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G20 no Rio: Brasil deve focar em reformas na ONU

País vê simpatia dos EUA para realização da discussão sobre modificação do Conselho de Segurança, tema que será tratado no encontro dos chanceleres das maiores economias do planeta

A reforma da governança global abrange não apenas o Conselho de Segurança da ONU, que ficará a cargo da reunião de chanceleres (PABLO PORCIUNCULA/AFP /Getty Images)

A reforma da governança global abrange não apenas o Conselho de Segurança da ONU, que ficará a cargo da reunião de chanceleres (PABLO PORCIUNCULA/AFP /Getty Images)

Agência o Globo
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Agência de notícias

Publicado em 19 de fevereiro de 2024 às 10h10.

Última atualização em 19 de fevereiro de 2024 às 10h30.

Em um mundo marcado por conflitos em diferentes regiões e disputas geopolíticas entre grandes potências militares — como Estados Unidos, Rússia e China — o Brasil patrocinará, na quarta-feira e na quinta-feira, um encontro de chanceleres do G20 no Rio de Janeiro. É o primeiro grande evento de dois anos de intensa atividade diplomática para o Brasil, que em 2024 preside o grupo das maiores economias do planeta, e em 2025 estará à frente do Brics — grupo recém-ampliado para dez membros — e sediará a COP30, a reunião climática anual da ONU. No comando dessas três agendas, o Brasil pretende reforçar sua posição geopolítica internacional.

Nessa primeira reunião de alto nível entre representantes das maiores economias do mundo, o governo Luiz Inácio Lula da Silva pretende dar o pontapé inicial em direção à negociação de uma ampla reforma no Conselho de Segurança da ONU. Esse é um dos pilares da presidência brasileira do G20, que vai até o fim do ano. Para atingir esse objetivo, o Brasil crê ter apoio dos países em desenvolvimento e recebe sinais de que a Casa Branca não vai se opor às discussões.

Liderança do sul global

Os EUA, que até pouco tempo resistiam a esse debate, agora já admitem discutir ajustes no sistema ONU como um todo, segundo interlocutores do governo brasileiro ouvidos pelo O Globo. A expectativa é que o secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, chefe da diplomacia americana e que chega amanhã ao Brasil, reforce essa posição no encontro de chanceleres.

De olho em um papel de liderança no sul global, Lula conta com o apoio de países em desenvolvimento do G20 para emplacar as propostas do Brasil no grupo, baseadas em três pilares: combate à fome; desenvolvimento sustentável; e reforma da governança global. Para isso, ele participou, na semana passada, de encontros com nações da Liga Árabe e da União Africana, no Egito e na Etiópia, respectivamente.

O objetivo do Brasil na reunião desta semana é iniciar os debates sobre mudanças na ONU. O passo seguinte é promover, em setembro deste ano, à margem da Assembleia-Geral da ONU, em Nova York, um encontro com a participação de todos os países, não apenas os do G20.

Conforme definiu um diplomata, a ideia agora é “dar um empurrão na reforma da ONU”. Se houver êxito, o governo Lula usará a iniciativa como um grande avanço e fechará com chave de ouro a presidência do G20 pelo Brasil, na cúpula de líderes do bloco, que acontecerá em novembro deste ano, no Rio.

O Conselho de Segurança da ONU vai completar 79 anos em outubro e é considerado por muitos pouco representativo e ineficiente. Um dos principais problemas apontados pelo Brasil é o poder de veto dos cinco membros permanentes — EUA, China, Reino Unido, França e Rússia. Não importa qual seja a decisão, se um desses países não concordar, nada sai do papel. O Brasil há décadas busca mudanças.

‘G4’ não foi adiante

O Brasil defende a maior participação dos países em desenvolvimento no organismo. Chegou a formar um grupo, o G4, que reunia também outros candidatos: o Japão, a Alemanha e a Índia. Mas não houve avanço e hoje se busca colocar representantes de todas as regiões do planeta, entre elas América Latina e África.

Diplomatas brasileiros argumentam que, também por meio da reforma da ONU, será possível enfrentar desafios gigantescos que fazem parte da agenda mundial. São exemplos o combate à pobreza, a adoção de medidas para mitigar os efeitos das mudanças climáticas e a regulação da inteligência artificial.

Em uma avaliação reservada, integrantes do governo Lula acreditam que o pilar mais polêmico e com mais chances de desavenças é o que trata das mudanças nas instituições multilaterais, incluindo ONU e organismos de crédito — o G20 não tem poder de decisão, embora seus posicionamentos de ordem política possam influenciar a ordem mundial.

Doutora em relações internacionais e professora da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo, Flavia Loss ressalta que a presidência brasileira no G20 em 2024 coincide com um turbulento cenário internacional e um momento de enfraquecimento da ONU. Ela avalia que o cenário é ideal, do ponto de vista político, para que o Brasil retome essa discussão e faça propostas de reforma alinhadas aos interesses de outros países em desenvolvimento. E destaca que a iniciativa também interessa a própria ONU, que tem lidado com a indiferença de alguns países desenvolvidos e questionamentos constantes sobre a sua relevância.

"Dificilmente, o Brasil e os outros países em desenvolvimento conseguirão redesenhar a ordem internacional, ou mesmo conseguir uma alteração no Conselho agora. Mas trazer a discussão para a mesa e engajar as sociedades civis é um passo importante para uma futura mudança", diz Loss.

Temas urgentes

Na reunião do Rio, a expectativa é que os chanceleres do G20 também discutam “temas urgentes”, como a guerra entre Rússia e Ucrânia e o conflito entre Israel e o grupo terrorista palestino Hamas, que causou grave crise humanitária na Faixa de Gaza. Como candidato a uma vaga permanente no organismo, Lula sempre critica, nos fóruns internacionais de que participa, como no último fim de semana, a inatividade e a incapacidade do Conselho de Segurança de resolver essas questões.

Alexandre Peres, escritor, doutor em Direito Internacional e professor da Escola de Magistratura da Justiça Militar da União, lembra que os cinco membros permanentes têm um importante poderio militar e não devem querer perder seu poder de veto, principalmente os EUA.

"Os EUA podem até lançar essa narrativa [de concordar com mudanças], mas jamais abrirão mão da sistemática de vetos. Este poder de veto é um dos principais motivadores da hegemonia americana nas relações internacionais", diz.

A Rússia, por exemplo, invadiu a Ucrânia de forma ilegal, segundo a interpretação de nações ocidentais e de Kiev. O Conselho de Segurança da ONU apresentou uma resolução condenando Moscou, que foi vetada pelos próprios russos. Os EUA, por sua vez, vetam praticamente todas as resoluções contra Israel, um de seus mais próximos aliados. Com isso, fica claro que cada membro permanente defende muito mais seus interesses particulares do que a verdadeira manutenção da paz e segurança internacionais.

Organismos econômicos

A reforma da governança global abrange não apenas o Conselho de Segurança da ONU, que ficará a cargo da reunião de chanceleres. Pela proposta do Brasil, é preciso promover ajustes em praticamente todos os organismos multilaterais de crédito, como o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial, como disse o chanceler Mauro Vieira em entrevista ao GLOBO publicada ontem. A parte econômica, que inclui a preocupação com as dívidas de países, entre eles os africanos, está sob a batuta do Ministério da Fazenda.

O Brasil assumiu a presidência do G20 em dezembro de 2023 e terminá seu mandato em novembro deste ano, com a reunião de líderes do bloco no Rio. Até lá, são esperados mais de cem eventos no país e em cidades mundo afora. No fim do mês, por exemplo, haverá uma reunião de ministros da Fazenda e presidentes dos bancos centrais em São Paulo.

O G20 é formado por 19 países e dois grupos regionais: a União Africana e a União Europeia. Os países que integram o G20 representam cerca de 85% do Produto Interno Bruto (PIB) mundial, mais de 75% do comércio e cerca de dois terços da população do planeta.

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