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Quem vender mais otimismo ganha a eleição, diz consultoria

Uma pesquisa realizada pela consultoria CA Ponte, filial brasileira da Cambridge Analytica, mostra que Bolsonaro e Lula lideram no tom otimista da campanha

Tribunal Superior Eleitoral: apenas 9 de 30 partidos receberam aprovação das contas das eleições de 2012 (Marcelo Camargo/Agência Brasil)

Tribunal Superior Eleitoral: apenas 9 de 30 partidos receberam aprovação das contas das eleições de 2012 (Marcelo Camargo/Agência Brasil)

Raphael Martins

Raphael Martins

Publicado em 27 de janeiro de 2018 às 09h34.

Última atualização em 22 de março de 2018 às 11h40.

No dia 27 de julho de 2016, ao subir ao palanque da convenção do Partido Democrata pouco antes da eleição norte-americana, o então presidente Barack Obama foi ovacionado pelos pares por meio de seu slogan de campanha, a célebre e simples frase “Yes, we can”. Obama tentava resgatar seu legado e transferi-lo à candidata Hillary Clinton. “Muito aconteceu ao longo dos anos. E, enquanto essa nação foi testada pela guerra, pela recessão econômica e toda sorte de desafios, estou aqui nesta noite, depois de quase dois mandatos como seu presidente, para dizer que me sinto mais otimista sobre o futuro da América que nunca”, disse.

O fim dessa história, todos sabem: o brado otimista dos democratas foi abafado por outra visão de mundo, tão positiva quanto, mas de cunho nacionalista e protetivo, uma retomada aos tempos áureos de “Make America great again”.

Ao menos por enquanto, o Brasil vai para rumos parecidos, segundo apurou EXAME com especialistas em eleições. Com o governo aprovado por 5% da população, segundo a última pesquisa Datafolha, os ares de mudança dominam a narrativa dos pré-candidatos. O otimismo com o futuro deve ser o discurso mais repetido nas eleições de um país afundado em corrupção e que acaba de sair da maior recessão de sua história.

Uma pesquisa realizada pela consultoria CA Ponte, filial brasileira da Cambridge Analytica, agência que coordenou a campanha on-line de Trump nos Estados Unidos, mostra que o candidato com o tom mais otimista é o deputado federal Jair Bolsonaro (PSC). Ele foi citado por 23,2% dos entrevistados. Luiz Inácio Lula da Silva (PT) teve 18,7%. Atrás vêm Marina Silva (Rede), com 6,3%, Ciro Gomes (PDT), com 5%, e Geraldo Alckmin, em último, com 2,3%. A maioria, pela distância da eleição, disse ainda não saber: são 44,7%. A pesquisa consultou 1.200 pessoas de todo o Brasil, conduzida nas classes B e C, entre 18 e 55 anos.

EXAME consultou três cientistas políticos para comentar, primeiro sem saber das respostas às pesquisas e depois informados, da importância de uma mensagem otimista e suas consequências trazidas à realidade brasileira. O grupo lembra que a narrativa otimista é pressuposto básico de campanha, mas a percepção de largada entre governos de continuidade ou oposição tem mais a ver com a percepção de país que o eleitorado tem do que necessariamente as técnicas narrativas do candidato.

Essa percepção é o que se chama na ciência política de feel good factor, traduzido do inglês como “fator de bem-estar”. Governos são bem avaliados pelo grau de empregabilidade, renda, segurança e condições que o estado dá ao eleitorado. Assim, não é surpresa que os candidatos oposicionistas mais extremos estejam na frente.

“A divergência que existe hoje no Brasil é a leitura que se faz em relação ao presente. Tem gente que analisa o atual governo com lentes mais coloridas, dizendo que superamos a pior fase da história brasileira, que a economia está bem e o governo é melhor do que o anterior”, diz o cientista político Carlos Melo, professor da escola de negócios Insper. “Mas dizer que o governo está maravilhoso é um discurso que, no momento, não passa no crivo do eleitor”.

Bons exemplos de como o feel good factor trabalhou em campanhas no Brasil desde a redemocratização são abundantes. José Sarney e o Plano Cruzado em 1986, ainda na época dos “fiscais do Sarney” e antes da debacle inflacionária, fizeram o PMDB conquistar 22 das 23 cadeiras de governadores nas eleições daquele ano. O Plano Real e a eleição de Fernando Henrique Cardoso, tiveram grande efeito tanto na eleição presidencial como no crescimento do PSDB. Nos anos de Lula, a primeira eleição foi norteada no otimismo da mudança, quando FHC falhou nas promessas de geração de emprego, e ganhou duas eleições arrastado no crescimento econômico e distribuição de renda em seu tempo de mandato – nem mesmo o mensalão foi capaz de abalar sua imagem quando a sensação positiva da população estava em alta.

“Um elemento essencial da política é a manipulação entre o medo e a esperança. É um tema clássico da filosofia, que vem desde Maquiavel. Vai depender muito das condições objetivas em que país esteja em outubro para saber se vai se utilizar mais do discurso da esperança ou o do medo”, afirma o filósofo e professor de ética da Unicamp, Roberto Romano. “O candidato tem que inventar a receita mais eficaz para atrair o eleitorado. Ou bolar um discurso que seja capaz de mostrar bases objetivas em curto prazo. Hoje não há”.

Com um eleitorado volátil, há caminhos diversos que podem impactar a percepção de um líder forte e otimista. Para cientista político Humberto Dantas, professor da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo, fenômenos como a condenação do ex-presidente Lula e a aprovação de uma (mesmo que reduzida) reforma da Previdência podem mudar o humor do eleitorado e embaralhar os números.

Um substituto fraco do petista e a melhora econômica podem favorecer de maneira radical um nome de centro. “Uma melhora de condição do eleitorado faz as saídas fáceis do discurso político perderem relevância, porque começa a tornar a narrativa oficial em narrativa factual”, afirma.

Entre o passado e o futuro

Ao saberem do resultado, os estudiosos mantém posição. Com o governo prometendo melhorias que não vem, beneficiam-se os oposicionistas. Bolsonaro e Lula à frente se explicam pelos anseios da população que o governo ainda não pode se defender. Cada um usa uma narrativa diferente, mas que traz esperança de melhorias onde Temer e companhia falharam. É uma estratégia que Carlos Melo, do Insper, chama de “utopia regressiva”.

“Ambos batem na tecla de que o presente está muito ruim e o passado – dos militares na visão de um, e dos 7,5% de crescimento para outro –, eram muito melhores. Bolsonaro vende a impressão de que nos governos militares tinha crescimento acelerado e não havia corrupção. O PT vende a perseguição e o incentivo aos programas sociais”, diz. “São narrativas facilmente desmontáveis em campanha. A tendência é que derretam com o tempo”.

Humberto Dantas, da Fespsp, chama atenção para outro ponto da pesquisa. Em uma das questões feitas pela CA Ponte aos entrevistados, pergunta-se o seguinte: “Você prefere um presidente que diga o tamanho da crise ou como sair dela?” Nada menos que 58,8% escolheram o candidato que esclareça como resolver o problema. Preferem que se diga a dimensão da crise apenas 11,7% e 29,5% dizem não saber.

É um resultado que pode explicar, em parte, o fracasso de Geraldo Alckmin e Ciro Gomes na pesquisa feita para medir a mensagem otimista. Ambos, como recorda o cientista político, são do tipo “didático”, que dissertam sobre as aflições do eleitorado. “Se o leitor só quer a solução, em uma guerra de discursos devem vencer as saídas fáceis para problemas complexos. É o temor mundial pelo triunfo do populismo se manifestando”, afirma. “Quando não se conhece o problema, corre-se o risco de cair em qualquer tipo de solução e eleva o risco de eleger uma alternativa fantasiosa”.

Durante o Fórum Econômico Mundial, o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles (PSD), afirmou que a economia vai melhorar a ponto de a sensação de bem-estar se impôr nas eleições de outubro. Para os candidatos de centro, como ele próprio, é torcer para isso de fato acontecer. Ou mudar o discurso e começar a vender mais otimismo aos eleitores. Ajuste fiscal e reformas são importantíssimos ao país. Mas não ganham eleições.

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