Incêndios no Pantanal causam devastação e emitem alerta climático (Ibere PERISSE/AFP)
Reuters
Publicado em 14 de setembro de 2020 às 13h07.
Última atualização em 14 de setembro de 2020 às 13h47.
Um incêndio está queimando desde meados de julho no Pantanal, deixando um rastro enorme de destruição em uma área maior do que a cidade de Nova York.
Uma equipe de veterinários, biólogos e guias locais chegou no final de agosto para percorrer a esburacada estrada de terra conhecida como Rodovia Transpantaneira em picapes, tentando salvar animais feridos.
Onças-pintadas vagam pelo terreno carbonizado, disseram eles, com fome e sede, as patas queimadas, os pulmões enegrecidos pela fumaça. Eles viram corpos de jacarés, mandíbulas congeladas em gritos silenciosos, o último ato de criaturas desesperadas para se refrescar antes de serem consumidas pelas chamas.
Este grande incêndio é um dos milhares de incêndios que varrem o Pantanal brasileiro --o maior pântano do mundo-- neste ano, no que os cientistas climáticos temem que possa se tornar um novo normal, repetindo outros casos de aumento de incêndios causado pelo clima, da Califórnia à Austrália.
O Pantanal é menor e menos conhecido do que a floresta amazônica, mas as águas normalmente abundantes e a localização estratégica da região --entre a floresta tropical, vastos campos do Brasil e florestas secas do Paraguai-- o tornam um atrativo para os animais.
Os incêndios agora estão ameaçando um dos ecossistemas de maior biodiversidade do planeta, dizem os biólogos. O Pantanal abriga cerca de 1.200 espécies de animais vertebrados, incluindo 36 ameaçados de extinção. Em toda esta paisagem geralmente exuberante de 150.000 quilômetros quadrados, pássaros raros voam e a mais densa população de onças-pintadas do mundo vagueia.
O fogo não é novidade aqui. Por décadas, os fazendeiros usaram as chamas para devolver nutrientes ao solo de forma barata e renovar o pasto para o gado de corte. Mas essas chamas, alimentadas pela seca, agora queimam com força histórica, correndo pela vegetação ressequida. Os maiores incêndios no Pantanal neste ano representam o quádruplo do tamanho do maior incêndio na floresta amazônica, mostram os satélites da Nasa.
Um recorde de 23.490 quilômetros quadrados foi queimado até 6 de setembro --quase 16% do Pantanal brasileiro, de acordo com uma análise da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
No mês passado, a Reuters testemunhou um incêndio que atingiu de uma floresta a uma pastagem perto do portal turístico de Poconé, no Estado de Mato Grosso. A temperatura no solo subiu para 46,5 graus Celsius.
Dorvalino Conceição Camargo, um lavrador de 56 anos com um chapéu de palha comum entre os trabalhadores locais, ajudou a conter as chamas.
Suando com o esforço, Camargo disse que nunca tinha visto fogo tão forte.
“Sofre tudo”, disse ele, explicando que “o gado está sofrendo, (mas) não é só o gado, sofre tudo.”
O Pantanal é conhecido por ser úmido, não seco. A maior planície inundável do mundo normalmente se enche de água durante a estação chuvosa, de novembro a abril de cada ano.
Camargo lembra de ter navegado nas águas ainda criança em canoas. De volta à fazenda onde trabalha, ele mostrou a marca d'água da fazenda --70 centímetros acima do solo-- talhada no poste de um curral de gado. Mesmo em um ano seco, normalmente é cerca de metade disso, disse ele.
Este ano, as inundações nunca vieram. Apenas um pouco de água se acumulou em uma vala próxima, afirmou ele.
Agora, com a evaporação da água na estação seca, o rio Paraguai, que corta o Pantanal, atingiu seu ponto mais baixo desde 1973, segundo Julia Arieira, pesquisadora de clima da Universidade Federal do Espírito Santo.
Os especialistas atribuem a seca ao aquecimento do Oceano Atlântico, logo acima do equador, que está retirando a umidade da América do Sul e a enviará para o norte, provavelmente na forma de furacões mais fortes.
O cientista da Nasa Doug Morton disse que este fenômeno é causado por mudanças na temperatura do oceano conhecidas como Oscilação Multidecadal do Atlântico - o equivalente do Oceano Atlântico ao El Niño no Pacífico. Ao contrário do El Niño, que normalmente acontece a cada 2-7 anos, a Oscilação alterna entre quente e frio aproximadamente a cada 30-40 anos.
Quando esquenta, como acontece desde a década de 1990, é mais provável que ocorra o aquecimento do Atlântico Norte tropical, contribuindo para as secas e incêndios sul-americanos.
As mudanças nas temperaturas do oceano são "um provável fator das condições de seca que temos visto até agora este ano no Pantanal", de acordo com Morton, que lidera o laboratório de ciências biosféricas da Nasa.
Morton afirmou que a fase quente também pode estar contribuindo para mais seca na parte sul da Amazônia, onde os incêndios provavelmente atingiram em agosto o maior número em 10 anos, e nos pântanos da Argentina, onde as chamas são as piores desde 2009.
Mais preocupante ainda, Morton teme que o aquecimento global possa desorganizar a Oscilação e deixá-la permanentemente na fase quente, contribuindo para mais incêndios.
No governo de Jair Bolsonaro, o Brasil também enfraqueceu a fiscalização ambiental.
O Ministério do Meio Ambiente não respondeu a um pedido de comentário.
O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, visitou o Pantanal em agosto, dizendo que as agências ambientais federais enviaram cinco aeronaves e funcionários adicionais para ajudar os mais de 100 bombeiros estaduais que combatem as chamas.