O coordenador do Sistema Nacional de Transplantes, Heder Murari Borba, reconhece a "grande influencia que o pequeno esclarecimento da população" tem sobre as operações (Mario Rodrigues/Veja São Paulo)
Da Redação
Publicado em 13 de junho de 2011 às 12h34.
São Paulo - Mais de 36 mil pessoas aguardam hoje no País a tão esperada notícia de que um órgão ou tecido que tanto precisam está disponível para transplante. Este é o caso de Reginaldo Padilha, que se enche de esperança toda vez que um helicóptero pousa no terraço do Instituto do Coração (InCor), onde está internado há quatro meses, na Unidade de Terapia Intensiva (UTI). Por conta de seu delicado estado de saúde, Padilha está entre os pacientes prioritários na lista de espera nacional, mas o único coração que apareceu até o momento não era compatível com o seu organismo.
Uma das principais razões da dificuldade enfrentada por Padilha e pelas milhares de pessoas que aguardam um transplante, na avaliação de especialistas, é a falta de informação a respeito do assunto. Em razão de crenças infundadas, aliadas à diminuição das campanhas na mídia, muitas famílias se negam a autorizar a doação dos órgãos dos parentes que faleceram e, dessa forma, deixam de transformar um momento de dor em esperança de vida para outras pessoas.
O cirurgião cardiovascular Fernando Platania, médico de Padilha, aponta as falsas crenças como uma das principais razões que prejudicam o aumento do número de doadores no País. "Vejo esse problema sim, sobretudo entre a população mais humilde, por conta da falta de entendimento e da desconfiança no sistema público."
O médico, que também é coordenador do Departamento de Cardiologia do Hospital Ana Costa, em Santos (SP), destaca que um dos temores mais citados é com relação à morte cerebral. Para algumas famílias, o fato de o coração ainda bater após a declaração de óbito pode significar que a vítima ainda está viva e pode ter salvação. O que não é verdade.
Para o presidente da Associação Brasileira de Transplante de Órgãos (ABTO), Ben-Hur Ferraz Neto, esse temor se deve à falta de informação clara às famílias. "É diferente para um leigo ter essa compreensão, porque o coração ainda bate, mas às custas de aparelhos e com o único objetivo de manter os outros órgãos viáveis para transplante", explica.
A morte cerebral só é dada como certa depois de exames clínicos mostrarem que o paciente não tem mais reflexos cerebrais e que está incapacitado de respirar por si próprio. Também são realizados testes para confirmar ausência de fluxo sanguíneo e de atividade cerebral. "A legislação brasileira é extremamente rigorosa a respeito da morte cerebral", diz Ferraz Neto.
Além do receio quanto à morte cerebral, há outros temores que levam as famílias a negar as doações, como o medo da deformação do cadáver, o temor de que os órgãos serão vendidos no mercado negro e a desconfiança de direcionamento e privilégio dentro do Sistema Nacional de Transplantes. Ferraz Neto relata até mesmo a negativa de autorizar a doação pelo temor de que o morto precise do coração "para uma outra vida". "Acabam doando até os outros órgãos, mas não o coração", conta.
Em caso de morte cerebral, aparelhos mantêm o coração pulsando para que os órgãos sejam preservados para a doação. No entanto, esse estado não pode ser mantido por muito tempo, e se o coração parar, ele e os outros órgãos ficam impossibilitados para o transplante, porque perdem oxigenação. Se isso acontece, a esperança de vida daqueles que aguardam um órgão na fila diminui drasticamente. Então, apenas tecidos - pele, córneas e medula óssea, entre outros - ainda podem ser doados.
Apesar da longa batalha, Padilha, que está com 47 anos, não perde a esperança e faz planos concretos para o futuro. "O que eu mais quero é voltar à minha vida normal. Quero voltar às minhas caminhadas na praia em Santos, voltar a trabalhar. E mais, ir ao supermercado sem sentir falta de ar".
Desejos simples para um caso tão complexo. Ele sofre de miocardiopatia dilatada idiopática, que faz com que seu coração cresça exageradamente. Para executar os seus planos futuros, Padilha depende da solidariedade das famílias que podem optar pela doação de órgãos.
Humanização
O coordenador do Sistema Nacional de Transplantes do Ministério da Saúde, Heder Murari Borba, reconhece a "grande influencia que o pequeno esclarecimento da população" tem sobre a decisão das famílias. Mas alega, também, que outro fator importante de inibição da doação de órgãos é o mau atendimento que muitos pacientes enfrentam nos hospitais. "Se a pessoa for atendida de maneira humanizada é muito mais fácil a abordagem dos agentes para solicitar o órgão", afirma.
As ações, segundo Borba, devem se concentrar em campanhas que esclareçam as famílias sobre o assunto. "As campanhas devem mostrar a segurança que o processo de transplante envolve e que impossibilita o comércio de órgãos, já que envolve muitas pessoas e exames genéticos", diz. E continua: "Além disso, é preciso frisar o aspecto emocional nas campanhas, mostrando que aquele momento de dor das famílias pode se transformar em alegria para outras pessoas."
As campanhas, aliás, têm relação direta com o crescimento do número de doadores de órgãos no País. O presidente da Aliança Brasileira pela Doação de Órgãos e Tecidos (Adote), Francisco Neto de Assis, cita o caso da jovem Eloá Cristina Pimentel, de 15 anos, assassinada pelo ex-namorado em outubro de 2008, após ser mantida refém, em Santo André (SP). Coração, pulmão, rins, pâncreas, fígado e córneas ajudaram a salvar vidas. Coincidentemente, a média mensal de transplantes no Estado de São Paulo aumentou 30% naquele mês. "Quando há campanha, ou quando o assunto está na mídia, dá para notar o aumento de doadores", diz.