FHC: para tucano, eventual fusão entre PSDB e DEM não significa, necessariamente, uma guinada à direita da sigla tucana (Tânia Rego/Agência Brasil)
Clara Cerioni
Publicado em 24 de agosto de 2019 às 13h17.
Buenos Aires — O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso endossou a tática do correligionário e governador de São Paulo, João Doria, de se distanciar criticamente do presidente Jair Bolsonaro.
Para FHC, eventual fusão entre PSDB e DEM não significa, necessariamente, uma guinada à direita da sigla tucana. Sobre a decisão de rejeitar a expulsão do deputado Aécio Neves (MG), afirmou que a direção seguiu o estatuto do partido.
O ex-presidente concedeu ontem entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo em Buenos Aires, onde participou de seminário.
O PSDB decidiu rejeitar a expulsão do deputado Aécio Neves que era cobrada pelos diretórios paulistas. Como o senhor observou essa decisão?
Pelo que eu vi, seguiram o estatuto (do partido). O estatuto diz que a pessoa tem de ser condenada para ser expulsa. Então, o diretório não tinha muita alternativa.
Seguiu o estatuto. Eu não falei com o governador Doria sobre a matéria. Eu acho que, a uma certa altura, o juiz de quem deve se afastar é o próprio Aécio Neves. É questão de ele ver o quanto isso pode ajudar ou atrapalhar o partido.
É claro que ele tem de fazer um balanço entre os interesses dele e os do partido. Eu acho que o homem público sempre pensa na estrutura, na instituição. Mas, no caso, eu não estava lá e não sei qual argumento foi usado, mas tem muita gente do PSDB que está acusada. Por que vão tirar um só?
O senhor acha que tenha sido uma derrota do governador Doria e do prefeito Bruno Covas?
Não, eu não acredito que tenha sido. Eu não sei o quanto ele se envolveu, mas não acredito que tenha sido.
Então, o senhor avalia que deveria ser uma iniciativa própria do deputado Aécio Neves. Baseada em ética e moral?
Baseada no sentimento dele: "se está prejudicando o partido, eu me afasto". Agora, ele tem de balançar isso com os interesses jurídicos porque isso pode enfraquecer a postura dele. Pode ser uma espécie de antecipação de reconhecimento de culpa.
O senhor acha que isso pesou?
Ah, sem dúvida.
Como vê o atual posicionamento de Doria, que agora é crítico do governo Bolsonaro?
Eu acho que esta fase é melhor porque, objetivamente, se o governador Doria quiser ser candidato, o Bolsonaro é adversário, não é aliado.
O governador pondera isso nessa decisão?
Sem dúvida.
PSDB e DEM deveriam mesmo caminhar para uma fusão?
Acho que a estrutura partidária brasileira está tão esfarelada, tão fragmentada, que muitas fusões seriam bem-vindas. Sou presidente de honra do PSDB, mas não tenho contato com o dia a dia. Emito minha opinião como observador.
Acho que a fragmentação é de tal natureza que vamos precisar de uma reorganização da vida partidária. Na verdade, o que nós construímos na Constituição de 1988, bem ou mal, está terminando.
É preciso renascer de outra maneira. Acho que, nesta fase de transição, na qual a internet joga um papel enorme, ou seja, a relação de pessoa a pessoa salta as instituições, é o momento em que as pessoas se voltam para os líderes, para as pessoas.
Então, não sei quais serão as pessoas que vão aparecer no Brasil com força suficiente para reorganizar. As pessoas que tinham ou estão já fora porque foram derrotadas ou porque estão velhas ou porque estão presas.
O PSDB não está ao centro e o DEM à direita?
É verdade. Sempre foi assim.
Combinam?
O miolo do PSDB era um centro que olhava para os pobres, digamos assim. Uma centro-esquerda. Pouco a pouco, foi-se deslocando para o centro. O mundo foi para o centro.
Mas chegou à centro-direita?
Não chegou.
Com Doria, não?
Bom, pode ser que algumas pessoas tenham chegado, mas o partido, no seu conjunto, não chegou. Agora, o que acontece no mundo? Você hoje tem o liberalismo autoritário ou o liberalismo progressista. Acho que o PSDB deveria alinhar-se ao liberalismo progressista.
Mas com o DEM não ficaria bem mais à direita?
O DEM mudou muito. Líderes do DEM que estão conversando com o PSDB já têm outra cabeça. Não são da geração dos avós.
Existe uma alternativa de centro no Brasil?
Acho que sim. No Brasil e no mundo. Não há vantagem em ser velho mas eu vivi muito. Eu vi o Brasil, num certo tempo, polarizado: Vargas ou contra Vargas. Getúlio ou anti-Getúlio. Resultou depois numa fragmentação e numa organização de um centro.
Eu acho que a posição assumida pelo governo atual, no plano dos costumes, não corresponde ao sentimento da sociedade brasileira. A cultura brasileira é de muita transigência, muita acomodação.
Agora na polarização, isso desaparece. É preciso voltar o pêndulo para um lugar mais adequado. Para isso, é preciso ter alguém que expresse, que fale. Na área econômica, não se pode ter uma ideia estatizante porque o País saiu dessa fase.
Mas, no plano da sociedade e dos costumes, tem de olhar para a pobreza, tem de olhar para a parte mais fraca. Tem de ter políticas públicas ativas que não sejam de "esquerda".
No passado, esquerda era fácil. Era controle social dos meios de produção. Isso desapareceu. Hoje, são políticas públicas ativas em benefício da maioria.
Nesse espaço de centro, quem deveria ser o representante? Luciano Huck seria esse o nome?
Ele tem a possibilidade. O Luciano Huck é um homem que, certamente, tem popularidade. Qual é a questão do Luciano Huck? É transformar-se de celebridade na TV em líder político para a popularidade se tornar voto. Não é a mesma coisa.
O projeto Luciano Huck deve ser sustentado pelo centro político brasileiro?
Se ele tomar os passos necessários, sim. Eu acho que, quando uma pessoa é um líder, é o líder quem tem de abrir o caminho.
Tem algum outro nome?
Não, porque, dos nomes que estão, certamente o governador de São Paulo é forte. Se é governador de São Paulo é porque demonstrou capacidade eleitoral. Quando ganhou a Prefeitura e depois o governo, foi ele quem ganhou. Não foi o partido propriamente.
Mas o senhor diz que candidato paulista, por vir de um Estado rico, não ganha eleições para presidente no Brasil...
Sim, tem muitas dificuldades. Mas o Doria é baiano (risos).
A indicação de Eduardo Bolsonaro para a embaixada em Washington deveria ser revista?
Se eu fosse presidente, não nomearia um filho meu para a embaixada de Washington porque, primeiro, expõe muito a pessoa. Segundo, no caso dos nossos filhos, eles não são diplomatas. Não têm formação necessária para fazer frente aos múltiplos desafios de uma embaixada.
O presidente Bolsonaro abriu um flanco enorme para aqueles que querem atacá-lo. Não vejo vantagem nenhuma em ter relação direta pessoal, através de um filho, com o setor mais reacionário dos EUA. Expõe o Brasil mais uma vez.
O mundo está num momento difícil porque aquele entendimento aparente que havia entre EUA e China está se esgarçando. Precisamos, primeiro olhar para o que vai acontecer.
Segundo, tirar proveito. Um embaixador que é filho do presidente não tem nunca condições de fazer um jogo mais sutil nessas matérias porque o filho é a voz do presidente. É mais arriscado.