Brasil

Flexibilizar posse de arma pode deixar mulheres mais vulneráveis em casa

Entre 2016 e 2017, 66% dos casos de morte de mulheres em São Paulo aconteceram na residência da vítima, segundo estudo do Ministério Público

Protesto contra feminicídio (Cris Faga/Getty Images)

Protesto contra feminicídio (Cris Faga/Getty Images)

CC

Clara Cerioni

Publicado em 19 de janeiro de 2019 às 08h00.

Última atualização em 7 de março de 2019 às 15h29.

São Paulo — No Brasil, o lugar mais perigoso para uma mulher não são ruas ou becos escuros, mas suas próprias casas. É entre quatro paredes que acontece a maior parte dos casos de feminicídio registrados no país.

Essa infeliz realidade é comprovada por inúmeras pesquisas. Entre 2016 e 2017, 66% dos casos de morte de mulheres em São Paulo aconteceram na residência da vítima, segundo o estudo "Raio-x do Feminicídio em São Paulo", do Ministério Público.

Outro levantamento, da Central de Atendimento à Mulher, revelou que 72% das denúncias de agressão feitas via Disque 180 durante o ano de 2015, acusavam os homens com quem as vítimas mantinham ou mantiveram relação afetiva.

Mais um dado, do Instituto Sou da Paz, de 2016, mostra que 40% das vítimas mortas em domicílio naquele ano foram executadas por uma arma de fogo, mesmo com o Estatuto do Desarmamento, que limita a posse de armas dos brasileiros.

Nesta semana, a situação mudou: na terça-feira (15), o presidente Jair Bolsonaro assinou um decreto que flexibilizou o Estatuto e liberou a posse de até quatro armas de fogo para todos os estados do Brasil dispensando a comprovação de "efetiva necessidade".

As estatísticas e a decisão do governo federal geram dúvidas sobre como serão os próximos anos para as brasileiras que vivem no quinto país que mais mata mulheres do mundo, segundo a Organização Mundial da Saúde.

"De agora em diante? Precisaremos de atenção redobrada. Já vivemos em um lugar em que falta compromisso público para defender as mulheres de seus agressores. Com a liberação das armas, essa realidade vai aumentar", afirma Maria da Penha, em entrevista a EXAME.

Vítima de dupla tentativa de feminicídio, que a deixou paraplégica após levar um tiro nas costas enquanto dormia, Maria da Penha lutou na justiça por mais de 20 anos.

A Lei Maria da Penha veio em 2006 como uma "homenagem" do governo brasileiro por todo o tempo que esperou. "A mulher luta muito pela vida e o que ela quer é que o agressor a trate com consideração e que haja respeito", completa.

O decreto assinado pelo presidente sensibilizou as mulheres nas redes sociais. Por meio da #SeEleEstivesseArmado, elas relataram casos de agressão que poderiam ter terminado em tragédia se houvesse uma arma à disposição.

Para a advogada Ana Paula Braga, especialista em direito das mulheres do escritório Braga & Ruzzi, cometer um feminicídio com arma branca é mais difícil — por isso que apenas 7% dos casos nessa categoria resultam em morte, contra 60% nos casos com arma de fogo.

"Para você cometer um assassinato com uma faca, por exemplo, a pessoa tem que ser fria, estar próxima da mulher. Já com uma arma de fogo, a atitude pode ser impensada e letal, na maioria dos casos", explica.

Auto defesa

Um dos argumentos usados pelos apoiadores da flexibilização da posse de armas é o de que as mulheres também vão se beneficiar com isso.

"Em breve, a mulherada do meu país andará em cima do salto e com sua arma para se defender de estupradores", justifica a deputada federal Joice Hasselman. 

Especialistas, no entanto, discordam dessa suposição. Stephanie Morin, gerente de Gestão do Conhecimento do Instituto Sou da Paz, explica que o debate sobre a flexibilização sempre foi e continua sendo protagonizado por homens.

"Eles não perguntam nossa opinião. A maioria das mulheres vítimas de agressão doméstica são dependentes financeiramente e emocionalmente de seus parceiros. Elas não vão desembolsar 4 mil reais ao invés de colocar comida na mesa", explica.

Como evitar ser vítima

Maria da Penha diz que as mulheres precisam entender que o feminicídio é um resultado de um ciclo de violência, por isso elas precisam, antes de mais nada, reconhecer que sofrem agressões.

"É preciso buscar um centro de referência da mulher para discutir o relacionamento e ser orientada sobre o que fazer", diz.

Valéria Scarance, coordenadora do Núcleo de Gênero do MPSP, defende uma postura mais rígida por parte das autoridades. "Diante do menor sinal de risco, a arma deve ser apreendida imediatamente. Não se pode deixar que o pior aconteça por falta de atenção do poder público", diz.

Acompanhe tudo sobre:ArmasFeminicídiosMulheres

Mais de Brasil

Banco Central comunica vazamento de dados de 150 chaves Pix cadastradas na Shopee

Poluição do ar em Brasília cresceu 350 vezes durante incêndio

Bruno Reis tem 63,3% e Geraldo Júnior, 10,7%, em Salvador, aponta pesquisa Futura

Em meio a concessões e de olho em receita, CPTM vai oferecer serviços para empresas