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Fraudes põem em risco aposentadoria de servidores de 200 cidades

Ao longo dos últimos cinco anos, a PF conseguiu mapear o modelo de ação do esquema, que envolve gestoras financeiras e, às vezes, a própria prefeitura

PF: investigações vêm sendo realizadas pelos agentes desde 2013 (Vagner Rosário/VEJA)

PF: investigações vêm sendo realizadas pelos agentes desde 2013 (Vagner Rosário/VEJA)

EC

Estadão Conteúdo

Publicado em 7 de maio de 2018 às 08h22.

São Paulo - A aposentadoria de servidores de até 200 municípios brasileiros pode estar em risco. A estimativa é do próprio Ministério da Previdência, a partir de investigações que vêm sendo realizadas pela Polícia Federal desde 2013.

Somente a mais recente operação da PF relacionada ao tema - a Encilhamento, deflagrada no último mês de abril - identificou irregularidades em 28 institutos de Previdência de Estados e municípios.

Ao longo dos últimos cinco anos, a PF conseguiu mapear o modelo de ação do esquema, que envolve gestoras financeiras e, em certos casos, as próprias prefeituras.

As investigações se referem aos regimes próprios de Previdência municipais, que são chamados de RPPS. Dos 5.570 municípios brasileiros, 2.089 mantêm esses programas de aposentadoria. Cada cidade nomeia um administrador para buscar a melhor forma de investir o dinheiro do servidor.

Nas prefeituras envolvidas em fraudes, os valores são repassados a empresas de fachada, que investem em títulos podres. O administrador, em troca de comissão, esconde a real situação do investimento (leia quadro acima).

O município mineiro de Uberlândia é o caso mais emblemático entre os apurados pela PF. Dos cerca de R$ 760 milhões do fundo da cidade, R$ 360 milhões estariam em risco, segundo o vereador Juliano Modesto, relator da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) criada para investigar o caso. "O servidor, infelizmente, vai ter de aumentar a contribuição."

Mas a cidade não está sozinha: Paulínia (SP) pode ter perdido R$ 192,3 milhões e Campos de Goytacazes (RJ), R$ 118 milhões, segundo dados da PF.

O subsecretário dos Regimes Próprios de Previdência Social do Ministério da Previdência, Narlon Gutierre, disse que os RPPS concentram hoje um total R$ 254 bilhões. Deste valor, cerca de R$ 140 bilhões estão investidos em aplicações de renda fixa - o alvo das fraudes.

Fontes próximas às investigações dizem que cerca de R$ 15 bilhões das aplicações em renda fixa podem estar hoje em títulos podres. O ministério não confirma o dado, mas Gutierre estima que entre 100 e 200 municípios estão envolvidos em fraudes. A estimativa é baseada nas apurações da PF e em auditorias do próprio governo.

Além da Encilhamento, as operações Fundo Perdido, Miqueias, Imprevidência e Naum também detectaram fraudes na Previdência de Estados e municípios. A PF não comenta.

Alerta

Alvo de investigação da Polícia Federal, as fraudes afetam municípios como Uberlândia (MG), Paulínia (SP) e Campos dos Goytacazes (RJ). Gilmar Machado, ex-prefeito da cidade mineira, chegou a ser preso na esteira da operação Encilhamento, deflagrada pela PF em abril.

Pegos de surpresa, servidores afetados temem ser obrigados a ampliar contribuições para ter o acesso ao benefício que consideravam garantido. Nessa situação está José Santos, 46 anos, que trabalha há 23 anos na prefeitura de Uberlândia. Ele soube pelos jornais que o fundo de pensão que contribui está envolvido em fraude.

"Essa história de investimento podre me preocupou. Foi um choque", disse. Com renda mensal de R$ 8 mil, Santos espera que a situação se reverta e não tenha que aumentar a contribuição, de 11% do seu salário.

Também de Uberlândia, a educadora Cláudia Nunes, 36 anos, trabalha para evitar perdas. "Mobilizei um grupo e cobramos dos vereadores uma solução. A CPI (aberta na Câmara de Vereadores de Uberlândia) comprovou que havia irregularidades. Quero ver o que vai dar."

Esquema

Na Operação Encilhamento, a Polícia Federal identificou que fundos de investimento foram criados para desviar recursos de previdências de municípios e Estados. Foram identificados administradores, gestores e intermediadores que convenciam os institutos de Previdência a investir em empresas de fachada ou à beira da recuperação judicial - apostas com grande chance de calote.

A PF identificou oito fundos com essas características, além de listar 13 instituições que faziam a gestão e a administração das carteiras - como Gradual, Bridge e FMD. Essas empresas se revezavam nos papéis de gestor e fiscalizador do dinheiro - dessa forma, as práticas fraudulentas eram facilitadas.

Em alguns casos, os gestores dos fundos de Previdência nos municípios são suspeitos de participar do esquema. Em outros, de ter entregado os recursos por incapacidade de avaliar a qualidade das aplicações.

A Encilhamento aponta movimentação de, no mínimo, R$ 1,3 bilhão em títulos podres. Mas perdas das instituições de Previdência podem ultrapassar R$ 15 bilhões, conforme dados de outras operações realizadas desde 2013 pela PF, apurou a reportagem.

Casos

Um dos casos investigados é o da relação entre as gestoras Incentivo e Gradual. Fontes próximas às investigações disseram que a Incentivo teria denunciado à PF que, sem seu conhecimento, a Gradual teria investido R$ 10 milhões de um de seus fundos com recursos previdenciários municipais na ITS@, empresa do marido da dona da Gradual, Fernanda de Lima.

A Incentivo teria dito que, além do conflito de interesses, a ITS@ era inativa e tinha o mesmo endereço da Gradual. A suspeita da PF é que a Gradual tenha usado o dinheiro para maquiar prejuízos de sua atividade de corretagem.

Operação semelhante envolveu a capitalização da ATG, empresa que pretendia lançar uma nova bolsa no Brasil, rival da B3, que nunca saiu do papel. A ATG foi criada por Arthur Machado, sócio da Bridge Investimentos, também apontada pela PF como parte no esquema para lesar previdências municipais.

O outro sócio da Bridge é José Carlos Oliveira, que comandou o BNY Mellon no Brasil por 15 anos, até 2013, quando foi desligado pelo banco. Machado e Oliveira já foram detidos em outras operações da PF relacionadas a fundos de pensão.

A Gradual, segundo as investigações, também teria usado dinheiro de aposentadorias para pagar uma dívida com a Bridge. Em 2015, a Bridge anunciou a compra da Gradual, mas desistiu do negócio. A Encilhamento aponta ainda que outra empresa possivelmente ligada à Gradual, a OAK, seria o novo nome da Solo, que cuidava do FIP Viaja Brasil, do doleiro Alberto Youssef, pivô da Lava Jato.

Ao identificar uma repetição dos atores envolvidos, a PF passou a apurar uma rede de desvio de recursos. E concluiu que a figura central, que faz a ponte entre os municípios e os gestores, seria Renato DeMatteo, hoje foragido. Ele é dono da gestora FMD, que chegou a gerir R$ 590 milhões em recursos dos RPPS. As investigações apontam que ele tinha contatos para acessar os responsáveis pelas aposentadorias de municípios e convencê-los a fazer investimentos arriscados.

Defesas

A Gradual não quis dar entrevista. Fontes próximas à empresa, porém, dizem que a Incentivo concordou com a compra das debêntures da ITS@, mas teria pedido comissão em troca, que ela teria se recusado a pagar.

Procurada, a Incentivo não quis comentar, pois as investigações sobre o pedido de inquérito feito por ela em 2016 estão em curso. A PF deve investigar todas as acusações, apurou a reportagem, embora a Encilhamento não tenha apontado irregularidades da Incentivo. A Bridge não quis se manifestar. A defesa de Machado nega as acusações. Renato de Matteo não foi encontrado. A PF não deu entrevista.

Em nota, Gilmar Machado, ex-prefeito de Uberlândia, disse que todas as aplicações foram feitas pelo gestor da época e fiscalizadas pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM). As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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