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Haitianos enfrentam preconceito e abusos no Brasil

Em busca de oportunidades, haitianos sofrem preconceito e abusos no país


	Haitiano mostra dicionário da língua portuguesa: cerca de 65 mil haitianos chegaram ao Brasil entre 2011 e 2015
 (Marcello Casal Jr./ABr)

Haitiano mostra dicionário da língua portuguesa: cerca de 65 mil haitianos chegaram ao Brasil entre 2011 e 2015 (Marcello Casal Jr./ABr)

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Da Redação

Publicado em 30 de janeiro de 2016 às 10h23.

São Paulo - "Se você quer, pega. Se não quer, não quer". Foi assim que Alix Mustivas, de 26 anos, foi tratado pelo patrão após se machucar enquanto trabalhava na construção civil. Após fraturar a coluna o braço em dois lugares durante o trabalho - sem carteira assinada - o dono da empresa ofereceu R$ 300 ao jovem. "Eu disse que minha vida não valia R$ 300".

Mustivas, que teve o apoio de entidades sindicais catarinenses para receber, durante um mês, auxílio do INSS, conta que ficou dois dias sem levantar e andar. "Depois de uma semana consegui caminhar e levantar sozinho", afirma.

Haitiano, ele está há mais de um ano entre Curitiba e Santa Catarina. Mustivas veio ao Brasil em busca de oportunidades melhores do que as que encontrava no país de origem, que ainda se recupera de um devastador terremoto, que atingiu a nação em 2010.

"Eu trabalhei em um condomínio em Santa Catarina, mas depois da temporada não precisavam mais de serviço", conta ele, que então conseguiu um novo emprego, no setor de construção civil, sem dificuldades.

"O chefe pagava R$ 70 por dia, mas não queria assinar a carteira de trabalho. Ele dizia que ia assinar na semana seguinte, mas nunca assinava. Eu estava em uma situação que tinha que pagar aluguel, ajudar minha filha, não podia ficar parado", conta ele, pai de uma garota de 7 anos que mora com os avós maternos no Haiti.

Atualmente, ele mora em Curitiba - "achei que lá teria mais gente para cuidar de mim", contou - onde tem uma banda e trabalha como segurança em uma universidade particular.

Mustivas é, de acordo com dados da Polícia Federal, um dos 65 mil haitianos que chegaram ao Brasil entre 2011 e novembro de 2015.
Não há dados precisos sobre quantos haitianos vivam em Santa Catarina, mas as estimativas giram em torno de 6.000 pessoas.

"O indicativo que se tem é que em 2013, segundo o Ministério do Trabalho e Emprego, os haitianos tornaram-se o grupo de trabalhadores imigrantes em SC, de maior presença no mercado formal", explica a professora Gláucia Assis, coordenadora do Observatório das Migrações de Santa Catarina, ligado à UDESC.

Em Santa Catarina, nos cinco primeiros meses do ano passado, foram emitidas 2.259 carteiras de trabalho para haitianos, mais do que o dobro do registrado ao longo de 2014: 986.

Gláucia aponta para a configuração de redes sociais, que fazem com que um imigrante "puxe" o outro para determinada cidade.
"Esse incremento da presença de haitianos no estado se deve ao fato de que a maioria quando chegou encontrou trabalho, antes da intensificação da crise econômica, e a principalmente ao fato de que os imigrantes uma vez estabelecidos e encontrando trabalho tendem a passar essa informação a amigos e parentes que vem para onde já há algum conhecido estabelecido e posso ajudar a encontrar emprego e moradia."

Foi a perspectiva de um emprego e a possibilidade de avançar nos estudos que levaram Alexandre Bladimy, de 28 anos, a Balneário Camboriú. Antes, ele trabalhou em um frigorífico no Rio Grande do Sul.

"Foi um momento muito duro para mim, pois meu coração não compartilha com esse tipo de lugar, com sangue, com sofrimento. Tenho um coração muito sensível", conta ele, que trabalhou por um ano e pediu para ser mandado embora.

Após um ano sem emprego, o jovem começou a cursar Relações Internacionais na Universidade do Vale do Itajaí, onde trabalha na Secretaria de Inclusão, com o atendimento a conterrâneos.

Ele, que trabalhava como gerente de uma escola técnica no Haiti e dava aulas de idiomas, critica a falta de políticas públicas voltadas aos haitianos.

"O governo está promovendo uma política externa para trazer mais haitianos para o Brasil, mas não tem nada de políticas públicas para os haitianos aqui", conta ele, que afirma ter sido convidado para vir ao país, mesmo com um bom emprego no Haiti , e agora se prepara para voltar ao país de origem.

"Lá não estava muito ruim para mim. Eu ganhava bem, tanto que paguei minha passagem. Uma grande parte dos haitianos vem para procurar trabalho, mas eu tinha uma vida boa lá. O que me motivou a vir foi a boa oferta, eu esperava oportunidades melhores aqui, principalmente em avançar nos estudos."

Gláucia aponta que a falta de políticas públicas de acolhimento e os estranhamentos com a cultura, o modo de vida e o idioma são, muitas vezes, fatores que decepcionam os haitianos que chegam aqui.

"Situações como essas demonstram para os imigrantes que o País que construía a imagem de acolhedor ao estrangeiro, não é tão acolhedor assim - especialmente quando o imigrante vem de um país mais pobre e é negro. Os haitianos conhecem o racismo em várias situações cotidianas, ao circularem em ônibus, no acesso ao mercado de trabalho, ao acessarem serviços públicos..."

O Ministério da Justiça afirma que, além de aumentar a capacidade de emissão de vistos no próprio Haiti e tentar desistimular as rotas ilegais, vem desenvolvendo ações em parceria com estados e municípios e diversos ministérios para apoiar a integração dos haitianos e outros imigrantes no país.

Em entrevista ao HuffPost Brasil no ano passado, o secretário nacional de Justiça, Beto Vasconcelos, afirmou que o contingente de haitianos que chegam ao Brasil configuram "um número importante como uma política humanitária, mas um número absolutamente passível de absorção pela sociedade brasileira".

No entanto, com a lacuna deixada pelo Estado, o acolhimento e atendimento aos haitianos acaba ficando também a cargo da sociedade civil, explica Gláucia. Pensando nisso, há algumas iniciativas que procuram reconhecer o trabalho da sociedade civil.

Tramita na Câmara de Vereadores de Balneário Camboriú, desde maio de 2015, um projeto que pretende reconhecer a utilidade pública da Associação dos Haitianos de Balneário Camboriú (ASHABC).

"A motivação é que o trabalho da entidade nos permite avaliar melhor os fatores que causam a imigração e as possibilidades destes imigrantes em Balneário Camboriú. Na ausência de políticas públicas, ela está ocupando um espaço que deveria ser do Poder Público. A Associação tem atuado na recepção, encaminhamento e geração de oportunidades para os imigrantes de nossa cidade", explica o vereador Pedro Francez (PSD-SC), autor do projeto.

Antes da criação da associação, conta ele, havia relatos de haitianos que vieram direto do Acre e ficaram esperando por mais de 11 horas na rodoviária até que alguém fizesse o primeiro contato. Entre os objetivos do projeto, caso seja aprovado, está o de fortalecer a organização e permitir convênios com a prefeitura, inclusive em projetos que combatam o preconceito.

Para Gláucia, um projeto como esse sinaliza a importância de que a comunidade integre os imigrantes à sociedade, em vez de vê-los apenas como mão de obra. "São projetos como esse que podem contribuir também para uma maior acolhimento, mais trocas interculturais e consequentemente, menos preconceitos e xenofobia aos imigrantes", comenta.

Foi em Navegantes, a pouco menos de 20 km de Balneário Camboriú, onde a questão do racismo e da xenofobia, em 17 de outubro do ano passado tomou proporções ainda mais grotescas: Fetiere Sterlin, haitiano que chegara ao Brasil em 2011, através de uma rede de coiotes, foi morto a facadas após uma briga em Navegantes, no litoral catarinense.

"Este é um ato inadmissível de caráter xenofóbico, pois expressa ódio ao outro, incapacidade de conviver com a diferença. Apesar do crime ter sido enquadrado como crime passional pelas autoridades locais, gostaria de chamar a atenção para a possibilidade de ter sido um crime motivado por racismo e xenofobia", comenta Gláucia.

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