Manifestação: integrante de torcida organizada em protesto de 31 de maio (Miguel Schincariol/Getty Images)
Estadão Conteúdo
Publicado em 14 de junho de 2020 às 09h49.
Última atualização em 14 de junho de 2020 às 15h30.
Ainda embrionários, fragmentados e sem liderança única, os movimentos contra o governo que ganharam força nas últimas semanas já obrigam o presidente Jair Bolsonaro e apoiadores a pôr em prática uma plano de reação. Sem saber a dimensão que os manifestos nas redes sociais e nas ruas alcançarão, a estratégia bolsonarista é tentar sufocar ainda no início esses grupos construindo a narrativa de que são violentos e, por isso, devem ser criminalizados. Eventuais confrontos com a polícia serão explorados como exemplo de que "o governo é o lado certo."
Bolsonaro, que durante sete domingos consecutivos participou de atos em Brasília, pediu, diante do avanço dos protestos contra ele, para seus apoiadores ficarem em casa no final de semana passado. Publicamente, o argumento era para se evitar um confronto entre manifestantes contra o governo. Nos bastidores, no entanto, a preocupação é política
O Palácio do Planalto temia que a comparação entre os números contra e a favor do presidente possam mostrar um cenário desfavorável, evidenciando que a proporção crítica ao governo era maior. A avaliação é a de que, se isso ocorrer nos próximos protestos, pode entusiasmar opositores, assim como ocorreu com a ex-presidente Dilma Rousseff, que sofreu impeachment em 2016.
Na Câmara, há 45 pedidos de impedimento de Bolsonaro. Até agora, nenhum foi apreciado pelo presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ).
Parlamentares alegam que os processos não avançaram porque, em meio ao isolamento social, falta clima nas ruas para um impedimento. O temor dos bolsonaristas é que o ambiente comece a ser criado agora.
Nas últimas semanas, Bolsonaro aplicou vacinas contra os atos e adjetivou os manifestantes contrários a ele de "terroristas", "marginais", "desocupados", "maconheiros" e "viciados".
Pediu aos pais que não deixem os filhos participar de atos. "Isso não é liberdade de expressão, é quebra-quebra", disse em transmissão na "live" da quinta-feira passada.
E fez uma explanação condenando grupos antifascistas e os associando aos black blocks, que ganharam as ruas nas manifestações de 2013 com episódios de violência. Os protestos ocorridos naquele ano, no entanto, foram marcados também pela atuação de agentes infiltrados das polícias e das Forças Armadas para provocar confusão e, assim, justificar uso de bombas.
Na segunda-feira passada, depois dos atos, Bolsonaro avaliou que as manifestações contrárias ao governo são "o grande problema do momento". "Estão começando a colocar as mangas de fora", disse o presidente a apoiadores, no Palácio da Alvorada.
Os atos ocorreram no Distrito Federal e em ao menos 11 capitais. A adesão foi maior em São Paulo, onde também houve panelaços e buzinaços contra o presidente. Novos atos estão marcados para este domingo.
A arquiteta Monica Benício, companheira da ex-vereadora do Rio de Janeiro Marielle Franco, assassinada em 2018, avalia que a onda de protestos pode crescer diante da conduta do presidente. "Fomos os primeiros a falar que ficar em casa era ato de responsabilidade, mas também é urgente que a gente ocupe as ruas com responsabilidade, com cuidados com a saúde, para mostrar ao governo que não ficaremos silenciados diante da barbárie e desse projeto genocida em curso", afirmou.
Integrante da torcida Gaviões da Fiel e organizador do protesto do domingo passado em São Paulo, o estudante de História Danilo Pássaro diz que as falas do presidente reforçam um caráter autoritário. "É mais uma prova de que ele não sabe lidar com manifestações e expressões do pensamento diferentes", ressalta.
Nas redes sociais, os filhos do presidente criaram a narrativa de que os movimentos contra o governo são ilegítimos. O temor é perder espaço na internet, onde o grupo se organizou e onde o presidente tem sua maior força.
Parlamentares ligados a Bolsonaro também entraram em ação, como os deputados estaduais de São Paulo Gil Diniz (PSL) e Douglas Garcia (PSL), ambos citados no inquérito das fakes news no Supremo Tribunal Federal.
Diniz, que era assessor do deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) antes de se eleger, anunciou na sexta, dia 5, que protocolaria um pedido para a abertura de uma CPI para investigar os "antifas", após, segundo ele, ter recebido denúncia de "violência e outros crimes cometidos por membros do grupo".
Já a Garcia é atribuído o vazamento de dados de mil pessoas que supostamente integrariam grupos antifascistas. "É contra este tipo de gente que se diz antifa que eu entreguei (não vazei) o dossiê à polícia!", escreveu no Twitter, ao publicar imagens de protesto no México. O parlamentar defende que os manifestantes sejam enquadrados na Lei de Segurança Nacional.
Pela primeira vez desde o início do governo, Bolsonaro enfrenta uma narrativa negativa nas redes sem dispor de seus principais influenciadores no melhor momento, já que o inquérito das "fake news" no Supremo Tribunal Federal passou a mirar o "gabinete do ódio".
Uma análise da empresa de consultoria AP Exata apontou queda imediata de 14% para 10% nas publicações dos chamados perfis de interferência. Há 77 dias, a empresa computa mais interações contrárias do que a favor do presidente.
"Até o final de 2019, Bolsonaro dominava. Na virada do ano, começou a perder. Só que apesar de ele ter mais críticas do que menções positivas não se podia dizer que tinha uma oposição forte. Não era uma coisa concentrada até a narrativa do movimento Somos Todos 70%", observou o diretor da empresa, Sérgio Denicoli.
Movimentos de oposição ao presidente da República, Jair Bolsonaro, convocaram novas manifestações de rua para este domingo. A expectativa é de que os atos ocorram em 17 estados e no Distrito Federal.
O principal ato - convocado pelo movimento Somos Democracia - será em frente ao Masp, na Avenida Paulista.