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Fraude em compra de respiradores racha governo de SC: "não há confiança"

Em carta aberta, vice-governadora, Daniela Reinehr, escreve que jamais teria aceitado formar chapa com Carlos Moisés se duvidasse de seu comprometimento

Reinehr e Moisés: relação entre vice e governador está abalada desde o início, mas se intensificou com investigação de corrupção (Julio Cavalheiro/SECOM/Divulgação)

Reinehr e Moisés: relação entre vice e governador está abalada desde o início, mas se intensificou com investigação de corrupção (Julio Cavalheiro/SECOM/Divulgação)

CC

Clara Cerioni

Publicado em 26 de junho de 2020 às 12h18.

Última atualização em 26 de junho de 2020 às 12h36.

Após a abertura de uma investigação por irregularidades na compra de respiradores envolvendo o governador de Santa Catariana, Carlos Moisés (PSL), a vice-governadora, Daniela Reinehr (ex-PSL, agora sem partido), divulgou nesta semana uma carta aberta de cinco páginas questionando a gestão do governador.

Com tom de ruptura, Reinehr escreveu que "não há mais confiança" entre os dois e que eles não são mais "uma dupla". "Tenha a certeza, senhor governador, que eu jamais teria aceitado formar chapa consigo, se pairasse em mim qualquer dúvida a seu respeito ou ao seu comprometimento com as pautas que venho defendendo ostensivamente há mais de oito anos".

"Gostaria de lembrar-lhe que, ao ser convidada a compor a chapa como Vice-governadora, fui bem clara quanto ao meu compromisso com a verdade, com a transparência e com cada uma das pessoas, cidadãos de bem e direito, que votariam em nós", continuou.

Desde abril, o Ministério Público de Santa Catarina, Tribunal de Contas do Estado e Polícia Civil investigam a compra de 200 respiradores por 33 milhões de reais, sem licitação, com a empresa Veigamed.

A aquisição foi feita em questão de horas e o pagamento foi efetuado antes da entrega dos equipamentos (até o momento, 50 chegaram). Cada aparelho custou R$ 165 mil — valor muito acima dos preços praticados pela união e pelos outros estados, que variam de R$ 60 mil a R$ 100 mil.

Na primeira fase das investigações, um dos principais alvos foi Douglas Borba, que era secretário da Casa Civil no estado. Depois das denúncias, o governador Carlos Moises (PSL) exonerou Borba e o secretário da Saúde, Helton Zeferino. Dias depois, o ex-secretário da Casa Civil foi preso pela força-tarefa.

Para o Ministério Público, além dos ex-secretários, o governador Carlos Moisés também teria participado do esquema.

Na segunda-feira, 22, o juiz Elleston Canali, da Vara Criminal de Florianópolis, enviou ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) os autos da Operação Oxigênio, que mira a contratação dos respiradores, por causa do foro privilegiado do governador.

Ao pedir o envio do caso para o STJ, o MP apontou que o próprio Carlos Moisés informou secretários e assessores após o caso ser revelado. "A SES (Secretaria de Estado de Saúde) vai precisar falar sobre o assunto", escreveu, no dia 28 de abril, em um grupo de WhatsApp.

Em seguida, o secretário da Administração Jorge Eduardo Tasca questionou se houve de fato, pagamento antecipado dos equipamentos. O então chefe da Casa Civil, Douglas Borba, respondeu que sim, mas pediu a 'discrição' dos colegas sobre o tema.

O governador Carlos Moises ainda enfrenta uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) na Assembleia Legislativa do estado, com o objetivo de apurar o caso. A abertura do processo contou com votos favoráveis inclusive dos deputados do próprio partido de Moises, o PSL.

Desentendimentos antigos

De acordo com Reinehr, a investigação foi a gota d'água para a relação dos dois, mas desde o início do governo a parceria já estava abalada. "Houve, de sua parte, logo após a eleição, uma evidente mudança de postura e de alinhamentos", afirmou a vice na carta.

Ela questionou, ainda, sobre os motivos que fizeram Moisés se afastar do presidente Jair Bolsonaro, a quem no pleito eleitoral de 2018 era aliado. "Pela primeira vez, Santa Catarina teve a oportunidade de estar em consonância com o governo federal, e esta foi descartada por Vossa Excelência", afirmou.

Além da questão com o governo federal, a vice-governadora citou uma série de situações que, segundo ela, não condizem com o alinhamento que tiveram nas eleições. "A sua incapacidade de sentir gratidão e de gerar empatia, atributos fundamentais a quem possui nobreza de espírito, é apenas uma delas", sustentou.

Ela citou que a confiança dela com Moisés terminou quando ele decidiu aumentar impostos para insumos agrícolas, incluindo os defensivos conhecidos como agrotóxicos. Na época, ele justificou a medida por questões de saúde: "qualquer pessoa que raciocine um pouco, que saia do padrão mediano, vai entender que não se pode incentivar o uso”, disse ele.

Reinehr, no entanto, não dá sinais de que pode deixar o governo. " Recuperar o vigor da nossa gente querida e dar continuidade à missão assumida será minha prioridade. Nosso Estado voltará a ser visto corno REALMENTE É e MERECE".

Leia na íntegra a carta da vice-governadora de Santa Catarina

"Senhor Governador,

Diante da decepção e da perplexidade da população catarinense com os fatos investigados pela Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) e pelo Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (GAECO), sinto-me compelida a externar meus pensamentos e alguns sentimentos. Faço isso em respeito ao Estado de Santa Catarina e aos princípios que norteiam a mim e ao nosso povo.

No processo eleitoral de 2018, o povo deixou uma clara mensagem de insatisfação e desejo de mudança à classe e ao sistema político nacional e estadual. A angústia de milhões de pessoas, que assistiram incrédulas à desestruturação dos pilares que sustentam uma Nação, estava escancarada.

A inversão dos valores morais e éticos, a destruição das famílias, a falta de liberdade econômica, a deturpação da educação, o desrespeito às religiões e a corrupção institucionalizada são apenas alguns exemplos de tudo que os cidadãos rechaçavam e clamavam pelo fim.

Os eleitores catarinenses demonstraram isso nas urnas que elegeram Vossa Excelência e eu, por sermos adeptos a esse movimento de mudança, por estarmos alinhados com as pautas e propostas conservadoras nos costumes, liberais na economia e no combate à corrupção. Elegeram-nos por acreditarmos em valores como honestidade, família, religião e livre economia. Elegeram-nos por sermos e por serem, contrários a todas as práticas desonestas que aconteceram Brasil afora.

Houve, de sua parte, logo após a eleição, uma evidente mudança de postura e de alinhamentos. Até hoje não foram explicados ao povo catarinense os motivos de seu afastamento do Presidente da República, Jair Messias Bolsonaro. a quem a nossa sociedade depositou 75,92% dos votos. Nos apresentamos aos catarinenses alinhados com a proposta do então candidato Jair Bolsonaro e como seus representantes. Pela primeira vez, Santa Catarina teve a oportunidade de estar em consonância com o governo federal, e esta foi descartada por Vossa Excelência.

Talvez seja preciso lembrá-lo que há pouco mais de um ano éramos completos desconhecidos. Vossa Excelência, um oficial da reserva remunerada do Corpo de Bombeiros Militar do Estado, e eu, uma advogada e produtora rural. Galgamos os cargos que hoje ocupamos por acreditarem naquilo que mostrávamos ser; por acreditarem que existia um único candidato do Bolsonaro em nosso Estado; e por acreditarem num projeto conjunto entre Santa Catarina e o Governo Federal. Projeto este que sustentou nossa vitória e contra o qual, agora, Vossa Excelência injustificadamente se coloca. Somos representantes eleitos pelo povo catarinense, temos o dever de cumprir o nosso plano de governo, os nossos compromissos de campanha e agregar esforços com todos os catarinenses que querem o melhor para nosso Estado.

Minha conduta, senhor Governador, sempre foi pautada por minhas convicções e pelo empenho da palavra. Cumpro meu dever sem esperar qualquer reconhecimento, inclusive de Vossa Excelência.

Durante este curto período de governo, inúmeras situações causaram-me perplexidade. A sua incapacidade de sentir gratidão e de gerar empatia, atributos fundamentais a quem possui nobreza de espírito, é apenas uma delas. Encetado o nosso mandato, presenciei pessoas serem literalmente descartadas por Vossa Excelência; pessoas que abnegadamente dedicaram-se ao pleito, algumas de extrema competência técnica, de reconhecida dedicação e que contribuíram decisivamente durante o período de transição ou assim que iniciada a “sua gestão” governamental.

Aliás, também senti na pele tamanha desconsideração! “A Mulher do Oeste, muito proativa”, foi imediatamente descartada; seja por me opor a algumas decisões logo no início do governo, seja por já ter cumprido o papel de contribuir a sua vitória eleitoral.

A missão que nos foi concedida é das mais nobres e, por tal razão, devemos honrá-la. Sem enumerar cada um dos descasos para com os diversos setores do Estado, o que classifico como um “desserviço”, fomos recentemente surpreendidos, o povo catarinense e eu, com vários pedidos de impeachment, notícias de acusações de crimes escabrosos, horrendos, eu diria. Crimes estes que não respeitam sequer a situação de pandemia que estamos vivendo.

Somente agora consigo identificar o motivo pelo qual Vossa Excelência me excluía de discussões de relevância para o Estado. Minha presença foi reprimida e, como pretexto, atos mirabolantes e constrangedores emergiram do seu governo. Cito novamente um exemplo, certa vez, no início de uma reunião, de pauta relevante, na qual fui desconvidada por uma suposta “insuficiência de cadeiras”, sem que houvesse qualquer motivo aparente para essa total falta de cortesia, ética e profissionalismo. Um completo descaso não somente a mim, mas às pessoas daquela reunião, aos catarinenses que represento, mulheres, agricultores, ao eleitor que elegeu também a mim e ao povo de Santa Catarina. Espero que o senhor lembre desse injustificado episódio, ocorrido logo nos primeiros dias de sua gestão.

De todo modo, mantenho inabaláveis os meus propósitos, os meus princípios e, sobretudo, a minha lealdade ilibada com o povo catarinense, pois não participei de qualquer dos atos que estão sendo apontados. Persisto utilizando as vias que me restam, para intervir a favor da população de Santa Catarina.

Tenha a certeza, senhor Governador, que eu jamais teria aceitado formar chapa consigo, se pairasse em mim qualquer dúvida a seu respeito ou ao seu comprometimento com as pautas que venho defendendo ostensivamente há mais de oito anos. São essas pautas que me encorajaram a ir para as ruas, a lutar pela mudança tão almejada pelos brasileiros, e que defenderei enquanto Deus me der forças e a graça da vida!

Gostaria de lembrar-lhe que, ao ser convidada a compor a chapa como Vice-governadora, fui bem clara quanto ao meu compromisso com a verdade, com a transparência e com cada uma das pessoas, cidadãos de bem e direito, que votariam em nós. Vossa Excelência conhece as minhas origens e o quanto me sinto representante de toda a classe produtiva agrícola e empresarial, pois é daí que empregos são gerados, tornando possível o sustento da nossa população, e levando nossos produtos aos mercados mais exigentes do mundo, o que muito me orgulha!

Lamento que vossa gestão tenha chegado a este ponto e que Santa Catarina esteja sofrendo tanto pelas notícias de falta de ética e de moral! Não há mais confiança, não somos mais uma dupla! Pelo contrário, Vossa Excelência desfez a chapa tão logo sentiu-se eleito, colocando-se como único representante à frente do governo estadual e trazendo para vosso entorno, o malfadado destino a que chegamos. Minhas ações, no entanto, sempre serão pelo bem e pelo pleno desenvolvimento do nosso Estado e do nosso País. Ainda que na condição de vice-governadora, não medirei esforços para estabelecer e executar, com urgência, um planejamento para a recuperação econômica de Santa Catarina. Evidentemente, farei isso com o apoio de todas as forças producentes, ávidas por serem ouvidas e também valorizadas.

Honro o exemplo que trago das minhas origens, que fortalece as minhas convicções e os meus valores. Sou de uma região que por falta de atenção, aprendeu a reinventar-se e a criar um meio de crescer por seus próprios méritos, sem deixar-se abater. Com base no cooperativismo, na união de esforços e talentos, desenvolveu-se tornando-se o que hoje é um modelo a ser seguido, aplaudido e elogiado nacional e internacionalmente. Acredito que esse exemplo deve ser implantado em todos os setores, inclusive na política. Essa é a mensagem que sempre quis deixar quando eu lhe falava em união de esforços em prol de nosso Estado. Por perceber que Vossa Excelência está distante e desconectado com essas mesmas convicções e valores; por poder, ainda que sem dolo ou meu consentimento, responder por atos com os quais não concordo e não participo; e pela impossibilidade em ver um gesto que retome as máximas que defendemos na campanha, não há como reiterar a confiança em Vossa Excelência antes depositada.

Confiança esta que já havia sido abalada quando me posicionei nas discussões sobre os defensivos agrícolas, quando ouvi todo o setor produtivo, os técnicos e o agronegócio, buscando o equilíbrio, quando Vossa Excelência, por desconhecer a importância e a responsabilidade do agronegócio, tomou atitudes equivocadas e eu, independentemente de seu apoio, empreendi as ações necessárias para defender um setor tão importante da nossa economia.

Também firmei posição quando, espantada, assisti o afastamento das pautas de liberdade econômica que tínhamos como norte, onde injustamente, fez os bons pagarem pelos maus, fatos que até hoje ainda repercutem negativamente com o setor produtivo e na nossa economia, assim como manifestei minha total reprovação ao hospital de campanha milionário, que seria executado por vossa gestão, se eu não houvesse levado o caso a público.

Poderia escrever-lhe muito mais, entretanto, apenas rogo que seja dada a Santa Catarina a oportunidade de voltar a ser um Estado pujante, pois é cheio de talentos e oportunidades. Recuperar o vigor da nossa gente querida e dar continuidade à missão assumida será minha prioridade. Nosso Estado voltará a ser visto corno REALMENTE É e MERECE!

Cada respirador feito por catarinense me emociona, mas choro mesmo ao pensar que 33 milhões de reais poderiam salvar tantas vidas.

Daniela Reinehr
Vice-governadora do Estado de Santa Catarina”

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