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Herdeiro do lulismo, Haddad vive desafio de se firmar como político

Vestido como a imagem pública do ex-presidente, encarregado de herdar os votos do lulismo, Haddad tem tentado aos poucos mostrar sua própria personalidade

Haddad: suas posições muitas vezes desagradam a setores mais duros do petismo (Ricardo Moraes/Reuters)

Haddad: suas posições muitas vezes desagradam a setores mais duros do petismo (Ricardo Moraes/Reuters)

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Reuters

Publicado em 5 de outubro de 2018 às 21h10.

Brasília - Andrade, Rada, Adauto. Nos dias que se sucederam a sua indicação para substituir Luiz Inácio Lula da Silva, a piada era recorrente: boa parte dos eleitores não sabia nem mesmo pronunciar o nome Fernando Haddad, em uma amostra da dificuldade, ricos ou pobres, de saberem quem era, de onde veio ou o que pensa o professor universitário alçado a candidato de Lula.

Vestido como a imagem pública do ex-presidente, encarregado de herdar os votos do lulismo, Haddad tem tentado aos poucos mostrar sua própria personalidade, mesmo que às vezes tenha que brigar por isso dentro do próprio partido.

Ao começar a assumir a campanha como presidente, chegou a ouvir, em uma reunião do partido em que se decidia como apresentá-lo ao eleitor, que não era necessário colocar sua biografia, que "não era importante", já que seria apenas "o candidato do Lula".

Coordenador do programa do governo que era do ex-presidente e agora é seu, Haddad toma para si várias das ideias apresentadas ali, como os principais pontos da reforma tributária, por exemplo, ou mesmo temas ainda mais polêmicos como o de controle da mídia. Em outros, admite que cedeu. Agora, como candidato, começa a deixar claro alguns pontos que não puderam entrar no programa.

Na reforma da Previdência, por exemplo, o programa genérico apresentado pelo PT deixou de fora questões como idade mínima, que chegou a ser considera, mas foi vetada pela cúpula partidária. Recentemente, disse em uma sabatina, que "nada era tabu" sobre a reforma, uma afirmação que entrou atravessada nos ouvidos de petistas graúdos. Recentemente, no entanto, o grupo que coordena a campanha, contou uma fonte, concordou em deixar que apenas Haddad falasse de economia, uma exigência do candidato para evitar "ruídos".

Quem conhece o ex-prefeito diz que, apesar da lealdade total a Lula, nem sempre defere as ideias de seu mentor e muito menos do partido, o que já lhe levou a colecionar embates históricos com o PT.

O mais famoso aconteceu assim que assumiu a prefeitura de São Paulo e o leva a ter, até hoje, um relacionamento difícil com a ex-presidente Dilma Rousseff. A então presidente o chamou a Brasília e pediu que Haddad adiasse o programado aumento das tarifas de ônibus, previsto para janeiro --tentando manter a inflação sob controle, Dilma queria segurar as tarifas públicas.

O então prefeito apresentou uma alternativa --que agora está no plano de governo do PT-- de reverter a Cide, contribuição sobre os combustíveis, para subsidiar o preço das tarifas, o que foi negado pelo governo federal. Haddad cedeu até maio de 2013, quando o inevitável aumento levou a protestos em São Paulo que se espalharam pelo país, ultrapassaram a questão das tarifas e se transformaram na primeira grande crise popular dos governos petistas.

Haddad não esconde as críticas à política econômica do governo Dilma, especialmente as desonerações usadas no segundo mandato, mas começando com a tentativa da ex-presidente de tentar controlar a inflação usando as tarifas públicas.

"Alguma coisa estava muito errada: não se pensa em controlar a inflação de um país continental pelo represamento de uma tarifa municipal sem atravessar estágios intermediários e sucessivos de uma compreensão equivocada. Não se chega a um erro deste tamanho sem ter feito um percurso todo ele equivocado. Não se produz estabilidade macroeconômica por intervencionismo microeconômico", disse Haddad em um artigo publicado em junho de 2017 na revista Piauí.

CABEÇA DE QUEM?

As posições de Haddad muitas vezes desagradam a setores mais duros do petismo. Antes mesmo de ser confirmado candidato, o ex-prefeito passou a ser procurado e a conversar com representantes do mercado e de investidores. A recepção foi boa.

"Haddad se mostrou bem mais aberto ao diálogo que a gente estava esperando. Passa imagem muito moderada que agrada o mercado, mas tem o temor de sempre do PT. Mas dentro da possibilidade de vencer alguém de esquerda, o nome dele é o mais palatável. Há mais previsibilidade, é possível conversar", disse uma analista de mercado à Reuters.

As credenciais econômicas do ex-prefeito são lembradas por ele mesmo quando quer se defender de acusações de que o PT não teria respeito a questões fiscais. Derrotado na sua tentativa de se reeleger, Haddad sempre lembra que deixou o cargo com dinheiro em caixa para investimentos, a dívida da cidade renegociada e a prefeitura com grau de investimento das agências internacionais.

As dúvidas que surgem, no entanto, são de até que ponto Haddad seguiria a própria cabeça ou a do ex-presidente a quem é, hoje, quase um alter ego eleitoral. Em conversa com a Reuters, afirmou que o programa de governo usado pelo PT é de sua autoria, junto com Lula.

"As ideias que eu defendo são conversadas com Lula, tem aval dele e são ideias que eu acredito", disse o ex-prefeito à Reuters, que revelou ainda ter sido convidado primeiro por Lula não para ser seu vice ou substituto, mas para ser ministro da Fazenda.

Recentemente, em um vídeo gravado para as redes sociais, Haddad confirma uma história já conhecida: ao chegar ao governo, era um desconhecido para Lula e vice-versa. O ex-presidente acreditava inclusive que Haddad nunca havia votado nele, o que não era verdade.

"Eu o conheci no trabalho, no dia a dia do governo", contou. "Hoje, Lula é uma pessoa da família."

A proximidade com o ex-presidente lhe rende críticas constantes dos rivais na disputa pelo Palácio do Planalto. Incluído na lista de advogados que podem ter acesso direto ao ex-presidente, Haddad vai todas as semanas a Curitiba, onde Lula está preso, para encontros políticos.

Sempre cuidadoso com as palavras, Haddad já disse que o ex-presidente sempre será "um grande conselheiro", mas desconversa sobre a possibilidade de Lula ter um papel mais prático em um eventual governo seu e nega a possibilidade de libertá-lo com um indulto alegando que o próprio ex-presidente já disse que não quer.

COMEÇO

Professor da Universidade de São Paulo (USP), 55 anos, formado em direito, com mestrado em economia e doutorado em filosofia, Haddad é filiado ao PT desde a juventude, mas teve pouca atuação partidária. Começou a se aproximar da administração pública convidado pelo economista João Sayad, então secretário de Finanças da prefeitura de Marta Suplicy, para trabalhar na secretaria.

Foi embora com Sayad quando a então prefeita decidiu esquecer a cartilha implantada por seu secretário e abrir os cofres para investir em grandes obras.

Por algum tempo, Haddad acreditou que teria de deixar a administração pública e voltar para a sala de aula mas, apresentado a Guido Mantega, então ministro do Planejamento, foi para Brasília para uma assessoria do ministério.

Pouco tempo depois, foi chamado por Tarso Genro --um dos poucos petistas com que tinha uma boa relação, para ser seu secretário-executivo no Ministério da Educação. Ali, Haddad construiu o Programa Universidade para Todos, que obriga instituições que tem o selo de beneficentes, a trocar as renúncias tributárias por bolsas para alunos de baixa renda. O programa, que já atende mais de 1 milhão de estudantes, é uma das maiores propagandas do PT.

Haddad assumiu o ministério quando Tarso deixou o governo para cuidar do partido, em meio à crise do mensalão, e indicou seu secretário para assumir a pasta. Ali, começou sua relação próxima com Lula, que se encantou com seu então ministro.

O presidente foi o fiador da campanha do ex-ministro para a prefeitura, em 2012, e o grande responsável por sua eleição. Lula, na verdade, já o havia imaginado como candidato ao governo de São Paulo, em 2010, mas o próprio Haddad resistiu. "Falta-me o essencial: votos. Até dentro do partido", disse à época o então ministro da Educação.

A resistência a Haddad à época --que se manteve em 2012 e só foi vencida na base da insistência de Lula-- vinha da dificuldade que o ex-ministro tinha de ceder a pedidos do partido que considerava fora de linha. O apelido de "poste", usado hoje para designar os candidatos supostamente sem personalidade escolhidos por Lula para substituí-lo, foi usado inicialmente para Haddad com outro sentido: o de não ter jogo de cintura para atender as demandas políticas do PT, que não eram poucas.

O deputado paulista Devanir Ribeiro foi o autor da designação quando, ao pedir ao então ministro para trocar o reitor da Universidade Federal do ABC, Haddad disse não. Irritado, o deputado disse que o então ministro era um "poste", sem sensibilidade política.

SEM PERDER A CABEÇA

A avaliação ainda é corrente em determinados segmentos do PT, mesmo que hoje se reconheça internamente que Haddad melhorou. Parte do partido, disse à Reuters uma fonte petista, ainda o vê como uma "Dilma de calças", em uma referência a teimosia e dificuldade de negociação da ex-presidente.

Uma segunda fonte, no entanto, afirma que Haddad melhorou ao lidar com as correntes internas do partido. "Ele amadureceu muito e acumulou muita experiência, surpreendeu positivamente o próprio PT", avaliou.

O próprio candidato não se vê assim. No artigo que escreveu para a Piauí, diz que, filho de libaneses, pai comerciante e mãe normalista, aprendeu em casa a conversar e negociar.

"Tenho um temperamento em geral tranquilo, mesmo nas situações mais adversas. As pessoas confundem isso com frieza, mas não é. Choro até com propaganda de tevê. Mas costumo ser focado e dificilmente perco a cabeça", contou.

A tranquilidade lhe permitiu navegar as águas turbulentas do petismo nos últimos meses. Depois de deixar a prefeitura, derrotado por João Dória no primeiro turno, em 2016, Haddad voltou a dar aulas na universidade enquanto pela primeira vez se imiscuía diretamente na vida partidária, mesmo que sem ter nenhum cargo.

Passou a ser um dos interlocutores mais próximos do ex-presidente Lula, um dos seus confidentes e um dos poucos capazes de dizer a ele coisas que não gostaria de ouvir. Foi com essa abertura que Haddad tentou negociar --com autorização do ex-presidente-- uma aliança com o presidenciável do PDT, Ciro Gomes, de quem poderia ser o candidato a vice.

A prisão de Lula, que o próprio presidente não acreditava até o último instante que iria acontecer, interrompeu as negociações de Haddad, os planos de Lula e abriu uma disputa interna no PT por um cargo que nem mesmo o ex-prefeito sabia se queria, mas pelo qual acabou brigando e conseguindo.

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