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Fux deixa presidência do STF após dois anos

Ministro comandou a Corte durante principais momentos de crise entre os Poderes e pautou casos como marco temporal indígena e quebra de patentes

O ministro deixa o comando do Judiciário após dois anos de gestão (Rosinei Coutinho/SCO/STF/Flickr)

O ministro deixa o comando do Judiciário após dois anos de gestão (Rosinei Coutinho/SCO/STF/Flickr)

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Agência O Globo

Publicado em 8 de setembro de 2022 às 18h29.

Última atualização em 8 de setembro de 2022 às 18h36.

Em seu discurso de despedida da presidência do Supremo Tribunal Federal (STF) nesta quinta-feira, o ministro Luiz Fux afirmou que a Corte, durante toda a sua gestão, foi alvo de ataques "em tons e atitudes jamais vistos na história do país". O ministro deixa o comando do Judiciário após dois anos de gestão.

"Não bastasse a pandemia, nos últimos dois anos, a Corte e seus membros sofreram ataques em tons e atitudes jamais vistos na história do país. Não houve um dia sequer em que a legitimidade de nossas decisões não tenha sido questionada, seja por palavras hostis, seja por atos antidemocráticos", disse Fux.

Em sua fala, Fux disse que assumiu a chefia do Poder Judiciário brasileiro "num dos momentos mais trágicos e turbulentos de nossa trajetória recente", numa referência à pandemia de covid-19. Ele destacou ter assumido a presidência da Corte em "tempos sombrios", em setembro de 2020.

Ele também chamou a atenção para os ataques sofridos pelo STF e seus ministros, mas disse que o tribunal jamais deixou de trabalhar para manter a Constituição, dos direitos humanos e da democracia. Afirmou também que o STF se mantém e se manterá "aberto, operoso e vigilante". Fux também destacou a importância de o STF ter a confiança da população:

"A Suprema Corte de um país, a guardiã de sua Constituição e do seu Estado Democrático de Direito somente existe e funciona se o povo lhe atribui confiança e legitimidade. Todas as nossas decisões, todo o nosso labor e todas as nossas lutas existem por conta desses milhões de brasileiros comuns, verdadeiros titulares do poder, que nos confiam esta nobre e honrosa missão".

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Depois acrescentou: "Em nosso Supremo Tribunal, em todas as ocasiões em que nos bate o cansaço ou em que formos hostilizados, lembremo-nos das dores que essas pessoas que dependem de nós enfrentam nas favelas, nos rincões, nos subúrbios, diuturnamente marginalizadas do país que elas ajudam a construir; lembremos, ainda, do nosso compromisso, como juízes brasileiros, que concretizamos o ideário da Carta Maior, que é o nosso combustível, a saber: a erradicação das desigualdades", completou.

Entre as realizações da Corte, citou o lançamento do "Programa de Combate à Desinformação do STF", em parceria com mais de 40 entidades. Fux também disse que, em sua gestão, o nível de digitalização dos serviços da Corte passou de 65% para 100%, e mencionou o Programa Corte Aberta, que unificou e estruturou as bases de dados do STF, colocando-os à disposição para consulta. Mencionou também as tentativas de se comunicar com o público mais jovem, citando até mesmo a abertura de uma conta no TikTok.

Sobre os processos julgados na Corte, ele lembrou o grande número de decisões tomadas, o que possibilitou reduzir o tamanho do estoque de processos na Corte. Também disse mais de 95% dos casos analisados pelo plenário presencial se referem a um ou mais objetivos do desenvolvimento Sustentável da Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU).

Fux também fez um balanço do seu trabalho no Conselho Nacional de Justiça (CNJ), órgão que também é presidido pelo presidente do STF. Ele citou a instituição Observatório de Direitos Humanos do Poder Judiciário, a criação dos Centros Especializados de Atenção à Vítima de crimes, e o desenvolvimento de formulário para o registro de ocorrências envolvendo a população LGBTQIA+, entre outras medidas.

Ele elogiou seu antecessor no cargo, o ministro Dias Toffoli, por ter modernizado a gestão do STF, e agradeceu o apoio dos colegas, dizendo que nunca esteve sozinho na cadeira de presidente da Corte. Segundo ele, houve "coesão impenetrável" entre os ministros. Também agradeceu os servidores da Corte, e outros órgãos do sistema de justiça, como o Ministério Público Federal, a advocacia e a Defensoria Pública, além da imprensa. A família também foi mencionada.

Dois anos de crise

O ministro Luiz Fux deixa a presidência do Supremo nesta quinta-feira, após dois anos marcados por episódios de ataques do presidente Jair Bolsonaro a integrantes do Judiciário. Ele será substituído pela ministra Rosa Weber, que vai assumir o posto nesta segunda-feira, onde permanecerá por apenas um ano.

Fux esteve à frente da Corte ao longo da pandemia de Covid-19 e também teve que lidar com investidas antidemocráticas que miravam o tribunal. Na mais grave delas, houve uma tentativa de invasão ao STF, durantes os atos de 7 de setembro do ano passado, ocasião em que o próprio Bolsonaro xingou magistrados do Supremo e ameaçou não cumprir decisão de um deles, Alexandre de Moraes.

Ao GLOBO, em sua última entrevista concedida antes de deixar a presidência, Fux relembrou a tensão daquele dia. Ele afirmou que, embora continuem ocorrendo ataques ao Judiciário, na avaliação dele, o cenário hoje é outro diante do apoio da sociedade ao processo eleitoral, um dos principais alvo das acusações feitas pelo presidente da República.

"Todos os dias tinham uma agonia. Tínhamos momentos de manifestação política, problemas institucionais, demandas da classe. Todo dia foi difícil. Naquele meu discurso forte em 8 de setembro do ano passado, entendi que aquilo era uma consequência do meu dever de oficio. Os ataques à Corte têm que ser defendidos pelo chefe do Judiciário. Posso diagnosticar como um dia difícil o dia anterior ao 7 de setembro", disse na entrevista.

Em razão dos momentos de tensão entre Poderes, mais de uma vez, o presidente do STF saiu em defesa da democracia e da estabilidade democrática. Na abertura dos trabalhos do segundo semestre de 2021, após o recesso de julho, ele não citou Bolsonaro, mas disse que determinadas atitudes "corroem sorrateiramente os valores democráticos".

"Harmonia e independência entre os poderes não implicam impunidade de atos que exorbitem o necessário respeito às instituições. Permanecemos atentos aos ataques de inverdades à honra dos cidadãos que se dedicam à causa pública. Atitudes desse jaez deslegitimam veladamente as instituições do país; ferem não apenas biografias individuais, mas corroem sorrateiramente os valores democráticos consolidados ao longo de séculos pelo suor e pelo sangue dos brasileiros que viveram em prol da construção da democracia de nosso país", afirmou Fux.

Casos importantes

Sob sua presidência, o STF analisou, em 2021, o caso que levou à anulação das condenações impostas pela Lava Jato ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Também foi em sua presidência que o Supremo se debruçou sobre questões complexas.

Entre os casos há a decisão que considerou constitucional pontos da Lei Seca, assim como a que garantiu a licença maternidade a pais solteiros de crianças geradas por fertilização in vitro. Em 2021, já sob presidência de Fux, o processo sobre regras de demarcação de terras indígenas começou a ser analisado. Em 15 de setembro, porém, o ministro Alexandre de Moraes pediu vista e interrompeu a votação. O placar estava em um a um. Nunes Marques votou a favor da tese e Edson Fachin, contra.

Em fevereiro, de 2021 o STF definiu que o direito ao esquecimento não é compatível com a Constituição e, com isso, impediu decisões que determinassem que se apagasse registros de publicações que tenham afetado determinado cidadão. Mais do que isso, o Supremo entendeu que acomodar esse conceito de forma genérica no ordenamento jurídico brasileiro traria um conflito com a liberdade de expressão. Eventuais excessos ou abusos no exercício da liberdade de expressão e de informação devem ser analisados caso a caso.

Ainda em 2021, o STF confirmou, em outubro, que a injúria racial é uma espécie de racismo, portanto, é crime imprescritível. O passo é relevante, porque, de acordo com a legislação brasileira, são imprescritíveis apenas os crimes de racismo e de ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático. Assim, independentemente de quando o crime aconteceu, ele ainda pode ser punido.

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