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Agência O Globo
Publicado em 23 de agosto de 2021 às 21h36.
O Ministério de Minas e Energia publicou nesta segunda-feira uma portaria com regras para que grandes clientes de energia reduzam o consumo de eletricidade.
A medida faz parte das ações que o governo tem tomado contra a pior crise hídrica em 91 anos, que ameaça o fornecimento de energia no país, e vinha sendo aguardada desde maio pela indústria.
A associação dos grandes consumidores de energia (Abrace) estima que mais de mil consumidores industriais poderão aderir à medida.
Com a medida, grandes consumidores poderão ganhar um "bônus" para reduzir a demanda por energia. O foco do MME é o horário de pico, entre 12h e 18h em dias úteis.
O governo também prepara medida para incentivar a redução da demanda de consumidores residenciais, que poderão ter redução nas contas de luz de acordo com o consumo.
A medida é a primeira que o governo toma para conter a crise pelo lada da demanda de energia e não só pela oferta. Não se trata de um racionamento de energia, já que a adesão é voluntária.
Especialistas vem dizendo que isso é necessário para evitar sobrecarga do sistema apagões concentrados nos horários de pico especialmente a partir de outubro. O período seco se estende até novembro.
A portaria publicada nesta segunda-feira é voltada apenas para os chamados consumidores livres, aqueles que compram energia diretamente do gerador, sem passar pela distribuidora. Isso abrange principalmente indústria, shoppings e grandes comércios.
Pelas regras estabelecidas pelo MME, o consumidor poderá fazer uma “oferta” de redução de consumo. O consumidor poderá propor a duração horária, de 4 a 7 horas, e com lotes mínimos de 5 megawatts (MW) para cada hora de duração da oferta.
O volume ficou bem abaixo do que o governo previa inicialmente, de 30 MW, e próximo do que vinha sendo defendido pela Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan), que havia sugerido 1 MW.
Com a mudança, indústrias de pequeno porte também poderão participar da oferta.
As ofertas deverão seguir o padrão de R$/MWh, além da indicação do dia da semana. Uma empresa poderá propor, por exemplo, cortar 10 MW a um custo de R$ 1.000 por MWh. Caberá ao Operador Nacional do Sistema (ONS) definir previamente quais horários serão permitidos tanto para a redução quanto, depois, para a compensação dessa redução.
Paulo Pedrosa, da Abrace, afirma que o importante é que a medida funcione e traga benefícios ao consumidor.
— É um jogo novo que vai funcionar, e a gente precisa jogar para ver como vai ser. Tomara que o jogo que apresente resultado. Vamos esperar que haja competição e que esse processo chegue a muitos consumidores — disse.
De acordo com a portaria do MME, se a oferta de economia apresentada pelo grupo for menor do que o PLD (Preço de Liquidação das Diferenças), hoje em seu valor máximo, de R$ 583,88 por MWh (megawatt-hora), a diferença será retornada ao consumidor via encargos cobrados na conta de luz. Se for maior, todos os consumidores pagarão essa diferença.
Para o sistema isso é vantajoso porque o custo da redução do consumo pode ser mais baixo que o da geração termelétrica. Uma termelétrica movida a óleo, por exemplo, tem um custo superior a R$ 1.000 por MWh. Haverá uma competição entre ofertas de geração e ofertas de redução de demanda.
Além disso, o operador consegue reduzir o consumo em horários de pico, o que reduz a pressão sobre o sistema o risco de apagão.
Em nota, o MME disse que as diretrizes permitem que o setor industrial participe e dê contribuição “para a garantia da segurança do fornecimento de energia elétrica, nesse momento em que a escassez hídrica impõe grandes desafios para o atendimento da demanda de energia elétrica no país”.
“O objetivo da proposta é viabilizar, sob a ótica da demanda, alternativa que contribua para o aumento da confiabilidade, segurança e continuidade do atendimento eletroenergético aos consumidores do país, aos menores custos”, diz a nota.
A Associação dos Grandes Consumidores Industriais de Energia e de Consumidores Livres (Abrace) elogiou as medidas, principalmente a combinação da redução do limite de participação com a possibilidade de os próprios consumidores agregarem ao sistema.
A Abrace destacou ainda a possibilidade de os consumidores deslocarem sua demanda para fora do período de ponta sem a incidência de custo extra. Mas a associação ressaltou que ainda que há uma série de dúvidas, como a diferença de tratamento para os consumidores de energia que têm contratos bilaterais.
“É muito importante preservar os direitos do ambiente de contratação e garantir o estímulo necessário para que essa expressiva parcela do mercado possa contribuir com a conjuntura energética do país”, afirmou a entidade em nota.
A Abrace informou que vai manter o diálogo com o governo em busca de mais detalhe3s para que as medidas sejam “efetivas e simplificadas no menor prazo possível”.
Clarice Ferraz, diretora do Instituto Ilumina, destaca a redução de consumo em intervalos de quatro a sete horas de duração, muito superiores ao período de três horas do horário de pico:
— Com intervalos tão grandes pode-se esperar uma redução do nível de produção industrial, o que frustra a ideia de retomada da atividade econômica. A medida não foi acompanhada de análise de impacto, mas se houver boa adesão de grandes consumidores pode efetivamente proporcionar alívio de carga e ajudar a evitar os já esperados apagões no horário de ponta.
Para a especialista, houve falta de equidade no tratamento aos demais consumidores de eletricidade, no mercado regulado, que acabarão subsidiando essa compensação oferecida à indústria, na opinião dela:
— Além disso, os demais usuários das águas dos reservatórios também podem pleitear compensações pela redução do uso que lhes está sendo imposta. Deverá haver importante judicialização em torno dos impactos das medidas adotadas pelo governo.
Segundo Tiago Figueiró, sócio da área de Energia do escritório de advocacia Veirano, a medida é muito importante, pois explora um recurso normalmente negligenciado no setor elétrico, que é a eficiência energética:
— A energia a ser economizada é a que está mais “disponível”, pois não necessita de investimentos de capital ou licenciamento para ser entregue. O plano previsto é um tipo de programa de resposta da demanda. Caso funcione, pode servir de base para a ampliação desse mecanismo.
Para garantir a segurança do sistema, o governo tem tomado medidas como manter vazões reduzidas em hidrelétricas importantes no Sudeste e no Centro-Oeste, que concentram a crise. O nível dos reservatórios dessa região está abaixo de 25%. A redução da vazão poupa água nos reservatórios, mas prejudica outros setores, como a navegação.
Também está acionando um volume recorde de geração de energia por usinas termelétricas.
O ONS também vai tomar uma medida para aumentar a transmissão de energia do Nordeste para outras regiões do país. Os reservatórios do Nordeste estão mais cheios, além da região gerar energia por usinas eólicas em grande escala. Por outro lado, há limites para transmitir essa energia para o Sudeste e o Centro-Oeste. Os técnicos do governo têm trabalhado para ampliar a capacidade de transmissão entre os sistemas.