Brasil

Governo omite há um ano pagamentos a militares da reserva e pensionistas

Hoje, não é possível saber, por exemplo, quanto ganham filhas de militares, entre eles o próprio Bolsonaro e Mourão, além de pelo menos 9 ministros

Mourão e Bolsonaro: Brasil está entre os que mais gastam com salários e pensões para militares (Adriano Machado/Reuters)

Mourão e Bolsonaro: Brasil está entre os que mais gastam com salários e pensões para militares (Adriano Machado/Reuters)

EC

Estadão Conteúdo

Publicado em 14 de setembro de 2020 às 17h46.

Última atualização em 14 de setembro de 2020 às 18h59.

O governo Jair Bolsonaro omite há um ano os pagamentos feitos a militares da reserva e pensionistas, mesmo após o Tribunal de Contas da União (TCU) determinar a divulgação dessas informações no Portal da Transparência, destaca o Estadão. Embora a Corte tenha mandado, em 11 de setembro de 2019, que os pagamentos fossem liberados para consulta pública, de forma individual — como ocorre com os da ativa e servidores civis —, isso nunca aconteceu.

Hoje, não é possível saber, por exemplo, quanto ganham, de fato, filhas solteiras de militares e aposentados das Forças Armadas, entre eles o próprio Bolsonaro e o vice-presidente, Hamilton Mourão, além de pelo menos nove ministros.

Remunerações de reservistas, reformados e pensionistas nunca foram publicadas por nenhum governo. O decreto que regulamenta a Lei de Acesso à Informação (LAI) faz referência apenas aos funcionários da ativa. Dados dos militares em atividade são divulgados pelo menos desde 2012. Informações de servidores aposentados e pensionistas de outros órgãos e Poderes já foram tornadas públicas, parte delas por força do despacho do TCU.

Em 2017, a agência Fiquem Sabendo encaminhou denúncia ao TCU sobre a ocultação dos dados. O argumento principal era o desrespeito aos princípios da eficiência e da publicidade dos gastos, previstos na Constituição. O tribunal cobrou, então, da Controladoria-Geral da União (CGU) informações relativas aos inativos e pensionistas vinculados ao Executivo. Determinou, ainda, que o Ministério da Economia adotasse medidas, em 60 dias para divulgar a base de dados, em formato aberto, dessas pessoas e dos aposentados que passaram à inatividade antes de novembro de 2016.

O ministro Walton Alencar, relator do caso no TCU, usou como referência a cifra de 494,6 bilhões de reais com pagamentos a servidores aposentados, na reserva, reformados e recebedores de pensão, entre 2011 e 2016. "O volume de recursos é suficiente para demonstrar a importância de se implementar a transparência ativa dessas informações", disse Alencar, que viu descumprimento do princípio constitucional da publicidade.

Houve recurso por parte do governo, rejeitado pelo tribunal, em dezembro. Em fevereiro deste ano, o processo foi encerrado. O governo mantinha reuniões de trabalho a respeito do assunto desde outubro de 2019 e chegou a estabelecer o fim de julho como prazo para tornar a consulta disponível, o que não foi cumprido. A Fiquem Sabendo comunicou, em artigo, ter cobrado o TCU sobre o descumprimento. A Corte não respondeu ao pedido de informações da reportagem.

O Estadão apurou no Ministério Público de Contas que o descumprimento do acórdão pode levar a punições, como o afastamento do gestor responsável.

Lentidão

Para o diretor executivo da Transparência Brasil, Manoel Galdino a demora de um ano para viabilizar a consulta individual, ou mesmo uma lista com reservistas e seus salários, é "absurda". "Depois de tanto tempo, fica configurado que o governo está ativamente trabalhando contra a transparência. Essa informação é de grande prioridade, pois envolve o próprio presidente e ministros, o mais alto nível da República. Não pode demorar um ano", disse Galdino.

O governo vem usando o argumento de que trabalha para tornar públicos os dados como justificativa para negar pedidos de acesso à lista nominal dos inativos e pensionistas com base na Lei de Acesso à Informação. O Estadão encontrou pelo menos quatro pedidos recentes negados, com resposta semelhante.

A Defesa informou que está transmitindo os dados, mas que a CGU é responsável pelo portal, espaço que será "destinado à publicação dos proventos dos militares inativos e das pensões militares percebidas pelos pensionistas das Forças Armadas". O ministério alegou que, em alguns casos, não há previsão legal para a divulgação das despesas, que podem ser consideradas como informação pessoal, passível de proteção.

A Secretaria de Controle Externo da Administração do Estado — área técnica do TCU — discorda e cita que "a exigência legal de transparência ativa dos gastos com servidores inativos e pensionistas alcança toda a Administração Pública".

CGU afirma que publicará dados

Responsável por gerir o Portal da Transparência, a Controladoria-Geral da União afirmou que "ainda não foi possível" disponibilizar a consulta do valores pagos a pensionistas e militares da reserva no site. Em nota, a Controladoria disse estar em "fase final" de homologação das fontes de dados sobre aposentados e pensionistas do Poder Executivo federal.

O Portal da Transparência é abastecido com dados recebidos de outros órgãos. A fonte das informações sobre os servidores federais é o Sistema Integrado de Administração de Pessoal (Siape), onde constam dados dos ministérios da Defesa, da Economia e do Banco Central.

"Nesse momento, a expectativa é receber novos dados validados do Siape nos próximos dias e, caso confirmado o recebimento, publicaremos as informações de todos os órgãos no Portal (da Transparência) o mais breve possível, quando então as remunerações dos militares da reserva e reformados também estarão disponíveis", diz o comunicado da CGU.

O Ministério da Defesa, por sua vez, informou que "se encontra em permanente tratativa com a CGU visando dar publicidade aos proventos pagos a militares da reserva e reformados". A Defesa também garantiu que o processo está em fase final. "Obtivemos a informação de que a CGU está em processo final de desenvolvimento de ferramenta que proporcionará acesso irrestrito aos valores pagos aos servidores públicos federais e aos militares das Forças Armadas, todos inativos, do mesmo modo em que é dada publicidade aos pagamentos do pessoal ativo", informou o Ministério da Defesa.

Na última semana, o Estadão pediu entrevistas ao Ministério da Defesa e à CGU, mas as respostas foram dadas por meio de notas.

Reforma deixou militares de fora

A reforma administrativa proposta pelo governo deixa de fora os militares, além de juízes e procuradores. Os militares também se aposentam com integralidade e paridade, isto é, recebem o mesmo valor, como se estivessem na ativa — mantendo inclusive adicionais que elevam o salário —, e ganham todos os reajustes.

Na semana passada, o ministro da Economia, Paulo Guedes, defendeu o aumento do teto salarial do funcionalismo, hoje em 39.300 reais, equivalente ao salário mensal de um ministro do Supremo Tribunal Federal (STF). Guedes disse que deve haver "enorme diferença" entre os vencimentos da alta administração e dos servidores concursados. Na sua avaliação, o aumento poderia preservar pessoas de qualidade no serviço público e valorizar a meritocracia.

Como revelou o Estadão, em reportagem publicada na segunda-feira passada, a aplicação do chamado "abate-teto", mecanismo que limita as remunerações para evitar os supersalários, economizou 518 milhões de reais para o governo, desde 2018. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

Acompanhe tudo sobre:Governo BolsonaroJair BolsonaroMilitaresTCU

Mais de Brasil

Dino determina que cemitérios cobrem valores anteriores à privatização

STF forma maioria para permitir símbolos religiosos em prédios públicos

Governadores do Sul e do Sudeste criticam PEC da Segurança Pública proposta por governo Lula

Leilão de concessão da Nova Raposo recebe quatro propostas