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Haddad: "Semana que vem, começo a dar aulas. Não vou disputar eleição"

Em entrevista a EXAME, Fernando Haddad, coordenador da campanha de Lula, aponta as diretrizes econômicas da candidatura petista

HADDAD: Até a literatura liberal defende a intervenção estatal em caso de monopólio e oligopólio, como ocorre no caso dos nossos bancos (Germano Lüders/Exame)

HADDAD: Até a literatura liberal defende a intervenção estatal em caso de monopólio e oligopólio, como ocorre no caso dos nossos bancos (Germano Lüders/Exame)

Raphael Martins

Raphael Martins

Publicado em 28 de julho de 2018 às 09h20.

Última atualização em 30 de julho de 2018 às 10h37.

Coordenador-geral da campanha de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad afirma que seu trabalho nas eleições está prestes a terminar. Professor universitário da escola de negócios Insper, ele diz que se dedicará a dar aulas após a conclusão do programa de governo petista e não estará nas urnas em outubro. Suas atribuições terminariam na Convenção Nacional do partido, no dia 4 de agosto.

O despiste faz parte da estratégia do PT de manter Lula como centro das atenções até o limite, ainda que ele esteja preso em Curitiba há mais de três meses. Haddad é o principal nome dentre os possíveis substitutos caso a candidatura de Lula seja impugnada pela Lei da Ficha Limpa.

Ainda como coordenador de campanha, Haddad comentou algumas das propostas econômicas do PT em entrevista exclusiva a EXAME. Entre as principais medidas estão a retomada do programa de concessões públicas e Parcerias Público-Privadas (PPPs), o combate ao spread bancário por meio de tributação punitiva aos bancos que cobrarem juros altos demais e, no que diz respeito ao déficit da Previdência, defende que o ataque comece pelo regime público de estados e municípios.

Em outras declarações públicas, Haddad havia comentado as pretensões do partido em revogar uma série de pontos da reforma trabalhista e tocar uma reforma tributária semelhante ao consenso de vários partidos, com a simplificação tributária por meio da criação de um Imposto sobre Valor Agregado.

A seguir, os principais pontos da conversa.

Quais as diretrizes básicas do PT para melhorar a infraestrutura no país?

O foco é retomar as obras paradas. Pretendemos dar força ao programa de PPPs e concessões. Temos algumas iniciativas novas, como o projeto de troca de iluminação pública por LED em todo o país. É um projeto muito interessante porque se pagaria o investimento privado com a economia de energia elétrica. Considerando os municípios e zonas urbanas do país, seria poupado o equivalente à produção de uma hidrelétrica média de forma constante. É um potencial enorme em termos ambientais e de segurança pública. Não posso antecipar todas as medidas por questão de sigilo em relação à campanha dos adversários, mas isso se estenderia também para estradas e outros serviços públicos, inclusive no âmbito da Petrobras e da Eletrobras. Não será uma privatização de estatais, mas a formação de joint-ventures, um modelo pouco utilizado no Brasil.

Há modelos estrangeiros de infraestrutura em que o partido se baseia para aplicar no Brasil?

Nenhum em específico. Fui coordenador da equipe que elaborou a Lei das PPPs em 2003, no Ministério do Planejamento. O texto foi formatado em experiências internacionais e o resultado é bastante flexível. Não há nada na experiência internacional que não possamos fazer. Nossa ideia, agora, é colocar a Caixa Econômica como parceira em projetos-chave, como uma PPP na área de urbanização de áreas degradadas. Para revitalizar e requalificar essas zonas, criaremos bairros mistos, com a combinação de usos e de classes sociais, prevendo subsídio cruzado para que a população de baixa renda tenha acesso aos lotes e serviços. Em uma situação como essa, o Estado tem que entrar com aquisição de terras onde não há nada disponível.

Isso não vai ser encarado como expansão de gastos? O PT já foi taxado de gastador.

Essa é mais uma manobra de setores da imprensa do que a realidade dos fatos. Quem reduziu o dívida bruta e líquida do país, além de conseguir grau de investimento entre as agências de avaliação de risco para o nosso país, foram os nossos governos. O Lula não precisa defender a responsabilidade fiscal, porque foi muito mais responsável do que Fernando Henrique Cardoso, Itamar Franco e quem você quiser.

Há economistas que apontam que o segundo mandato de Lula foi agressivo nos gastos.

O que aconteceu no país [crise] foi uma sabotagem enorme a partir de 2015, patrocinada pela oposição para desestabilizar as instituições do país.

A crise começou durante o governo da ex-presidente Dilma Rousseff. Não há autocrítica às decisões tomadas no governo dela?

Escrevi inúmeros artigos sobre isso. Nunca nos recusamos a debater os erros, mas com franqueza e sem atribuir a Dilma os efeitos da sabotagem pós-reeleição. Não é justo atribuir tudo a ela. Foi feito um mea culpa em relação à questão das desonerações e da administração de preços públicos. Foi um assunto várias vezes comentado por nós, mas levando em conta a guinada de 2015, que foi de natureza política. As pautas-bomba foram invenção de quem? [Faz referência ao ex-presidente da Câmara dos Deputados Eduardo Cunha (MDB)] Até hoje isso é artifício político. Percebeu que as pautas-bombas voltaram?

Qual é a preocupação do programa do PT, no campo econômico, além da geração de empregos?

É criar um ambiente favorável à volta do investimento privado. Nós sabemos que precisamos sentar com os empresários que sobraram dessa crise para reativar a economia, não só no investimento público, que é limitado, mas no investimento privado. Entendemos que temos bons projetos que vão atrair esse dinheiro.

Como destravar as amarras orçamentárias, como a da Previdência e o teto de gastos?

A PEC do teto é inexequível. Hoje, todo mundo reconhece que ela foi um tiro no pé, mesmo os economistas mais conservadores. Alguns, ainda que não admitam publicamente, dizem em reserva que foi um grande equívoco do governo. Só essa mudança já significa uma nova perspectiva importante. Mas nosso foco é enfrentar o desafio do crédito no Brasil. A retomada da economia não deve vir só pelo lado do gasto público, mas por meio de um sistema de crédito moderno. Algo que possa efetivamente financiar o empreendedorismo no país. É uma área que está absolutamente restrita porque o sistema de crédito inexiste.

E a Previdência?

O governo [Temer] perdeu o foco. Quis fazer tudo e acabou sem nada. Há de se convir que Lula e Dilma fizeram reformas na Previdência. Não há tabu em relação a isso. O que existe de tabu, para nós, é fazer essa conta recair sobre os mais pobres. O que o governo tentou fazer com a reformulação do Sistema Único de Assistência Social nós não concordamos. Nossa preocupação nesse momento é com o regime próprio de Previdência dos estados e municípios, que estão uma uma situação emergencial. É o primeiro debate que pretendemos empreender.

Isso não é atribuição dos governos estaduais?

Mas o governo federal precisa coordenar as ações. A situação de Rio de Janeiro, Minas Gerais, Rio Grande do Sul é uma preocupação para a União. O governo federal não pode se omitir de um assunto tão importante quanto a recuperação de estados centrais da federação. Isso é emergencial e os governadores têm feito apelos ao governo, que precisa assumir um protagonismo nos esforços.

Como fica o regime federal de Previdência?

Nós vamos por partes. Vamos enfrentar um problema de cada vez, começando pelo mais grave. Quem quer fazer tudo, não faz nada. Veja o que Doria fez aqui em São Paulo. Tirou o meu projeto [que criava regime de previdência complementar de funcionários públicos], colocou o dele e não aprovou nada.

De volta ao crédito, o que o PT propõe para destravá-lo?

Até a literatura liberal defende a intervenção estatal em caso de monopólio e oligopólio, como ocorre no caso dos nossos bancos. Nossa própria Constituição estabelece que o Estado tem que intervir nesses casos. Nós entendemos que chegou o momento de enfrentar, de uma vez por todas, a questão do crédito no Brasil. Não podemos continuar convivendo com taxas de juros que espoliam a população, com o cartão de crédito e o cheque especial [sendo usados] como linhas de crédito em um patamar de juros completamente desconectado da Selic e da inflação. Vamos nos sentar com o sistema bancário, inclusive o público, e vamos ver as medidas que podem ser tomadas para transformar o ambiente negócios. Será feita uma discussão, com a possibilidade de tomada de medidas duras por parte do governo.

Quais medidas? Manejamento de spread por meio dos bancos públicos? Subsídios?

Não. Pensamos em introduzir progressividade no sistema tributário dos bancos. Para tornar as taxas civilizadas, seriam colocadas punições por impostos ao spread elevado.

Já conversou com os setores envolvidos? Como essa agenda está sendo recebida?

O pequeno e o médio empresário, que são quem gera emprego no Brasil e não têm acesso ao crédito, imagino que vão concordar com a proposta. O grande empresário tem acesso ao BNDES e ao crédito internacional. Talvez nem sintam os efeitos dessa medida. A conversa será direta com os bancos.

O que será feito na política cambial?

O câmbio está em um patamar ajustado. A tarefa do governo é impedir a sobrevalorização da moeda. Conviver com câmbio flexível é bom, mas evitando especulação. Temos que ser mais ativos com relação a sobrevalorização cambial quando ela ocorrer. A especulação no Brasil não se dá pela desvalorização, mas pela valorização da moeda junto com juros internos. A especulação acaba ganhando em duas frentes. Isso precisa ser coibido.

Falando em alianças, qual a dificuldade do PT em conseguir uma coligação?

Gira em torno das arbitrariedades que estão sendo cometidos contra Lula. Se tivéssemos a segurança de que a Justiça fosse registrar a candidatura, não haveria nem segundo turno. Todos estariam reunidos em torno dele. Essa insegurança gera desconforto e receio de fechar uma coligação. Há divergências programáticas, mas sempre pudemos sentar à mesa e elaborar juntos. Fizemos isso tantas vezes… O propósito de todas as candidaturas do nosso campo é botar fim a essa aliança do PSDB, que tem trazido tanto prejuízo para o país.

O senhor disputará a eleição?

Meu papel está se encerrando com a entrega do documento à Executiva Nacional do partido. Na semana que vem, começo a dar aulas. Não vou disputar eleição.

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