FERNANDO HADDAD: “não é o meu partido que acha que o governo é ilegítimo. O Brasil inteiro acha isso” / Germano Lüders
Da Redação
Publicado em 15 de setembro de 2016 às 16h57.
Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h45.
Bárbara Santos e Camila Almeida
O atual prefeito de São Paulo, Fernando Haddad (PT), disputa a reeleição após uma gestão que rediscutiu a modalidade urbana. O carro perdeu espaço, com implantação de faixas exclusivas de ônibus, ciclovias, redução de velocidade nas vias, regulamentação do Uber e abertura de avenidas importantes como a Paulista e o Minhocão a pedestres e ciclistas aos domingos. Segundo pesquisa Ibope da quarta-feira 14, Haddad reúne apenas 9% das intenções de voto – e está quarto lugar, 11 pontos atrás da segunda colocada, Marta Suplicy. Em entrevista a EXAME Hoje, Haddad disse que não fez mais por causa da crise, comentou mudanças necessárias na regulação do Uber e afirmou que todas as promessas de campanha estão em andamento.
Segundo o Datafolha, o senhor aparece atrás de Celso Russomanno (PRB), João Doria (PSDB) e Marta Suplicy (PMDB). Apenas 18% da população avalia sua gestão como ótima ou boa. A que se deve essa baixa popularidade da sua gestão e da sua candidatura?
Olha, eu respeito pesquisa, acho legal fazer, mas a quatro dias do primeiro turno em 2012 eu estava em terceiro lugar com 19% e eu terminei a eleição com 29% dos votos. Eu sei que tem gente torcendo, mas vamos aguardar…
Por que o senhor acredita que deve ir para o segundo turno?
Conseguimos atravessar a pior crise política e econômica da história do país com muita eficiência, batendo recorde de investimento, reduzindo a dívida, abrindo canteiro de obra, valorizando o servidor. Compare com o que está acontecendo com o Brasil e com o estado de São Paulo, que está entrando em moratória porque não vai ter dinheiro para pagar a União. Nós navegamos na maior turbulência da história da cidade e conseguimos chegar do outro lado com as coisas em ordem, as finanças resolvidas, os investimentos sendo feitos – e serviço público não tem limite para melhorar. Como diz o Mujica [ex-presidente do Uruguai], “falta muito, mas falta menos”.
Como seria sua governabilidade no segundo mandato com um cenário político tão complicado, e com um presidente que seu partido considera ilegítimo?
Não é o meu partido que acha que o governo é ilegítimo. O Brasil inteiro acha isso. Se fizer uma pesquisa, 70-80% da população quer eleger um presidente e não acredita na agenda que está proposta por este governo. Agora, o interesse de São Paulo vem na frente de todo e qualquer outro interesse. O prefeito tem que interagir, independentemente de quem seja o presidente. Não se pode ficar refém desse quadro. Eu não fiquei. Quando eu tive que entrar com uma ação judicial contra o governo federal para fazer valer a lei que eu tinha aprovado de renegociação da dívida, eu entrei na Justiça. Não adianta ficar olhando turbulências, tem que fazer o trabalho.
Sua gestão realmente conseguiu uma redução da dívida com o governo federal: de 74 bilhões de reais foi para 27,5 bilhões. Que efeitos isso já teve para aumento de investimentos na cidade?
Nós batemos recorde de investimentos, apesar da crise econômica. A renegociação da dívida representa mais da metade dos ganhos que nós tivemos. Mas também aumentamos os investimentos porque renegociamos todos os contratos privados.
São Paulo não reelegeu nenhum prefeito desde o início da Nova República, em 1985. Kassab era assumiu o cargo no meio do mandato, em 2006, e foi eleito em 208. O senhor está sentindo o peso dessa tradição?
Eu não funciono dessa maneira, com toda sinceridade. Eu tenho um projeto, lutei por ele, vou defendê-lo e, bem, democracia para mim é isso. Eu não nasci colado em cadeira nenhuma. Já ocupei várias funções, sou professor e não tenho essa dificuldade com a política. Eu lido muito bem com isso.
O Ministério Público vai apresentar primeira denúncia contra o Lula na Lava-Jato. O quanto o cerco a Lula e ao PT prejudica sua campanha?
Claro que acaba atrapalhando. Ainda não sabemos o quanto, mas tudo tem efeito na eleição. Eu não sou atacado na honra por nenhum dos meus adversários. E isso porque eu fiz um governo reconhecidamente probo e que combateu a corrupção como nenhum outro governo combateu. Recuperei 600 milhões de reais desviados de administrações anteriores. Discutir ética comigo me interessa.
A Controladoria Geral do Município era uma das grandes bandeiras da sua gestão, mas ela acabou sendo esvaziada por falta de verba.
Isso não é verdade. Nós criamos a controladoria, fizemos o primeiro concurso e chamamos um terço dos que passaram no exame. Foram 30 auditores. A estrutura da controladoria está em ordem e tanto é verdade que, com essa estrutura, ela recuperou 600 milhões de reais. Me diz, no planeta, uma cidade que tenha recuperado tanto dinheiro em tão pouco tempo. São Paulo era terra de ninguém.
O senhor deu declarações de que vai corrigir distorções do serviço do Uber. Que distorções são essas e que correções serão feitas?
A aplicação do decreto que eu editei, que foi celebrado no mundo inteiro como o mais avançando de todas as grandes metrópoles, tem artigo do Banco Mundial dizendo “olhem para São Paulo”. Isso está público. A academia, as universidades que discutiram, todas aprovaram a regulamentação de São Paulo. Qual o problema? O plano tem duas etapas: a primeira, é que o Uber pague impostos porque os taxistas pagam e não é justo eles terem um ônus que o Uber não tem. Isso já foi feito. O Uber está pagando outorga e ISS. O que falta fazer: regular o tamanho da frota, para que o Uber não faça um dumping que amanhã venha a representar um monopólio na cidade. Isso já aconteceu em outras cidades do mundo e nós não queremos, porque o consumidor vai ter um ganho de curto prazo, mas no longo prazo ele vai pagar a conta do monopólio. O Uber pode ser bom, mas o monopólio certamente não é. Isso é o que precisa ser corrigido.
Havia a promessa de entregar 150 km de corredores de ônibus e apenas 42 km foram entregues. Por que a meta não foi atingida?
Acho que nós vamos chegar a 56 km. E tem mais de 60 km licitados, mas o PAC deixou de passar recursos. Na falta de corredores, eu fiz faixas exclusivas. A diferença, do ponto de vista da mobilidade, é pequena. Por que o corredor é bacana? Por uma questão urbanística, não é por causa da mobilidade propriamente. É urbanisticamente mais adequado jogar o ônibus para a esquerda, mas não que o transporte tenha sido prejudicado, muito pelo contrário. O transporte é o que mais evoluiu na cidade de São Paulo nos últimos três anos.
O Tribunal de Contas do município apontou e o Ministério Público entrou com uma ação contra o município por supostas irregularidades na questão das ciclovias. Houve falta de planejamento?
A resposta é não. No último acórdão do tribunal, o juiz disse que houve planejamento. Se o juiz está dizendo… O Ministério Público tem todo o direito de entrar com a ação que ele quiser, mas nós estamos ganhando as ações. A OAB entrou contra a redução de velocidade, contra a ciclovia, nós tivemos dezenas de ações judiciais contra o plano de mobilidade. E, até aqui, ganhamos todas.
O déficit nas creches é de 103.000 vagas, de acordo com dados de junho divulgados pela secretaria municipal de Educação. Vai ser possível zerar essa fila numa próxima gestão?
Eu fui o prefeito que mais abriu creches na história da cidade. Eu abri duas por semana. Um mandato tem 208 semanas, eu já abri 410 creches. Se eu continuar nesse ritmo, em dois anos a gente elimina um problema que era gravíssimo quatro anos atrás e não é mais.
Foi prevista a construção de 243 creches, mas somente 39 foram construídas – quando não consideramos as concessões e parcerias para utilização dos prédios. Por que a meta de construções não foi cumprida?
Quando o governo federal parou de mandar dinheiro para São Paulo, eu não podia deixar a criança na rua, né. Então, comecei a alugar equipamentos, eu tenho essa opção também, e os equipamentos alugados são muito bons. O mesmo aconteceu com a educação infantil. Vamos chegar a 100.000 novas vagas até o fim do mandato. não vamos bater a meta de 150.000 porque faltou repasse do governo federal e porque eu sou o prefeito que enfrentou uma recessão de 7% em dois anos, de queda do PIB. Por que o Rodoanel não está pronto até hoje quando foi prometido pelo Mário Covas? Faz 20 anos. Eu não acho que nada esteja atrasado, que não possa ser justificado pela queda brusca de atividade econômica do país. Tudo que foi prometido está em andamento. Tudo, rigorosamente.