Olimpíada: as famílias não tiveram escolhas na hora de saírem de suas casas (Mauro Pimentel/AFP)
AFP
Publicado em 3 de agosto de 2017 às 12h37.
Última atualização em 3 de agosto de 2017 às 13h27.
"Quero meu dinheiro", diz a faixa pendurada em um dos blocos do complexo habitacional que alojou a maioria dos removidos pela organização dos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro, resumindo o desgosto dos moradores que, um ano após o evento, vivem em apartamentos com rachaduras e sem título de propriedade.
O sentimento geral de quem mora no Parque Carioca, complexo localizado na zona oeste da cidade, é de ter sido enganado.
A maioria dos moradores do bloco 3 foram os primeiros a sair e quem mais perdeu na Vila Autódromo, favela que ficava ao lado do atual Parque Olímpico. A prefeitura demoliu o local, alegando precisar do terreno para a competição.
A comunidade de 3.000 habitantes, com barracões e várias casas diante da lagoa de Jacarepaguá, ficou famosa pela resistência que resultou em 20 vizinhos conquistando o direito de se manterem no local.
O bairro da Barra da Tijuca está em franco desenvolvimento e o metro quadrado na região chega a valer 3.000 dólares, contrastando com a simplicidade da Vila.
No entanto, 200 famílias foram esquecidas. Iran Oliveira, taxista de 41 anos, chegou à Vila Autódromo quando recém tinha conquistado à maioridade e faz parte desse grupo.
Iran mostra seu apartamento no Parque Carioca: as rachaduras atravessam a cozinha, várias paredes sofrem com mofo, uma porta está solta no corredor e quase todos azulejos do banheiro caíram.
"Não tivemos muita escolha porque a prefeitura chegou com a equipe dela lá fazendo bastante pressão, até ameaçando que se a gente não saísse do apartamento poderiam derrubar com a gente dentro, sem direito a nada", lamentou Ivan, que é pai de quatro filhos.
Abalados com a pressão, Iran e sua mulher cederam e aceitaram uma oferta que pareceu razoável em 2014: trocar a casa com pátio e estacionamento, que tinham construído em frente à lagoa, por um apartamento de três quartos a um quilômetro dali.
Quem vivia em barracões não pensou duas vezes. Muitos habitantes da Vila Autódromo, no entanto, tinham títulos de "concessão de uso" oferecidos pelo Estado do Rio nos anos 1990.
Mas antes de pagar as milionárias indenizações, o prefeito da época, Eduardo Paes, do PMDB, conseguiu convencer alguns a deixarem suas casas sem receber um centavo em troca.
Em câmbio, prometeu as chaves dos apartamentos, que poderiam ser vendidos quando os novos inquilinos bem entendessem, como mostra vídeo gravado por um dos vizinhos. Mas a realidade foi diferente.
Sem assessoria legal, a esposa de Iran foi à prefeitura para assinar o contrato, que achava ser a escritura da casa. No entanto, o documento era um contrato de financiamento do programa "Minha casa, Minha vida" em seu nome, direito dos brasileiros de baixa renda.
O texto estabelece um prazo de 10 anos para pagar 90.000 reais para a Caixa Econômica Federal, custo que a prefeitura se comprometeu a pagar. Mas enquanto essa dívida não for quitada, o apartamento não pode ser vendido.
"A propriedade passará ao beneficiário ao final desse período", confirmou a Caixa à AFP.
Outra fonte de preocupação é o atraso dos pagamentos pela prefeitura por conta da grave crise financeira da prefeitura, que desde janeiro tem o pastor evangélico Marcelo Crivella como chefe.
Rosangela Camargo, advogada de 252 vizinhos do Parque Carioca, garante que alguns de seus clientes estão com nome em uma lista de devedores e que dois deles receberam ordens de desalojamento por conta desses atrasos.
A Caixa nega que existam inquilinos em listas negras.
"A situação financeira da Prefeitura, como é amplamente noticiado, não está estável e a liberação de crédito demora em alguns meses, por isso o atraso. Não existe a possibilidade dos apartamentos irem à leilão", afirmou a Secretaria de Urbanismo, Infraestrutura e Habitação da prefeitura à AFP.
"Nós estamos entre a cruz e a espada", se assusta Iran. "Nos sentimos enganados", reclama.
Na entrada do bloco 3, um grupo removidos da Vila Autódromo conversa e compartilha o mesmo sentimento, sem notícias da escola e do posto de saúde que haviam sido prometidos.
Zé Riveiro, que tem 68 anos e é era dono de um bar, ataca: "Sacanearam a gente. Isso foi uma mixaria".
Carlos André, segurança de 38 anos, está revoltado por não ter recebido um centavo e precisar viver nestas condições, ao lado de quase 3.000 apartamentos da Vila Olímpica, construída pelas construtoras Odebrecht e Carvalho Hosken, que ainda não tem inquilinos.
O mais paradoxal é que a maior parte do que era a Vila Autódromo se transformou em um grande descampado. Apenas uma parte foi ocupada pelo estacionamento de um hotel, próximo das 20 novas casas das famílias que resistiram e ficaram no local. Elas ainda esperam o título de propriedade.
Maria da Penha, líder do movimento, acredita que "nos tiraram sem necessidade ou porque pobre não pode participar das Olimpíadas".
Carlos André é ainda mais desconfiado: "Quando tudo isso da Lava Jato passar, vamos ver muito prédio ali".