Os telefonemas gravados pela PF mostram que a quadrilha comemorou ao receber de Weber a notícia de que o documento seria elaborado pelo consultor-geral (Wikimedia Commons)
Da Redação
Publicado em 29 de dezembro de 2012 às 11h35.
São Paulo - Escutas da Operação Porto Seguro da Polícia Federal revelam que o grupo acusado de comprar pareceres de órgãos públicos encomendou e teve acesso privilegiado a um documento da Advocacia-Geral da União (AGU) três dias antes de sua publicação. A elaboração do texto, que atendia a interesses do empresário e ex-senador Gilberto Miranda, teve a influência do então número 2 do órgão, José Weber Holanda.
Uma série de telefonemas e e-mails interceptados pela PF entre 14 e 16 de novembro flagra o momento em que Weber diz ter "convencido" o consultor-geral da União a redigir parecer que beneficiaria o grupo. Em outros diálogos, ele passa dados internos sobre a elaboração do documento a Paulo Vieira, ex-diretor da Agência Nacional de Águas (ANA), integrante da organização desmontada pela Porto Seguro.
O texto a que o grupo teve acesso com antecedência foi assinado pelo consultor-geral da União, Arnaldo Sampaio Godoy, e subscrito pelo advogado-geral da União, Luís Inácio Adams. É datado do dia 17 de novembro. O parecer abriria caminho para que uma empresa ligada a Miranda recebesse autorização para construir um empreendimento portuário de R$ 1,65 bilhão na Ilha de Bagres, em Santos, litoral paulista.
Os telefonemas gravados pela PF mostram que a quadrilha comemorou ao receber de Weber a notícia de que o documento seria elaborado pelo consultor-geral. Os diálogos revelam ainda os bastidores e a rapidez do trâmite dos procedimentos que atendiam aos interesses da organização.
O expediente que abriu caminho para o empreendimento de Miranda foi concluído em apenas 48 horas. O consultor-geral despachou um parecer em que direciona à Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq), e não à Presidência da República, a competência para decretar a essencialidade ou a utilidade pública do porto - o que seria necessário para a sua construção.
O documento assinado por Godoy circulou pelos endereços eletrônicos da organização sob suspeita da PF antes mesmo que ele o despachasse formalmente. Gilberto Miranda recebeu o arquivo e demonstrou satisfação ao perceber que os interesses do grupo seriam atendidos. "Nota 10", diz ele a Paulo Vieira.
Aspectos técnicos
O consultor-geral da União, Arnaldo Godoy, informou que discutiu o conteúdo do parecer "várias vezes" com o então advogado-geral adjunto da União, José Weber Holanda, denunciado por corrupção passiva como resultado da Operação Porto Seguro.
Godoy afirmou também que se baseou em aspectos técnicos para elaborar o documento, atendendo a uma demanda da Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq), que questionava a competência para editar decreto de essencialidade ou utilidade pública na Mata Atlântica.
A tarefa, assinala Godoy, foi distribuída para Júlio Barbosa Neto, procurador federal que trabalha com ele. "Eu discuti o assunto várias vezes com o dr. Júlio e com o dr. Weber (Holanda, ex-número 2 da Advocacia-Geral da União) que, na qualidade de adjunto do ministro da AGU, acompanhava a matéria", afirma Godoy.
Segundo o consultor, Júlio Barbosa defendia a tese de que a competência era da Presidência. "Eu sempre entendi ser do ministro da Secretaria de Portos (à qual a Antaq é vinculada). Em reunião com o dr. Júlio para fechar o parecer, insisti na competência do ministro, no que estou absolutamente seguro. Com o dr. Júlio, fechei o parecer com a conclusão que me parecia adequada."
Godoy afirma que não conhece o ex-senador Gilberto Miranda. Ele destaca que "como costume" enviou por e-mail o parecer para Weber Holanda. "A matéria foi levada a despacho com o ministro (Luís Adams) na segunda-feira, dia 19 de novembro. Foi apenas nesse dia que o parecer foi aprovado. A matéria me parecia muito simples, e ainda assim me parece, não se trata de decreto para desapropriação, por isso não se cuida de competência da Presidência", aponta.
Recuo
O consultor pondera que, informado de que seu parecer havia circulado "com pessoas estranhas à AGU", pediu imediatamente ao ministro Adams que retirasse o "aprovo" dado. "O parecer vigorou por 6 dias, não teve efeitos práticos embora, no mérito, esteja correto", assinala Godoy. Ele anota que Weber chegou a tratar do assunto com ele. "Eu tinha por certo que se tratava de uma demanda da Antaq e da Secretaria de Portos. O que faço, como consultor-geral da União, é resolver conflitos entre órgãos e entes da administração. Conheci o dr. Weber quando cheguei à AGU, em 2010. Parecia uma pessoa muito correta, e com ele mantive bom relacionamento."
"O motivo de minha gravíssima preocupação é o fato de que desconhecia que o dr. Weber supostamente tratasse da matéria com as pessoas relacionadas na Operação Porto Seguro", argumenta o consultor. "Minha reação se deve à confiança que tinha no dr. Weber." As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.