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Haddad: um coxinha na corrida pela prefeitura de SP

Depois de fazer mágica com Dilma, é com o ministro que Lula pretende testar sua feitiçaria. Mas um personagem eleitoral viável depende de algo mais

Fernando Haddad, ministro da Educação: não circulam, em Brasília, histórias que o vinculem a qualquer escândalo de corrupção (Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil)

Fernando Haddad, ministro da Educação: não circulam, em Brasília, histórias que o vinculem a qualquer escândalo de corrupção (Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil)

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Da Redação

Publicado em 25 de julho de 2012 às 15h17.

São Paulo - Fernando Haddad é um político coxinha. Paulistana como o ministro da Educação, a gíria indica os bons moços. E Haddad, 48 anos, exala bom-mocismo. Ele é polido, articulado, tem uma vistosa formação acadêmica. Sua aparência enseja descrições que vão do “bem apessoado” ao “gatíssimo”. Mais importante (sim, isso é de fato admirável), não circulam, em Brasília ou algures, histórias que o vinculem a qualquer escândalo de corrupção. Todos esses são trunfos reais naquela que, presumivelmente, será a sua próxima empreitada: concorrer pelo PT, em 2012, à prefeitura de São Paulo.

Independentemente do partido a que pertençam, a cidade e o estado têm acolhido bem políticos com perfil coxinha, como demonstra o sucesso de Gilberto Kassab, Gabriel Chalita e Geraldo Alckmin em eleições recentes. Isso certamente entra nos cálculos do principal padrinho da candidatura de Haddad. Depois de fazer mágica com Dilma Rousseff, é com o jovem ministro que o ex-presidente Luis Inácio Lula da Silva pretende testar sua feitiçaria. Mas um personagem eleitoral viável, sobretudo se o propósito é concorrer a um cargo executivo de grande projeção, depende de algo mais. E a construção já está em andamento.

Escoras e tapumes – Há cerca de duas semanas, o ministro desfilou ao lado de Lula em uma feira literária em São Bernardo do Campo. Foi uma de suas primeiras aparições públicas com sabor de campanha. Ele distribuiu tapinhas nas costas, deu autógrafos, leu um livro infantil para alunos do ensino fundamental. Ao lado de Haddad, o prefeito petista de São Bernardo, Luis Marinho, pôs para circular uma das ideias que certamente darão a tônica a uma futura campanha: a de que a gestão do ministro transformou profundamente a educação no Brasil.

A educação brasileira não foi revolucionada por Haddad. No final do ano passado, foram divulgados os resultados do último Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa, em inglês), promovido pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). O desempenho do aluno brasileiro foi pífio para as elevadas pretensões do governo.

O país ficou em 53º lugar entre os 65 avaliados. Em dez anos – cinco deles cobertos pelo ministério Haddad – a nota dos alunos brasileiros subiu de 396 para 412 pontos. Agora estamos um pouco atrás de Trinidad e Tobago. No mesmo período, entre 2000 e 2010, a Coreia do Sul subiu do sétimo para o segundo lugar no ranking do Pisa. Se mantiver o mesmo ritmo, em trinta anos o Brasil atingirá o atual grau de leitura dos alunos da Turquia, que está em 41º lugar, ainda abaixo do nível recomendado pela OCDE.


No final de 2010, o articulista Gustavo Ioschpe publicou em VEJA um balanço da Educação no governo Lula. Diz o texto: “Fernando Haddad caminhou na direção certa, e colheu resultados em sua maioria positivos: as taxas de matrícula aumentaram, os resultados em exames nacionais e internacionais também, algumas carências foram sanadas... O problema é que os avanços aconteceram em uma escala miseravelmente inferior àquela de que o Brasil precisa, e em áreas frequentemente desimportantes. Nas áreas primordiais, as mudanças não foram feitas.

Ainda temos um número inaceitavelmente alto de crianças que saem dos primeiros anos de escola sem saber ler nem escrever (uma em cada oito crianças brasileiras repete a 1ª série, número que é basicamente zero nos países desenvolvidos), nosso ensino médio ainda tem uma estrutura amorfa e desinteressante, ainda não conseguimos criar um caminho para aqueles que querem ter uma formação profissionalizante no ensino secundário, ainda não conseguimos formar bons professores nas nossas universidades (especialmente nas áreas de exatas), ainda não demos o salto de matrículas no ensino superior, nossa pesquisa ainda é pouca e com limitada utilidade prática, nossas escolas e universidades ainda são antros de pregação de uma ideologia marxista rasteira.” Algumas carências foram sanadas. Não mais que isso.

Não bastasse a tese furada da revolução educacional, Haddad falhou nos seus maiores testes de gestão – ou seja, nas empreitadas típicas do trabalho executivo. Sob seu comando, o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) sofreu vexames sucessivos. Além disso, o “PAC da Educação” coleciona obras paradas. Escoras e tapumes atrapalham a aulas em pelo menos vinte instituições federais de ensino superior pelo Brasil afora. A justificativa: as regras estritas para as licitações atrapalham, já que as empresas com melhor preço e, geralmente, de menor porte, acabam por vencer. Sem capital de giro e capacidade técnica, essas empresas não entregariam as obras no prazo. Sistema malvado...

O sistema soviético – Haddad é filho de um comerciante de tecidos da 25 de Março, rua central de São Paulo que já foi célebre por abrigar representantes da colônia libanesa na cidade. Estudou nas turmas de exatas – e só de homens - do Colégio Bandeirantes e ingressou na faculdade de Direito do Largo São Francisco no começo dos anos 80 Ex-diretor da Radiobrás, e hoje professor de da Escola de Comunicação e Artes da USP, Eugênio Bucci é um amigo dessa época. “Ele não tinha vícios. Era discreto sem ser careta”, diz Bucci. Tão discreto, que foram precisos vinte anos para Bucci descobrir que o ex-colega torce para o time do São Paulo, mesmo tendo frequentado as feijoadas preparadas na casa dos Haddad, perto do clube Sírio-Libanês, no bairro Planalto Paulista. Em vez de Geraldo Vandré, mandava bem no violão sua versão colonizada de “Blackbird”, dos Beatles. Aliás, ele gostava mais de Paul do que de John.

No fundo no fundo, porém, a verdade é que ele gostava mais de Lênin do que de McCartney. Haddad se filiou ao PT em 1983. O esquerdismo também se manifestou na candidatura à presidência do Centro Acadêmico XI de Agosto, da faculdade de Direito, pela chapa The Pravda (brincadeira com o nome do jornal oficial do regime soviético). Sua turma no XI de Agosto jura que, já naquela época, o ministro devorava as principais obras do marxismo – uma credencial mais importante do que ter ideias próprias. Porém, José Octaviano Inglez de Souza, derrotado na eleição estudantil, crê que isso só ocorreu depois, no mestrado de Economia. Educação de verdade, no Direito, muito pouco. “A turma do The Pravda defendia mesmo o fim do controle de frequência dos alunos”, recorda.


A tese de mestrado de Haddad, mencionada acima, se chamou “O Caráter Socioeconômico do Sistema Soviético”. Em vez de elaborada em Moscou ou Kiev, ela nasceu em boa parte durante uma aprazível temporada na Universidade McGill, no Canadá. Em 1992, o texto foi relançado em livro, com o título abreviado para “O Sistema Soviético”. Seguindo o mais previsível roteiro do marxismo acadêmico, Haddad, num texto suculento como um osso, procura compreender as causas do fracasso da União Soviética com vistas à implantação do “verdadeiro comunismo” no futuro.

A indescritível brutalidade do “sistema”, com seus milhões de assassinatos, obviamente não é tema que se aborde com destaque em livros do gênero. Essa brutalidade, aliás, parece ainda ser sendo um ponto-cego no pensamento de Haddad. Recentemente, ao explicar por que não mandaria tirar das escolas um livro que faz a apologia do falar errado, ele se explicou assim: “Há uma diferença entre o Hitler e o Stálin que precisa ser devidamente registrada. Ambos fuzilavam seus inimigos, mas o Stálin lia os livros antes de fuzilá-los. Essa é a grande diferença. Estamos vivendo, portanto, uma pequena involução, estamos saindo de uma situação stalinista e agora adotando uma postura mais de viés fascista, que é criticar um livro sem ler”.

A carreira acadêmica de Haddad evoluiu nos anos 90 entre a USP, o Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap) e uma certa pizzaria no bairro dos Jardins, todos eles pontos de encontro de uma certa intelectualidade paulistana que se desarticulou um pouco depois que PT e PSDB, antes próximos na cidade, se tornaram inimigos figadais.

Dormindo com o inimigo – O primeiro posto político de Haddad foi como chefe de gabinete da secretaria de Finanças na prefeitura de Marta Suplicy (2001/2003). O acadêmico, assim transformado em tecnocrata, chegou a Brasília em 2003, como assessor no Ministério do Planejamento, e foi levado ao MEC por Tarso Genro, a quem substituiu.

Dentro do PT, muita gente não está convencida de que este ex-professor, com zero de conhecimento sobre a dinâmica de um partido cheio de dinâmicas como o PT, é o nome certo para concorrer à prefeitura. As alternativas a Haddad são os senadores Eduardo e Marta Suplicy e os deputados federais Jilmar Tatto e Carlos Zaratini. Todos donos de bases eleitorais que Haddad não possui e dispostos a encarar prévias partidárias. “Fiz mais de oito milhões de votos”, diz Eduardo Suplicy, que se reelegeu para o Senado em 2006. “Vou até o fim e vou ganhar a eleições de 2012”, diz Marta. É bem provável, no entanto, que o roteiro seja mesmo aquele escolhido pelo chefão do partido. “Vai depender da disposição de Lula em desfilar ao lado dele. Com isso, a candidatura decola”, diz um quadro petista que preferiria outro nome, e talvez por isso mesmo peça o anonimato (não é bom trombar com Lula).

Em sua passagem recente pela à feira literária de São Bernardo, Haddad foi abordado por uma menina. “O senhor estudou em escola pública?”, perguntou ela. A resposta veio em tom de desculpa: “Bem, meu pai escolheu me matricular numa escola privada.” Mas ele logo emendou: “Hoje a escola pública recuperou muito de seu prestígio. As de São Bernardo têm notas iguais às de países desenvolvidos.”

Ora, dos 5.498 municípios que participaram dos testes do Ministério da Educação para aferir o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) em 2009, só 405 atingiram notas consideradas de primeiro mundo nos anos iniciais do Ensino Fundamental em escolas públicas. Nos anos finais, só cinco municípios atingiram a meta – e São Bernardo não está entre eles.

Hadadd têm fama de esgrimir com destreza argumentos técnicos e de sempre se pautar por números. Se na boca de um político as estatísticas costumam ser enganosas, na boca de um político em campanha elas requerem mais atenção ainda. Parece que o Haddad candidato realmente já nasceu.

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