Indígenas: a decisão gerou grande polêmica no setor, que teme um conflito de interesses entre indigenistas e ruralistas (Ezra Shaw/Getty Images)
Estadão Conteúdo
Publicado em 20 de fevereiro de 2019 às 18h01.
A Advocacia-Geral da União (AGU), que defende o governo federal no Supremo Tribunal Federal (STF), afirmou ao tribunal que a demarcação de terras no Brasil foi feita sem "nenhum planejamento estratégico", e sofreu "pressão" de grupos sociais e políticos, brasileiros ou internacionais.
A manifestação foi feita dentro de ação em que o PSB questiona a medida do governo Bolsonaro que retirou o processo de demarcação indígena da Funai, repassando essa atribuição para o Ministério da Agricultura.
A decisão gerou grande polêmica no setor, que teme um conflito de interesses entre indigenistas e ruralistas. No Supremo, a ação está sob relatoria do ministro Luis Roberto Barroso.
Na manhã desta quarta-feira, 20, o presidente da Corte, ministro Dias Toffoli, esteve reunido com a ministra da Agricultura, Tereza Cristina, e a diretoria da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), e fez acenos positivos aos ruralistas.
No encontro, Toffoli afirmou que é preciso trazer "segurança" a posse e ao proprietário rural, aliando o respeito aos direitos de minorias, mas não "desmerecendo o direito" dos produtores.
"É importante destacar que a estrutura fundiária do Brasil é extremamente complexa, compreendendo unidades de conservação, terras indígenas, assentamentos rurais, comunidades quilombolas, áreas militares e divisões estaduais, correspondentes a aproximadamente a 37% do território brasileiro, demarcadas sem nenhum planejamento estratégico, tendo como justificativas a pressão de diversos grupos sociais e políticos, nacionais e internacionais", afirmou a AGU na manifestação feita ao STF.
No documento, a AGU também cita que as ações de identificação, delimitação, demarcação e registro das terras ocupadas por indígenas serão atribuídas ao Instituto de Colonização e Reforma Agrária (Incra), que, desde 2003, já é responsável pelas terras quilombolas.
No final de janeiro, Tereza Cristina já havia dito que toda a parte fundiária da Funai iria migrar para o Incra, que está sob os cuidados da Secretaria Especial de Assuntos Fundiários, da Agricultura.
A AGU observa ainda que o governo Federal já sinalizou que pretende criar um Conselho de Ministros — com a participação de representantes dos indígenas — que será responsável por analisar a demarcação fundiária dessas terras.
Para a área jurídica do governo, esta intenção "realça a ausência de unilateralidade na tomada de decisões relativas ao tema".
Ao entrar com a ação no Supremo, o PSB afirmou que as mudanças subordinaram a proteção do direito à terra dos povos indígenas à agenda de um ministério dedicado à promoção dos interesses de ruralistas.
Ao defender as mudanças implantadas pela primeira Medida Provisória (MP 870) do governo Bolsonaro, a AGU argumenta que "não houve, em momento algum, alteração de direitos seja de indígenas seja quilombolas".
Segundo o órgão, a insuficiência de recursos humanos e orçamentários da Funai - com apenas 15 servidores e 3 coordenadores na DPT - prejudicam o andamento do processo de identificação, delimitação e demarcação de terras indígenas.
Durante o encontro na CNA nesta manhã, Toffoli elogiou o agronegócio brasileiro. Aos membros da diretoria da CNA e à ministra da Agricultura, o presidente da Corte afirmou que é preciso trazer "segurança" a posse e ao proprietário rural, aliando o respeito aos direitos de minorias, mas não "desmerecendo o direito" dos produtores.
"Daquele que muitas vezes não é nem o grande produtor, é o pequeno produtor", disse Toffoli, citando que o STF tem se manifestado sobre questões envolvendo o quilombolas, indígenas e o próprio Incra.
"Há no Brasil questões relativas ao registro fundiário. Penso que nós temos também que trabalhar isso, trazer segurança a posse e ao proprietário rural", observou o ministro.
O presidente do STF ainda citou o julgamento da ação que questionava pontos do Código Florestal, analisada no ano passado pela Suprema Corte.
Para Toffoli, o julgamento respeitou a negociação do Congresso Nacional, sendo "mínima a intervenção do STF" na legislação do código para "não criminalizar o produtor".
"Exatamente na perspectiva de não criminalizar o produtor, não criminalizar aquele que está lá conservando as suas áreas, a natureza", completou o ministro.
Desde que tomou posse da presidência da Corte, Toffoli tem conversado com setores do governo, fazendo acenos de disposição ao diálogo com os demais Poderes e interferência mínima nas questões legislativas.
A busca pela segurança jurídica, citada no encontro desta quarta, é uma tecla que vem sendo batida frequentemente pelo ministro, numa posição alinhada a da equipe econômica do governo federal, chefiada pelo ministro da Economia, Paulo Guedes.