Funcionarios do correio em greve na manifestação em frente ao predio dos correios na Vila Leopoldina desta terca feira data: 08/09/2020 Foto: Leandro Fonseca (Leandro Fonseca/Exame)
Carla Aranha
Publicado em 9 de setembro de 2020 às 12h13.
Última atualização em 22 de setembro de 2020 às 17h34.
Para muita gente, a greve dos Correios, que já dura três semanas, têm se transformado em uma dor de cabeça, com atraso nas entregas de documentos e encomendas feitas por e-commerce, cuja procura aumentou na pandemia.“Os Correios já eram vistos como um serviço ineficiente e caro pela população antes da crise do coronavírus”, diz Eduardo Mello, professor de ciências políticas da Fundação Getúlio Vargas (FGV), em São Paulo. “Em plena pandemia, com mais gente comprando pela internet, essa greve deve reforçar a ideia que o setor precisa de concorrência, dando um gás novo à ideia da privatização”.
A greve não tem prazo para terminar, segundo a Federação Nacional dos Trabalhadores em Empresas dos Correios e Similares (Fentec). Não há muita esperança que seja obtido um acordo na audiência de conciliação marcada para esta sexta-feira, 11, no Tribunal Superior do Trabalho (TST). Cerca de 70% da categoria está parada. A principal demanda da categoria é a continuidade do acordo coletivo firmado em 2019 com a empresa, que foi suspenso em razão da pandemia. Os trabalhadores também são contra a privatização da empresa.
José Rivaldo da Silva, presidente da Fentec, disse que o “governo busca a qualquer custo vender um dos grandes patrimônios dos brasileiros, os Correios” e que a empresa “pretende suprimir direitos dos trabalhadores”. Mesmo assim, a privatização começa a dar os primeiros sinais de que deve sair da letargia.
O projeto de lei que estabelece o novo marco legal para o setor postal deve ser encaminhado para o Congresso nas próximas semanas, segundo o Ministério da Economia. O envio da medida é o primeiro passo para o processo de privatização dos Correios. “Vai ser uma queda de braço, porque de um lado a população parece ser favorável à empreitada, assim como os milhares de e-commerces que dependem das entregas, mas de outro lado há interesse em manter o monopólio da estatal”, diz Mello.
Trabalham nos Correios atualmente 98 000 pessoas. Nos cargos mais altos, os salários chegam facilmente a 50 000 reais, segundo fontes ligadas à estatal. E as denúncias de corrupção continuam. Este ano, no início de agosto, a Polícia Federal lançou a segunda fase da Operação Postal II, que apura indícios de fraudes de 94 milhões de reais na estatal. Em 2005, a empresa esteve no centro do escândalo do mensalão.
Os desvios de recursos e dificuldades operacionais da empresa, no entanto, não sustentaram o discurso de privatização da companhia até este momento. Anunciado como uma das bandeiras do presidente Jair Bolsonaro, o processo pouco andou desde o ano passado. Salim Mattar, ex-secretário de Desestatização do Ministério da Economia, deixou o governo dizendo que sofreu críticas de algumas alas do governo e de funcionários das estatais que estão na mira das privatizações, como os Correios.
“Nenhuma empresa privada vai se interessar em fazer o serviço que a estatal faz hoje, de entregar cartas nas cidades pequenas, e o governo vai entregar uma empresa estratégica para os estrangeiros”, diz José Rivaldo da Silva, presidente da Fentec.
O embate continua. “O governo está trabalhando na finalização do projeto de lei para encaminhar ao Congresso a regulamentação de como o serviço pode vir a ser prestado por um parceiro privado, como garantir a universalização e a modicidade das tarifas”, disse a secretária especial do programa de Parcerias de Investimentos (PPI) do Ministério da Economia, Martha Seillier, em um evento realizado com investidores no dia 18 de agosto. Com a greve prolongada da categoria, o debate em relação à privatização do serviço pode sair fortalecido.