Gilmar Mendes, ministro do STF (Igo Estrela/Getty Images)
Clara Cerioni
Publicado em 29 de março de 2019 às 20h14.
Última atualização em 29 de março de 2019 às 21h52.
O ministro do STF, Gilmar Mendes, negou proibir as comemorações do golpe de 64. A decisão não interfere na sentença proferida pela Justiça Federal do DF, que vetou as comemorações no dia 31 de março, data que marcou o início da ditadura militar no país. O motivo é que os processos são diferentes e o ministro do Supremo não julgou o mérito da questão, mas, sim, o pedido.
A ação que pediu a proibição da celebração do golpe foi feita pelo Instituto Vladmir Herzog e vítimas da ditadura, com base nas declarações do porta-voz da Presidência, Otávio Rêgo Barros. O ministro reconhece a sensibilidade do tema para a sociedade brasileira, mas afirmou que a fala do porta-voz não era ato concreto de questionamento na corte. Em uma decisão de 20 páginas, o ministro do Supremo lembrou dos anos do golpe até a redemocratização.
"Os anos de 1964 a 1985, também conhecidos como 'anos de chumbo', são parte da nossa história, da história jurídica e política do Brasil e da história do constitucionalismo brasileiro. Como todo fato histórico, comporta interpretações determinadas pela perspectiva de cada intérprete: suas experiências, suas ideologias, seus valores, suas vidas", disse na sentença.
Mendes prosseguiu, afirmando que a existência de diferentes interpretações sobre o mesmo fato histórico "é, justamente, o que temos em mente ao pensar em pluralismo [...] A democracia também exige cuidado com a proliferação de informações, especialmente quando descontextualizadas ou disseminadas com o intuito de gerar manchetes que não correspondem integralmente à verdade factual com todo seu contexto".
O ministro afirmou que "o ato da autoridade pública, objeto da via estrita do mandado de segurança, deve produzir efeitos jurídicos imediatos, não sendo suficiente os atos de opinião, notadamente aqueles emitidos em contexto político, por meio de porta-voz [...] não parece adequado enquadrar como ato de autoridade do Presidente da República a opinião de natureza política transmitida por seu porta-voz".
"Desse modo, não verifico os pressupostos para conhecimento do remédio constitucional em apreço, posto que não há ato coator de autoridade que determine a competência do Supremo Tribunal Federal. Posto isso, nego seguimento ao presente mandado de segurança", finalizou.
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A juíza Ivani Silva da Luz, 6 ª Vara da Justiça Federal de Brasília, decidiu no início da noite desta sexta-feira, (29), que o governo Bolsonaro está proibido de comemorar do golpe militar de 1964, que completa 55 anos neste domingo (31). Segundo a magistrada, o governo não deve celebrar a data sob pena de multa.
Ela atendeu a um pedido de liminar apresentado pela Defensoria Pública da União, que alegou risco de afronta à memória e à verdade, além do emprego irregular de recursos públicos nos eventos.
O Ministério da Defesa também divulgou uma ordem do dia para ser lida durante as celebrações. “Contra esses radicalismos, o povo brasileiro teve que defender a democracia com seus cidadãos fardados", afirma um trecho.
Em sua decisão, a juíza questiona o texto da defesa afirmando que ele desobedece a Constituição Federal brasileira. "O referido ato administrativo desobedece ao princípio da prevalência dos direitos humanos previsto no art. 4º, inciso II, da Constituição Federal de 1988, no qual, segundo a lição de Celso Lafer, existe 'clara nota identificadora da passagem do regime autoritário para o Estado Democrático de Direito", afirma a magistrada.
A ordem dada pelo presidente Jair Bolsonaro foi criticada por diversas entidades, entre elas o Ministério Público e a Ordem dos Advogados do Brasil.
O Instituto Vladimir Herzog, com o apoio da OAB, enviou à ONU uma denúncia contra o presidente por conta da orientação de Bolsonaro para comemorações nos quartéis.
Além disso, nesta sexta, um grupo de mais de cem intelectuais de diferentes partes do mundo também assinou uma carta pública de repúdio.
“O texto constitucional não é um amontoado de palavras cujo sentido pode ser arbitrariamente estabelecido e interpretado por nenhum agente público, muito menos pelo Presidente da República”, alerta o manifesto.
Em entrevista, o presidente negou a existência de uma ditadura militar e disse que o regime teve “probleminhas”. “Onde você viu no mundo uma ditadura entregar pra oposição de forma pacífica o governo? Só no Brasil. Então não houve ditadura”, disse.