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Fizemos cidades perfeitas para o Aedes, diz chefe da Abrasco

Fazer faxina semanal em casa, como Dilma pediu na segunda, é necessário, mas não é suficiente para combater avanço da zika e da dengue

Agente aplica inseticida contra Aedes  em bairro de Porto Alegre (RS): inseticidas e brasileiros cuidando do jardim não vão estancar surto de dengue (Cristine Rochol/ PMPA)

Agente aplica inseticida contra Aedes em bairro de Porto Alegre (RS): inseticidas e brasileiros cuidando do jardim não vão estancar surto de dengue (Cristine Rochol/ PMPA)

Talita Abrantes

Talita Abrantes

Publicado em 24 de fevereiro de 2016 às 06h00.

São Paulo – Nesta segunda-feira, enquanto o universo político estremecia diante do mandado de prisão contra o marqueteiro do PT, a presidente Dilma Rousseff clamava para que todos brasileiros e brasileiras fizessem faxina.

Sim. Uma faxina de exatos (e parcos) 15 minutos para eliminar possíveis criadouros do mosquito Aedes aegypti, responsável pela transmissão do vírus da dengue, zika e chikungunya.

O pedido da presidente está correto.

De fato, a única saída para estancar a expansão da dengue, que infectou mais de 1,6 milhão de brasileiros em 2015, e da zika, que pode estar ligada a cerca de 5 mil casos suspeitos de recém-nascidos com microcefalia, depende da eliminação dos nascedouros do mosquito transmissor.

No entanto, de acordo com Gastão Wagner de Souza Campos, professor do Departamento de Saúde Coletiva da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp, a solução é mais complexa do que uma faxina semanal.

“Essa grande infestação de Aedes é produto de uma degradação das nossas cidades”, afirmou em entrevista a EXAME.com. “Nós produzimos cidades horríveis para o ser humano, mas ideais para a proliferação do mosquito”.

Na opinião do especialista, que também é presidente da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), o surto da zika e a possível relação com os casos de microcefalia trouxe dramaticidade para o assunto e empurrou o governo para a ação. No entanto, para o pesquisador, mobilizações como essa deveriam ter sido feitas de maneira sistemática há muito tempo.

Até a última sexta-feira, cerca de 27,4 milhões de domicílios tinham sido vistoriados pelos agentes de saúde. 

Veja trechos da entrevista que ele concedeu para EXAME.com.

EXAME.com: A Abrasco sustenta que o Brasil só chegou a este cenário crítico de surto de dengue e zika devido a uma estratégia equivocada de combate ao mosquito. Onde está o erro?

Gastão Wagner de Souza Campos: A estratégia global dos governos federal, estadual e municipal de combate ao Aedes tem elementos que são necessários, mas que não foram suficientes.

Ela é baseada em duas frentes. A primeira é uma responsabilização excessiva das famílias - como se o fato de cada um cuidar de seu quintal ou jardim controlaria a epidemia. O problema é mais complexo. A segunda estratégia foi o uso irracional e exagerado de inseticidas.

Essa grande infestação de Aedes é produto de uma degradação das nossas cidades. A coleta de lixo é inadequada, temos mais de 40% dos domicílios sem esgoto, boa parte das cidades foi construída sem planejamento e, com o avanço do narcotráfico, não há espaço público.

Nós produzimos cidades horríveis para o ser humano, mas ideais para a proliferação do mosquito.

Então, as ações de emergência coordenadas pelo Ministério da Saúde não são eficazes?

Isso deveria ter sido feito desde o início da epidemia no ano passado. O fato do zika ser possivelmente mais danoso para o ser humano deu a dramaticidade. Até agora, o Brasil até estava tentando evitar que as pessoas não morressem [por causa da dengue] enquanto assistia a epidemia.

O que fazer além de não deixar as pessoas morrerem? 

Os países que conseguiram controlar a doença fizeram um bloqueio sanitário: diante de cada caso de dengue, pega-se um quilômetro no entorno da casa do paciente e sai destruindo criadouro, fazendo aplicação dirigida de inseticidas.

É preciso uma engenharia sincronizada pela área de saúde e pela administração pública encarregada da limpeza das cidades.

Quando se tem uma epidemia, isso fica impossível. Mas, no começo e quando ela tende a diminuir, daria para controlar o surto em um ano com esse tipo de estratégia.

Como o modelo de gestão da Saúde no Brasil impede esse tipo de reação?

Todas as políticas são muito interessantes, mas muito fragmentadas. O Ministério da Saúde dá a orientação, mas as ações são desencadeadas pelos municípios. Cada município faz alguma coisa em um tempo diferente. Não há sincronia. Com isso, você vence um mosquito em um município e no outro, não. Em seis meses, tem uma nova infestação.

Os bebês diagnosticados com microcefalia e outros problemas de saúde relacionados ao Zika vírus precisarão de atenção médica especializada pelo resto da vida. O SUS tem capacidade para atender essa demanda?

A capacidade de atendimento do SUS pelo Brasil é muito heterogênea. Em relação ao zika e à microcefalia, há quatro frentes em que o SUS precisa se atentar. A primeira é o pré-natal, que a gente já tem uma cobertura grande, mas precisa investir no diagnóstico precoce do que chamamos gravidez de risco.

Uma vez detectada a gravidez de risco, a gestante deve ser encaminhada para hospitais mais especializados. A partir daí é que temos um problema grave. A média de espera depois que o médico de família encaminha a grávida é de dois a três meses para ser atendida em grandes maternidades.

Boa parte dos recém-nascidos com microcefalia ou com outra lesão neurológica precisam de neonatologia especializada. Aí, há outro estrangulamento. As crianças que sobreviverem terão deficiências motoras e psicológicas e irão necessitar de reabilitação física e psicossocial. O SUS só muito recentemente começou a ampliar sua rede de reabilitação.

Um erro de interpretação de uma nota da Abrasco levou muitos a crer que larvicidas seriam os reais responsáveis pelo aumento dos casos de microcefalia. Afinal, qual é a real crítica da associação sobre o uso de inseticidas para combater o Aedes?

Está havendo um uso equivocado dos inseticidas. Primeiro, ele não pode ser a principal arma porque o mosquito cria resistência. Segundo: o uso crônico dessas substâncias, ainda que autorizadas pela Anvisa, é arriscado. Elas são tóxicas, está na bula.

Em várias localidades, começaram a usar o larvicida em vez de destruir o criadouro. Em vez de tampar, começaram a botar larvicida no depósito da água que as pessoas vão usar para beber, para lavar louça.

A gente queria alertar para esse uso irracional e sistemático, e lembrar que essas substâncias matam insetos, mas não são inócuas para o ser humano. O alerta foi esse. 

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