços, em que crescemos?

Em primeiro lugar, não podemos achar que somos inferiores. Houve muitos avanços e também retrocessos. Entre as conquistas, destaco o índice de alfabetização. A educação é algo fundamental. Na economia, saímos da hiperinflação e conseguimos alguma estabilidade. A exploração de petróleo foi outra conquista. No campo social, fizemos a inclusão das camadas mais pobres da sociedade. E instalamos um parque industrial. Faltou, no entanto, desenvolver a indústria. Mas, como falei, isso dependende também de um contexto internacional.

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