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Frota nova e mais velocidade: o plano das empresas de ônibus para recuperar passageiros no Brasil

Setor enfrenta desafio de atrair clientes que passaram a usar outros modos de transporte, como aplicativos de carro e moto

Ônibus elétricos em São Paulo: cidade lidera adoção da tecnologia no país (Divulgação)

Ônibus elétricos em São Paulo: cidade lidera adoção da tecnologia no país (Divulgação)

Rafael Balago
Rafael Balago

Repórter de macroeconomia

Publicado em 22 de junho de 2025 às 08h00.

Brasília - Ir de aplicativo ou de ônibus? A pergunta surge com frequência para os usuários do transporte público. A questão é trivial para os passageiros, mas fundamental para as empresas do setor, que tentam resgatar seus clientes de volta. Um novo plano para isso inclui avançar na renovação de frota, acelerar os coletivos, buscar contratos mais estáveis e convencer os governos a investirem mais. 

O uso dos ônibus nas cidades do Brasil teve uma queda forte durante a pandemia, já que muitas atividades diárias foram suspensas ou passaram a ser feitas online. Cinco anos depois, apenas Brasília recuperou o patamar de passageiros que tinham antes daquela crise, segundo dados da NTU, a associação nacional das empresas de ônibus urbanos.

O avanço do home office explica parte da queda, mas muitos passageiros buscaram outras formas de transporte. Na Grande São Paulo, por exemplo, o total de viagens motorizadas feitas de modo individual, como de carro e moto, representou 51,2% do total em 2024, segundo dados da pesquisa Origem e Destino do Metrô. Em 2017, os modos coletivos eram a maioria, com 54,1% das viagens. 

Nos últimos anos, houve também avanço do uso de aplicativos de transporte e do serviço de mototáxi. Embora barrado na cidade de São Paulo, ele está disponível na Grande São Paulo e em algumas capitais do país. Corridas curtas podem ter valor próximo ao da tarifa de transporte público.

“Sabemos que uma parcela das pessoas, normalmente as de renda mais elevada, opta pelo automóvel em razão do conforto. Outra parcela migrou para as motocicletas em razão do tempo de viagem", disse Edmundo Carvalho Pinheiro, novo presidente do Conselho Diretor da NTU.

"Outro dado curioso é a perda de atratividade dos ônibus nas viagens de curta distância, de até 5km, nas quais o transporte por aplicativo consegue ter preço acessível”, afirma.

O aumento do uso de transporte individual motorizado traz problemas para as cidades, como piora do trânsito e da poluição. A construção de novas avenidas e vagas de estacionamento é dificultada pela falta de espaço nas cidades e, ao mesmo tempo, é apontada por especialistas como uma saída inócua.

Novas vias estimulam mais gente a ir de carro, o que faz o trânsito subir novamente. Foi o que aconteceu na Marginal Tietê, em São Paulo. Elas ganharam pistas extras em 2010, mas voltaram a ficar lotadas poucos meses depois.

Novas saídas

Preocupadas com a queda de público, as empresas de transporte lançaram há algumas semanas um plano para tentar atrair os passageiros de volta ao sistema. A proposta inclui renovar e modernizar a frota de ônibus, com a compra de veículos mais confortáveis e silenciosos, além de adquirir novos sistemas e tecnologias para agilizar a operação. 

“Nossa missão é tornar o transporte público mais atraente, competitivo e capaz de enfrentar os desafios das cidades do século 21. Isso passa por modernização constante, por qualidade que se sente no dia a dia e por um salto real de eficiência em toda operação”, diz Pinheiro.

“Quem migrou para o transporte individual não volta com discurso, volta com entrega, em forma de conforto, segurança, confiabilidade e tarifa justa”, afirmou.

O Brasil vem avançando nos últimos meses na troca de frota para veículos elétricos, que são mais silenciosos e menos poluentes. Como mostrou a EXAME, São Paulo vem liderando este processo, com alguns entraves no caminho, especialmente nas dificuldades para obter energia elétrica em quantidade suficiente nas garagens.

Como pagar as contas

Para comprar novos ônibus e sistemas, é preciso de investimentos altos. Um ônibus novo, de tamanho padrão e movido a diesel, custa em torno de R$ 800 mil. Um elétrico pode custar até três vezes mais. As empresas defendem que os governos invistam mais no setor e, ao mesmo tempo, elaborem contratos com maior segurança jurídica.

O setor defende, há anos, que haja duas tarifas: uma paga pelo usuário e outra a ser recebida pelas empresas, que cubra os custos do sistema. Assim, por exemplo, o usuário pode pagar R$ 5, mas a empresa receber R$ 6 por passageiro levado, ao comprovar que cada viagem custou na prática R$ 6. O modelo é adotado por São Paulo, mas pode significar gerar gastos públicos elevados. A capital paulista gastou R$ 6,7 bilhões em subsídios com os ônibus em 2024. 

Em muitas cidades, as empresas são remuneradas apenas com o que arrecadam nas catracas. Assim, quedas bruscas de demanda geram um rombo no caixa e dificultam investimentos. O cenário de receita incerta também dificulta o acesso a financiamento.

“Em razão do desequilíbrio econômico-financeiro dos contratos de concessão em diversas cidades, muitas das empresas tiveram seu crédito corporativo restringido”, diz Pinheiro. 

Ele diz que a dificuldade de crédito faz com que as empresas tenham dificuldade para aproveitar linhas de financiamento públicas, como as ofertadas pelo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), que destinou R$ 8,4 bilhões para a renovação de frota e melhorias no sistema, como a construção de corredores e faixas exclusivas.

Exemplos do Centro-Oeste

Para a NTU, duas cidades se destacaram nos últimos anos na melhora do serviço, que trouxe mais passageiros: Brasília e Goiânia.

A capital do país transporta hoje 108% do total de pessoas que levava antes da pandemia. São mais de 1,1 milhão de pessoas por dia, que viajam em uma frota com idade média de 2,1 anos, uma das mais baixas do país.

Para isso, o governo do DF investiu R$ 914 milhões em subsídios em 2024, o que representou 74% do custo total do sistema. As tarifas ao público estão congeladas desde 2020, e variam de R$ 2,70 a R$ 5,50.

Em Goiânia, o prefeito Sandro Mabel decidiu repaginar o sistema de ônibus urbanos e avançar no que chama de "metrônização": tornar a rede de coletivos o mais próxima possível do metrô.

Para isso, o governo local tem investido em renovação de frota, como a renovação da frota de 1.200 ônibus, a reforma de 7.000 paradas e novos sistemas. Um deles permite aos ônibus ter preferência nos semáforos e ganhar tempo. 

"Quem controla o centro de operações de todo o sistema de semáforos são as empresas de ônibus", diz Mabel.

"Fazer uma nova linha de metrô de 6 km vai demorar não sei quantos anos. Em 30 ou 60 dias, eu metrônizo uma linha dessas", afirma o prefeito. Ele explica que os recursos para as obras vêm do caixa da prefeitura de Goiânia, das cidades vizinhas e também do governo de Goiás, em exemplo de como a união de forças pode trazer rápidos para a realidade do transporte nas ruas. 

*O repórter viajou a convite da NTU.

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