Bolsonaro (Debbie Hill/Reuters)
AFP
Publicado em 7 de abril de 2019 às 10h19.
O presidente Jair Bolsonaro prometeu romper com a "velha política" e destravar a economia ao iniciar seu governo, que nos primeiros meses tem sido marcado por disputas de poder e erros que corroem sua popularidade e põem suas reformas em dúvida.
Capitão do Exército na reserva, apelidado de "Trump dos trópicos" por sua admiração ao presidente dos Estados Unidos, Bolsonaro cumpriu algumas das promessas de campanha nestes primeiros cem dias de governo, que serão completados na quarta-feira, como a autorização da posse de armas e o lançamento de privatizações.
Mas as intrigas, as divisões e as trapalhadas jogaram um balde d'água fria na euforia dos mercados e de setores que votaram no candidato de extrema direita, pondo um fim a décadas de governos de centro e centro-esquerda.
"Não seria subestimá-lo dizer que o desempenho do presidente até agora foi decepcionante", afirma Thomaz Favaro, da consultoria de riscos políticos Control Risks.
"Houve uma percepção equivocada de que Bolsonaro vinha com uma base de apoio muito forte e acho que agora começamos a ver que talvez não seja tanto", acrescentou.
Bolsonaro venceu as eleições graças a mensagens simples de que acabaria com a criminalidade, a violência e a corrupção endêmicas.
Mas o agora presidente, que durante os quase trinta anos como deputado ficou mais conhecido pelos insultos e declarações racistas, misóginas e homofóbicas, bem como pela defesa da ditadura militar (1964-1985) do que pelo trabalho como legislador, está descobrindo que seu estilo inflexível e a preferência pelo uso das redes sociais, como o Twitter, não funcionam com o Congresso, onde carece de maioria própria.
Seu plano para a reforma do insustentável regime previdenciário está travado após uma disputa com aliados políticos chave.
"Nas últimas semanas, realmente vimos o lado de Bolsonaro que as pessoas mais temiam", disse William Jackson, economista da Capital Economics, com sede em Londres.
"Sua falta de experiência de governo, ilustrada pela deterioração de suas relações com o Congresso, e suas lutas por manter unida sua coalizão, parecem ter levado a uma paralisia na formulação de políticas", acrescentou.
Nos últimos dias, o presidente deu a impressão de adotar um tom mais conciliador, mantendo reuniões com líderes de vários partidos.
Pode ser que finalmente tenha aceito ceder ao condenado "toma lá, dá cá", da política nacional, avaliou David Fleischer, professor emérito de ciência política da Universidade de Brasília.
Mas também pode ser que não chegue a aprovar reformas-chave e que seu governo "siga à deriva até 2022", acrescentou.
Bolsonaro conquistou algumas vitórias desde que assumiu a Presidência, em 1º de janeiro.
Entre elas, a flexibilização da legislação sobre a posse de armas de fogo e a entrega da concessão de doze aeroportos em licitações bem sucedidas, consideradas uma prova da confiança dos investidores estrangeiros.
Mas terá mais dificuldades em impulsionar políticas mais polêmicas na pulverizada Câmara dos deputados, onde seu partido, o PSL (Partido Social Liberal) tem apenas 54 dos 513 assentos.
Isto significa que ele será obrigado a fazer alianças ad hoc com legisladores de vários partidos que compõem as bancadas "BBB" (bíblia, bala e boi) - os evangélicos, os lobbies das armas e do agronegócio.
A confusão afeta o próprio Executivo, refém da disputa entre grupos militares, ideólogos conservadores e os filhos do presidente. Todos competindo para ter maior influência política.
O presidente "está constantemente na corda bamba", afirmou Favaro, para quem "a estratégia de Bolsonaro depende de sua capacidade política para criar uma coalizão viável no Congresso e isso é complicado porque agora vemos que o índice de aprovação do presidente diminuiu".
Os índices de popularidade do 'Mito', que em janeiro eram de 67%, caíram para 51% em março, os piores já registrados por um presidente nos primeiros três meses de seu primeiro mandato.
Uma série de erros e horrores socavou ainda mais a credibilidade de Bolsonaro e expôs a inexperiência de seu governo.
A iniciativa recente do presidente de comemorar o golpe militar de 1964 provocou indignação e protestos. E sua afirmação, durante visita ao museu do Holocausto, em Israel, este mês, de que os nazistas eram "esquerdistas" foi ridiculizada.
A promessa de transferir a embaixada brasileira em Israel de Tel Aviv para Jerusalém, até o momento adiada, também pode provocar represálias comerciais dos Estados árabes, alguns dos quais são importantes importadores de carne brasileira.
E uma série de escândalos, inclusive sobre denúncias de transações financeiras consideradas atípicas envolvendo um de seus filhos, o senador Flávio Bolsonaro, arranharam sua imagem de "paladino anticorrupção".
"Fez muitas coisas bobas", avaliou Fleischer. "Não tem assessores suficientes ao seu lado que lhe digam: 'Bom, é melhor que você não faça isso'".
Até mesmo os investidores, que tinham saudado sua chegada ao Palácio do Planalto em virtude de suas posições pró-mercado e suas propostas para reativar a alquebrada economia, estão perdendo a fé.
"Até um presidente que contasse com grande histórico na formação de coalizões teria que lutar muito para endireitar isso", afirmou Jackson.