O físico Luiz Davidovich, novo presidente da Academia Brasileira de Ciências (ABC): "medida ameaça colocar a ciência em segundo plano" (Agência Brasil/Fernando Frazão)
Da Redação
Publicado em 18 de maio de 2016 às 09h21.
São Paulo - Novo presidente da Academia Brasileira de Ciências (ABC), o físico carioca Luiz Davidovich tomou posse do cargo no dia 4 deste mês.
Oito dias depois, o governo federal anunciou a fusão entre o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) e o das Comunicações.
A ABC e a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) lançaram imediatamente um manifesto contra a fusão.
Segundo Davidovich, que é professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), a medida é um retrocesso.
Para o cientista, priorizar a ciência é fundamental para que o País contorne a crise econômica.
Qual sua opinião sobre a fusão dos ministérios?
Consideramos que foi um retrocesso. A medida ameaça colocar a ciência em segundo plano, distanciando-a dos mais altos escalões do poder. Em sua jornada de 30 anos, o MCTI motivou a criação de Fundações de Amparo à Pesquisa e de Secretarias de Ciência em todos os Estados. Graças a isso, criou-se por todo o País uma rede de financiamento à ciência. O ministério também coordenou 20 institutos nacionais que atuam em áreas indispensáveis e estratégicas. Ele coordenou atividades fundamentais para o Brasil.
Sem ministério, investimentos na área podem ser reduzidos?
Já estavam sendo reduzidos drasticamente. Tivemos uma fase excelente na primeira década do século, até 2010. Mas depois disso houve cortes extremamente prejudiciais. No último ano, até mesmo os recursos para bolsas no Brasil e no exterior foram cortados.
Como isso prejudica o País?
Prejudica a longo prazo, porque tem impacto na formação. São os jovens cientistas que no futuro poderão combater epidemias como a de zika, inovar na tecnologia e agregar valor a produtos. O Brasil não se interessa por ciência e tecnologia, e isso é preocupante. O governo tem papel central no estímulo a esse interesse. Precisa mostrar que é uma área prioritária, que vamos investir em jovens brilhantes, porque o Brasil precisa deles.
Essa desvalorização da ciência faz o setor ser um dos primeiros a sofrer cortes na crise?
No Brasil, sim, porque se considera que são cortes de gastos. Mas na realidade é o contrário e outros países sabem disso. Em março, o primeiro-ministro da China, Li Keqiang, anunciou que o crescimento do país seria desacelerado. Na mesma conferência, informou que os investimentos em Ciência e Tecnologia seriam incentivados para fazer frente à crise.
O país investirá 2,5% do PIB no setor, que hoje já recebe 2,05%. Quanto maior a crise, maior precisa ser o investimento em Ciência e Tecnologia. Caso contrário, é impossível sair do buraco. No Brasil, o porcentual é de 1,5% e não paramos de ter cortes.
Por que o Brasil não segue essa linha?
Talvez por uma visão de nossos políticos extremamente focada no curto prazo. Mas basta olhar o avanço meteórico da pesquisa contra a zika para perceber a importância de investimentos de longo prazo.
Ainda é muito comum entre os políticos a ideia de que certos setores não deveriam ser financiados por serem inúteis?
Sim. E me espanta que essas pessoas em posição de liderança não percebam a importância da pesquisa básica. Um exemplo é a física quântica. Quando jovens cientistas brilhantes começaram a desenvolvê-la, no início do século 20, eram movidos apenas pela paixão de descobrir como funciona a natureza. Algo aparentemente "inútil".
Um século depois, a revista Scientific American publicou artigo mostrando que um terço do PIB dos Estados Unidos tem base na física quântica, que permitiu desenvolver transistores, semicondutores, computadores, laser, aparelhos de ressonância magnética e relógios atômicos que sincronizam o GPS.
Com a ciência relegada a um plano de governo menos prioritário pode ocorrer uma fuga de pesquisadores brasileiros para instituições no exterior?
Se começar a ficar muito ruim, as pessoas vão pensar em sair para proteger suas carreiras. Nós somos críticos ferrenhos dessas políticas governamentais - em especial a fusão dos ministérios. Mas também estamos abertos ao diálogo. Temos um papel de esclarecer a sociedade e os governos.
Não somos uma nação de segunda classe para deixarmos de investir em ciência, deixando os avanços tecnológicos para outros países. É preciso ter ambição. Temos de apostar na ciência, incluindo a pesquisa básica, que é a fonte de novas revoluções. Eu diria que a ciência é a nossa verdadeira ponte para o futuro.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.