Congresso Nacional, em Brasília (Paulo Whitaker/Reuters)
Alessandra Azevedo
Publicado em 4 de janeiro de 2021 às 18h59.
Em 2021, o presidente Jair Bolsonaro terá como desafios garantir uma base aliada no Congresso e reformular uma agenda prioritária, em uma época ainda de pandemia do novo coronavírus e, ao mesmo tempo, de necessária contenção de gastos. Apesar de o governo ter dois anos pela frente, o tempo útil será escasso. A janela de oportunidade deve se abrir em fevereiro de 2021, depois de definidos os novos presidentes da Câmara e do Senado, e terminar no mesmo ano.
Isso porque, em 2022, com eleições nacionais, pouca coisa deve ir para a frente. As medidas, portanto, devem começar a ser articuladas agora. Com o fim do Orçamento de guerra, não há mais justificativa oficial para o governo gastar mais do que pode. Depois de mais de 600 bilhões de reais destinados a medidas de contenção ou de redução de danos resultantes da pandemia, a tarefa do presidente, a partir de 2021, é provar que tem responsabilidade com as contas públicas, dizem especialistas.
“A economia precisa de sinais de que vai se recuperar de maneira robusta. Isso será muito relevante nos próximos dois anos para o mercado e para a sociedade. Um presidente que pretende reeleição, ainda mais depois de uma pandemia, tem que ter uma economia forte. Para o eleitor, é o bolso que pesa”, diz o cientista político André Pereira César, da Hold Assessoria Legislativa. Em 2021, o governo precisará, enfim, ser protagonista da própria agenda, afirma.
Independentemente de quem assumir as presidências da Câmara e do Senado a partir de fevereiro de 2021, se o governo quiser avançar nas pautas, precisará garantir uma base no Congresso. “E o apoio do Centrão nunca está consolidado”, lembra o analista político Thiago Vidal, da Prospectiva consultoria. Segundo ele, um trânsito razoável no Parlamento também será fundamental caso Bolsonaro queira aprovar matérias que o ajudem a alavancar a popularidade, já que a tendência, com o fim do auxílio emergencial, é de queda.
Sem auxílio emergencial e socorro a empresas, tanto a popularidade do presidente quanto as contas públicas dependem de uma postura mais pragmática, sem ataques ao Congresso e com responsabilidade fiscal. “Acho que a pauta está dada. O Brasil está em um momento de encruzilhada: ou retoma o caminho do crescimento econômico ou vai desandar rapidamente”, avalia Luiz Felipe D'Ávila, presidente do Centro de Liderança Pública (CLP). “O governo tem que entrar em campo e dizer o que quer votar”, afirma.
A aposta dos especialistas é por uma agenda mais clara de votações por parte do Executivo, o que não foi observado nos últimos anos. “Propostas importantes enviadas depois da reforma da Previdência estão paradas há mais de um ano, e não há engajamento do Planalto nas reformas. Efetivamente, o que se vê é que o governo não quis avançar com nenhum projeto em 2020. Vamos ver em 2021”, diz Vidal, da Prospectiva.
Depois de um 2019 marcado por brigas com o Congresso, foi em 2020 que o presidente Jair Bolsonaro, mais por necessidade do que por boa vontade, ensaiou uma reconciliação com o Legislativo. Ao tentar se acertar com o Centrão e fazer as pazes com o chamado presidencialismo de coalizão, o presidente voltou às próprias origens, já que foi na Câmara, em partidos que hoje considera aliados, que passou os 27 anos anteriores à mudança para o Palácio da Alvorada.
Em termos de atuação política, os últimos dois anos foram diferentes entre si. Enquanto 2019 foi uma época de brigas constantes, com o bônus da aprovação da reforma da Previdência, 2020 foi o momento de se resguardar, mas sem grandes vitórias, avalia o analista político Lucas de Aragão, da Arko Advice. “Principalmente com a saída de Sérgio Moro do Ministério da Justiça e com a pandemia do novo coronavírus, o governo percebeu a necessidade de se proteger no Legislativo e reestruturou sua atuação política”, afirma.
Fragilizado, em meio a ameaças de impeachment, Bolsonaro apostou em uma aliança com o Centrão, a partir de maio de 2020, oferecendo cargos em troca de apoio, e em mudanças na estrutura ministerial para lidar com o Congresso. A articulação política foi para a alçada do ministro-chefe da Secretaria de Governo (Segov), Luiz Eduardo Ramos, que assumiu a função em julho de 2020. Para o início de 2021, há a expectativa de uma reforma ministerial que garanta votos a Arthur Lira (PP-AL) na disputa pela presidência da Câmara, nome defendido por Bolsonaro.
As demandas, desde 2020, também são diferentes. Em 2019, o governo não precisou correr em busca de apoio no Parlamento, já que a principal pauta defendida por ele, a reforma da Previdência, já estava no rumo da aprovação mesmo antes de Bolsonaro ser eleito presidente. “No primeiro ano, não houve tanta pressão por propostas, porque já tinha a Previdência, que tomava grande parte do espaço de digestão do Congresso”, explica Aragão.
Depois de aprovada a reforma, entretanto, já no fim de 2019, a situação mudou. Começou a pressão por mais mudanças estruturais, prometidas pelo Ministério da Economia, além de privatizações. O governo ensaiou alguma movimentação, com o envio de três Propostas de Emenda à Constituição (PECs) — a do Pacto Federativo, a que extingue fundos infraconstitucionais e a Emergencial —, parte da reforma administrativa e um projeto de reforma tributária, mas nada foi para a frente.
Na reforma administrativa, os vencedores, até agora, foram os parlamentares da oposição. “A estratégia, desde o fim de 2019, quando começamos a ouvir falar de reforma administrativa, era atrasar o envio. Tínhamos a certeza de que no segundo biênio ficaria ainda mais difícil aprovar qualquer coisa”, conta o deputado Israel Batista (PV-DF), coordenador da Frente Parlamentar em Defesa do Serviço Público.
Quando o governo enviou a proposta, já no segundo semestre de 2020, a estratégia passou a ser dificultar a votação em 2020. “A ideia era jogar para 2021, e conseguimos”, diz Batista. O coordenador da Frente Parlamentar da Reforma Administrativa, deputado Tiago Mitraud (Novo-MG), segue otimista, apesar do atraso. Ele acredita não apenas na aprovação da reforma em 2021, mas que o governo enviará outras partes prometidas, como o projeto de regulamentação de avaliação de desempenho de servidores públicos.
O líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR), diz que o assunto deve voltar a ser discutido depois das eleições para a presidência das Casas, em 1º de fevereiro. Na opinião dele, o ano de 2020 foi “muito produtivo”, mesmo sem aprovação de reformas ou privatizações, apostas para 2021. “Foi um ótimo ano. Votamos todos os projetos relacionados à pandemia, aos efeitos da covid-19, além de recursos para a saúde. Também votamos saneamento básico, lei da falência e cabotagem”, listou.
A reforma tributária também ficou para trás. As discussões avançaram em 2020, com o envio de uma contribuição por parte do governo, mas foram ofuscadas por outros assuntos, além da pandemia. Primeiro, pelas eleições municipais, que esvaziam o Congresso e afastam pautas polêmicas. Agora, pelo início da campanha pela sucessão de Rodrigo Maia (DEM-RJ) na presidência da Câmara e Davi Alcolumbre (DEM-AP), no Senado.