Delivery: 80% da força de trabalho informal do mundo foi afetada durante a pandemia (Leandro Fonseca/Exame)
Redação Exame
Publicado em 5 de novembro de 2025 às 06h00.
O Brasil tem mostrado francos sinais de recuperação no mercado de trabalho, alcançando taxas de desemprego próximas às mínimas históricas registradas em 2012. No entanto, enquanto avançamos na geração de empregos, a informalidade permanece resistente e robusta, revelando desafios antigos e novos.
Atualmente cerca de 40 milhões de brasileiros ocupam empregos informais, e esse fenômeno constitui um dos principais obstáculos ao pleno funcionamento do mercado de trabalho no país. Após uma queda significativa entre os anos 1990 e meados da década de 2010, a informalidade oscilou, mas permaneceu em níveis consideravelmente superiores aos de países desenvolvidos, atingindo atualmente cerca de 38% do total de ocupados.
Esse quadro de informalidade tem diversos efeitos adversos: restringe o acesso dos trabalhadores à proteção da seguridade social e a uma maior previsibilidade de renda, além de impossibilitar a oferta de trabalho decente. Em uma perspectiva mais ampla, a informalidade compromete diretamente a produtividade da economia; empresas informais têm maior dificuldade de acessar crédito, investem menos na qualificação de seus trabalhadores e enfrentam altas taxas de rotatividade, fatores que limitam o acúmulo de capital humano e mantêm níveis baixos de eficiência.
Assim, é possível compreender como a informalidade perpétua um ciclo vicioso: firmas contratam sem registro para fugir dos encargos trabalhistas, especialmente quando avaliam que o retorno produtivo da formalização é baixo, mas o resultado é uma economia menos eficiente. Ou seja, os efeitos da informalidade vão desde o âmbito individual até uma escala econômica mais ampla, na qual toda a sociedade sai perdendo, conforme mostra o livro O futuro do Brasil, organizado por Fabio Giambiagi.
Frente a esse cenário, o emprego informal surge como a única alternativa diante da exclusão do mercado formal. De fato, a informalidade pode inclusive funcionar como uma válvula de escape em tempos de crise econômica, com desemprego elevado, proporcionando alguma fonte de renda nesses períodos.
Por outro lado, o trabalho informal também surge como uma alternativa que oferece flexibilidade para quem precisa conciliar diversas responsabilidades, como o cuidado com filhos. Independentemente das razões, os efeitos adversos estão evidentes, tornando urgente compreender quais fatores influenciam o acesso ao mercado formal e como políticas públicas podem atuar para reduzir essas restrições.
Em um país onde ainda não está claro para muitos se vale a pena se formalizar, tanto empresas quanto trabalhadores acabam presos em um ciclo de baixa produtividade. Para mudar isso, não basta fazer campanhas pedindo que todos se regularizem. Um estudo dos pesquisadores Daniel Haanwinckel e Rodrigo Soares mostra que, entre 2003 e 2012, o que mais contribuiu para o aumento da formalização no Brasil foi o avanço da educação.
Pessoas com mais anos de estudo, que também entendem melhor seus direitos e deveres, são absorvidos por firmas maiores e mais produtivas, que operam no setor formal devido aos custos crescentes da informalidade relacionados ao com o tamanho da empresa. Tal constatação reforça a importância de investir em educação básica e técnica como parte central de qualquer política para reduzir a informalidade. Além disso, é preciso mostrar com mais clareza as vantagens de estar formalizado, simplificar os processos de registro e garantir uma fiscalização eficiente, que ajude a combater fraudes e torne a regra do jogo mais justa para todos.
Assim, para entender melhor a dinâmica da informalidade e as políticas para enfrentá-la, recentemente lançamos uma publicação que traz evidências globais sobre as políticas relacionadas ao mercado de trabalho e seus impactos aqui no Brasil.
Outro grupo relevante para a discussão da formalização são os microempreendedores no mercado informal. O regime do microempreendedor individual (MEI) foi criado justamente para facilitar a legalização desses negócios, oferecendo benefícios como auxílio-doença, auxílio-maternidade, aposentadoria e maior acesso a linhas de crédito ao emitir notas fiscais e realizar transações comerciais formais. Contudo, no Brasil, ainda mais da metade dos MEIs apresenta inadimplência, segundo o Ipea.
Essa desconexão entre as promessas do programa e a experiência dos empreendedores já foi constatada em outros países, como na Índia, onde um estudo de 2018 mostrou que, mesmo com incentivos financeiros, muitos empreendedores resistem à formalização por não perceberem vantagens concretas. Esses casos indicam a necessidade de reforçar as vantagens da formalidade, demonstrando de forma clara os benefícios que ela oferece ao empreendedor individual.
Para romper com o ciclo da informalidade, é fundamental reconhecer que ela não é apenas uma escolha individual, mas um sintoma de um mercado de trabalho com estruturas institucionais complexas. A solução está na implementação de reformas que tornem a formalização mais acessível e atrativa, reduzindo entraves burocráticos e fortalecendo os mecanismos de proteção social.
É necessário um redesenho institucional que demonstre de forma concreta os benefícios de estar na legalidade. Somente assim poderemos construir um mercado de trabalho mais justo, produtivo e sustentável, garantindo melhores condições de vida para toda a população e promovendo o crescimento econômico do país.
André Mancha – É professor-assistente na FEA-USP, doutor em Economia pelo Insper, mestre em Economia pela EESP-FGV e coautor da série de publicações sobre Mercado de Trabalho da JOI Brasil – iniciativa da J-PAL LAC.
Livia Gouvêa Gomes - Especialista da Divisão de Proteção Social e Mercado de Trabalho do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) no Brasil. Doutora em Economia pela PUC-Rio e coautora da série de publicações sobre Mercado de Trabalho da JOI Brasil – iniciativa da J-PAL LAC.