Veias abertas: sobrevoo mostra áreas de garimpo ilegal na Terra Indígena Yanomami. (Rogério Assis - ISA/Divulgação)
Vanessa Barbosa
Publicado em 10 de dezembro de 2018 às 16h25.
Última atualização em 10 de dezembro de 2018 às 16h58.
São Paulo - À surdina, atividades de garimpo ilegal se multiplicam ao longo da floresta amazônica e deixam um rastro de devastação, marcado por longas áreas de barro poluído, sem nenhuma vegetação, e rios contaminados.
É o que revela um mapa inédito elaborado pela Rede Amazônica de Informação Socioambiental Georreferenciada (Raisg) e divulgado nesta segunda-feira, que indica 2557 pontos ilegais de extração de minerais, como ouro, diamantes e coltan (utilizado em parelhos eletrônicos portáteis) em seis países amazônicos.
O estudo reúne em uma única plataforma dados e informações que dão uma visão ampla da extensão do problema, ao mostrar a distribuição dessa atividade ilegal e seus impactos socioambientais na Amazônia boliviana, brasileira, colombiana, equatoriana, peruana e venezuelana. Para realizar o levantamento, o mapa agrega informações de diferentes fontes, estudos publicados, análises de imagens de satélite, informações de parceiros locais e notícias de imprensa.
Venezuela é o país com mais pontos de garimpos ilegais (1.899 no total), seguida do Brasil, com 453, do Peru com 134 e do Equador com 68. Uma das razões para a incidência do garimpo ilegal na Amazônia nacional, segundo a pesquisa, é a alta do preço do ouro no mercado. No Brasil, o metal viu uma valorização 149% desde 2010, com o grama chegando a R$ 155,29 nesta segunda-feira (10).
Mesmo áreas naturais protegidas, como Unidades de Conservação e Terras Indígenas, são vítimas do garimpo ilegal. De acordo com a análise da Raisg, de 649 áreas naturais protegidas nos seis países, 55 têm pontos de garimpo ativos ou balsas dentro de seus limites.
Já entre os 6207 territórios indígenas, 78 apresentam atividades de garimpo em seu limite ou no entorno. A maioria desses territórios (64) está localizada no Peru.
No Brasil, do total de 37 casos identificados em áreas de proteção, 18 são dentro de territórios indígenas, principalmente em florestas localizadas na bacia do rio Tapajós. Estima-se que cinco mil garimpeiros atuem ilegalmente na Terra Indígena Yanomami, apenas em sua parte brasileira.
Os resultados ganham contornos ainda mais preocupantes diante das intenções declaradas do presidente eleito Jair Bolsonaro em autorizar mineração em terras públicas e incentivar a prática em territórios indígenas. Historicamente, atividades com “carimbo oficial” acabam por abrir caminho para mineração ilegal e predatória.
O estabelecimento da infraestrutura para a mineração, como moradia para trabalhadores, novas rotas de transporte, estradas, ferrovias e aeroportos acabam por permitir outras formas de desmatamento, incluindo garimpo ilegal e agricultura, que continua a ser a principal causa da perda de floresta amazônica.
"Neste caso, os danos à mineração estão relacionados a concessões. Há uma sobreposição de mineração ilegal em lugares com concessões legais de mineração", sinaliza o estudo. Esse movimento começou a ganhar contornos mais claros no raiar do ano de 2017 quando o governo Temer começou uma ofensiva contra as áreas protegidas, a fim de liberar espaço para exploração econômica.
Para agravar, a destruição da floresta ocorre sem que os órgãos responsáveis pela fiscalização, como o IBAMA e o ICMBio, consigam combatê-la. Uma reportagem da Intercept Brasil realizada no mesmo ano revelou como madeireiros em aliança com garimpeiros destruíram pontes para impedir o acesso de equipes de inspeção dos órgãos fiscalizadores.
A atividade de garimpo ilegal também afeta estruturas sociais, ao tornar comunidades inteiras dependentes da prática. Segundo o estudo, a freqüência de ações de repressão do Estado à mineração ilegal aumentou e, com elas, os choques com populações que dependem da economia garimpeira.
Um caso recente foi a revolta popular na cidade de Humaitá no estado do Amazonas, Brasil, onde a sede de órgãos ambientais foram queimados após a apreensão de balsas que extraem ouro no rio Madeira, como destaca o projeto Infoamazonia, parceiro do Raisg, em um storymap que expõe os dados presentes no mapa de maneira ilustrativa e interativa, trazendo outras fontes de informação complementares ao tema, como fotos, vídeos e infográficos.
A Raisg aponta que para enfrentar o problema é necessária uma ação transfronteiriça, com a cooperação entre os vários países amazônicos. No caso brasileiro, segundo a rede, a solução envolve a fiscalização e retirada dos garimpeiros das terras indígenas e Unidades de Conservação, aliada à criação de alternativas econômicas para os povos indígenas e demais populações da região.
A atividade mineradora vive uma relação intensa e, muitas vezes, conflituosa com o meio ambiente. Ela se dá por dois viés: pelo uso dos recursos hídricos em seus processos produtivos e pelo fato a atividade mineradora encontrar-se, eventualmente, nas regiões de nascentes e recarga hídrica.
Se no primeiro caso chamam atenção os riscos de uma escassez hídrica paralisar a produção, o segundo alerta para a ameaça gigantesca de poluição devido a quantidades significativas de águas residuais ligadas à mineração e refino.
Vasto levantamento bibliográfico de estudos científicos identificam altas concentrações de mercúrio em peixes de rios expostos à atividade mineradora ilegal. Muitos desses estudos também apontaram risco de contaminação de populações indígenas que se alimentam dos peixes afetados.
O metal pesado mercúrio, por exemplo, assume sua forma mais ameaçadora à saúde humana durante o garimpo de ouro. Na mineração, ele auxilia o processo de purificação do metal valioso conhecido como “amalgamação”, sendo liberado na forma de vapor no meio ambiente.
Uma das características do mercúrio que mais preocupam os cientistas é sua capacidade de biomagnificação. Ele se acumula ao longo da cadeia alimentar, fazendo com que as espécies mais altas na cadeia sejam expostas a uma maior concentração tóxica, o que aumenta, eventualmente, a exposição humana ao metal.
Na literatura médica, o mercúrio é caracterizado como uma neurotoxina potente, capaz de causar danos irreversíveis ao cérebro. Entre os sintomas da contaminação estão dormência em braços e pernas, visão nebulosa, letargia e irritabilidade, problemas renais e intoxicações pulmonares, além de prejudicar o desenvolvimento fetal.