Medicamentos: nova pílula deve ser tomada por duas semanas (Marcello Casal Jr./Agência Brasil)
Estadão Conteúdo
Publicado em 20 de abril de 2022 às 19h19.
Hospitais e farmácias de São Paulo e de outros Estados, das redes pública e privada, têm relatado falta de alguns medicamentos: de produtos básicos, como antibióticos e dipirona injetável, a remédios de alto custo, para doenças como lúpus, Guillain-Barré e Crohn.
Entre os motivos, dizem secretarias de Saúde e entidades do setor, estão problemas no fornecimento pelo Ministério da Saúde e dificuldades de importação de insumos, por causa da guerra na Ucrânia, do lockdown na China e movimentos de protesto de funcionários em portos e aeroportos. Gestores admitem a necessidade até de interromper tratamentos e adiar cirurgias eletivas (não urgentes).
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Conforme a Secretaria da Saúde paulista, dos 134 medicamentos distribuídos pela pasta federal, 22 estão em falta no Estado (17% do total). Em Minas, dos 256 remédios distribuídos pela rede estadual, faltam 51 (20%). Nesta semana, o Sindicato dos Hospitais, Clínicas e Laboratórios do Estado de São Paulo (SindHosp) alertou para estoques críticos na rede privada.
Presidente do SindHosp, Francisco Balestrin diz que o cenário é grave. "O problema de abastecimento tem múltiplas causas, sendo a principal o conflito Rússia x Ucrânia, que dificultou importações e causou aumento dos preços dos insumos", afirma. "Soma-se, ainda, a dificuldade de liberação dos produtos nos portos e aeroportos", acrescenta, em referência aos protestos de funcionários da Receita nas últimas semanas.
Segundo o sindicato, as queixas mais frequentes incluem falta de dipirona injetável, que tem ação analgésica, a ocitocina, usada em partos, e a neostigmina, reversor de bloqueio neuromuscular usado em anestesias gerais. Também estão na lista de faltas os aminoglicosídeos (amicacina e gentamicina), que são bactericidas e imunoglobina humana, usada no controle de desordens imunológicas e inflamatórias específicas, incluindo as síndromes de Kawasaki e de Guillain-Barré.
Em fevereiro, a Secretaria paulista e o Conselho de Secretários Municipais de Saúde do Estado (Cosems-SP) já haviam enviado documento ao ministério sobre o abastecimento irregular. No último relatório da Coordenadoria de Assistência Farmacêutica (Ceaf) da pasta estadual, de 12 de abril, constavam 19 medicamentos com estoque irregular, além de dois oncológicos em falta.
Conforme o Consems-SP, havia previsão de que fosse normalizado em abril o fornecimento dos oncológicos. Vice-presidente do conselho e titular de Saúde em Guararema, Adriana Martins diz que a falta de medicamentos também afeta pacientes com enfermidades autoimunes, como lúpus e doença de Crohn.
"Temos casos de pacientes que foram obrigados a interromper o tratamento por falta desses medicamentos, que são muito específicos, e outros que não conseguiram sequer iniciar. Isso acontece não só em São Paulo todo, mas também em outros Estados" afirma.
A Secretaria da Saúde paulista diz que cobra o governo federal. Acrescenta que o Estado "apenas redistribui os medicamentos e comunica os pacientes assim que o órgão federal realiza as entregas e as farmácias são abastecidas".
Já conforme a pasta da Saúde de Minas, o remédio distribuído por sua rede é considerado em falta quando está insuficiente para atender 40% da demanda. A secretaria diz se empenhar na compra de medicamentos de sua responsabilidade, inclusive mantendo o pagamento em dia de fornecedores. "Os atrasos têm ocorrido pela demora da entrega pelo Ministério da Saúde e pelos fornecedores, bem como dificuldade de aquisição de alguns fármacos."
Unidades de saúde particulares em São Paulo relatam adiar cirurgias por causa da falta de medicamentos como a neostigmina, relaxante muscular que ajuda pacientes a se recuperarem da anestesia.
"É necessário para ajudar o paciente a voltar para o quarto após a cirurgia, mas já tem dois meses que não conseguimos comprar. O custo dele não chega a R$ 10 o frasco, mas o substituto, bridion/sugammadex, custa quase R$ 500. Fica difícil repassar para o paciente e, se a cirurgia não é urgente, é adiada", explica Marcelo Carlos Godofredo, dirigente do Hospital Saint Nicholas, de Suzano, na Grande São Paulo.
Já o Hospital Santa Elisa, em Jundiaí, busca parcerias com outros estabelecimentos para a troca de medicamentos em falta. "Isso foi feito durante a pandemia, com anestésicos e kits de intubação, e agora fazemos com outros medicamentos", diz Marcelo Camargo, diretor-geral do Santa Elisa.
Segundo ele, a escassez de insumos vindos da Europa e da China atrapalha. "O problema vem desde a pandemia e se agravou com a guerra. Há falta de contêineres, de navios e houve aumento global de preços."
A Associação Brasileira de Colite Ulcerativa e Doença de Crohn (ABCD), que auxilia pacientes e familiares, participa do Movimento Medicamento no Tempo Certo. O grupo se dedica a mapear a distribuição de medicamentos nas farmácias de alto custo. De 1º de janeiro a 28 de fevereiro, o movimento recebeu 2.801 relatos de pacientes e cuidadores, reportando a falta de 63 medicamentos nas farmácias de alto custo em 21 Estados.
Nas prateleiras das farmácias comerciais, a escassez também é notada. A reportagem percorreu farmácias das zonas norte, sul e leste da capital paulista nesta quarta-feira, 20, e constatou a dificuldade para encontrar os medicamentos Novamox 400mg, Amoxicilina pediátrica, principalmente de 250mg, Deposteron 200mg e Noripurum 100mg (mastigável e injetável), usado contra anemias.
"Já faz mais de dois meses que não tenho esses remédios na farmácia. E são muito procurados. Nosso estoque não supriu a demanda", afirma Roberto Silva, de 25 anos, gerente da Droga Raia, na Praça Silvio Romero, zona leste paulistana. O medicamento para tratamento hormonal, o Deposteron 200mg, está em falta desde o fim de 2021, segundo farmacêuticos. Só em duas farmácias, da zona leste e em outra da zona norte, foram localizadas uma ou duas unidades do remédio em estoque.
Segundo Lucas Daniel, de 20 anos, auxiliar de farmacêutico da Drogasil no Limão, na zona norte, esses medicamentos são muito procurados. "No momento, tenho somente duas unidades do Deposteron. Mas esses medicamentos chegam pouco e, quando chegam vendemos logo. Hoje tenho só duas unidades na loja", disse.
Desde o surto da gripe no fim de 2021, o antibiótico Novamax 400mg, que sai por R$ 130, é outro medicamento que está em falta em muitas redes de farmácias das zonas norte e leste. Em farmácias do Brooklin, na zona sul, e da Vila Matilde e Ponte Rasa, na zona leste, somente algumas unidades ainda estavam disponíveis na manhã desta quarta-feira.
Em Sorocaba, no interior, a designer Liz Guedes relata perrengue semelhante. O noripurum injetável, usado no tratamento de anemia estava em falta em todas as farmácias da região em que mora, na zona leste da cidade.
"Consegui achar em uma farmácia da zona oeste, pedi para reservar e fiz uma verdadeira viagem para buscar", disse. Já o resolor, indicado para constipação intestinal, ela só achou depois de procurar em uma dezena de farmácias. "Eles diziam apenas que estava em falta", disse.
Também de Sorocaba, a aposentada Eleni Segamarchi conta que, na semana passada, procurou o xarope mucosolvan em uma farmácia da Santa Rosália, bairro onde mora. "Fui à farmácia e não tinha. Foi a primeira vez que isso aconteceu, pois é um remédio muito básico", afirma.
Dono de uma farmácia em Belo Horizonte, Francisco Emerlindo Dias reclama da falta de medicamentos desde janeiro e conta que seu faturamento mensal caiu em 8%. "Tivemos uma sazonalidade de gripe atípica em janeiro, devido a alta da Ômicron com sintomas semelhantes e até mesmo da gripe comum. Janeiro foi de escassez mesmo e muita dificuldade de atender a clientela, e até agora sentimos que os estoques não estão normalizados e os fabricantes estão com dificuldade de repor a tempo da sazonalidade tradicional que é de abril a junho", conta.
Na Drograria do Dias, está em falta a Amoxicilina pura 400 mg, a Amoxicilina combinada com clavulanato, a Amoxicilina, os antialérgicos fexofenadina e desloratadina, além do cortisona infantil fosfato de prednisolona. "Estamos realmente preocupados em como atender a sazonalidade de doenças durante o outono", reclama.
Assessor jurídico do Sindicato do Comércio Varejista de Produtos Farmacêuticos de São Paulo (Sincofarma-SP), Rafael Espinhel diz que alguns medicamentos, como amoxicilina e paracetamol, estão com falta de matéria-prima porque a demanda global está maior que a capacidade dos fabricantes da China e da Índia. "Tem também o lockdown nos dois maiores portos da China, que têm dificultado o embarque e desembarque dos insumos", observou. Segundo ele, há, de fato, falta de medicamentos em drogarias, em São Paulo, "mas ainda não representa percentual alto, visto que os estabelecimentos tinham bom volume de estoque".
O Sindicato da Indústria de Produtos Farmacêuticos (Sindusfarma) informou não ter recebido, até agora, nenhum relato das indústrias farmacêuticas associadas sobre problemas na produção e distribuição dos medicamentos citados na reportagem. Procurado o ministério ainda não se manifestou.
Sobre a operação-padrão dos auditores fiscais da Receita Federal o órgão informou que não se manifesta sobre a greve. Desde o fim de 2021, servidores do fisco fazem paralisações e seguram cargas como forma de pressionar o governo federal para recompor o orçamento do órgão e regulamentar um bônus de eficiência pago aos auditores. O Sindicato dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Sindfisco) foi procurado e ainda não deu retorno.