Fachin: ministro propôs limites à investigação que apura a divulgação de notícias fraudulentas e ameaças feitas a membros da corte (Rosinei Coutinho/SCO/STF/Divulgação)
Reuters
Publicado em 10 de junho de 2020 às 21h14.
Última atualização em 10 de junho de 2020 às 21h40.
O ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), votou nesta quarta-feira pela legalidade da portaria que permitiu a abertura no ano passado do inquérito das fake news, mas propôs limites à investigação que apura a divulgação de notícias fraudulentas e ameaças feitas a ministros da corte.
O julgamento da ação da Rede Sustentabilidade que questiona a validade do inquérito foi suspenso após o voto de Fachin, relator do processo, e será retomado na próxima quarta-feira, informou o presidente do STF, Dias Toffoli.
O relator propôs quatro pontos a serem observados no inquérito: 1) que seja acompanhado pelo Ministério Público; 2) que garanta a investigados amplo acesso aos autos; 3) que limite o objeto da investigação a casos de risco efetivo de independência do STF, por meio de ameaça a seus membros e familiares; 4) garanta a liberdade de expressão e de imprensa, excluindo do escopo da apuração matérias jornalísticas e postagens anômicas, desde que não integrem esquemas de financiamento de propagação de fake news.
Fachin reconheceu a possibilidade de o Supremo instaurar investigações por conta própria, citando previsão em seu regimento interno. Contudo, ele ressalvou que essa competência investigativa não pode ser usada a todo momento e também permitir a realização de investigações ilegais.
O ministro do STF disse que a corte reconhece a liberdade de expressão como garantia do direito de informar e criticar e ponderou que esse direito está em "constante conformação". Para ele, o STF terá de refletir sobre as notícias fraudulentas, as chamadas fake news.
"As exceções de liberdade de expressão são restritas", disse. "Ninguém pode se atribuir à pretensão da totalidade. A alteridade é, ao final, o cerne de democracia", completou, citando que são vetados "discursos racistas e de ódio".
Em uma defesa enfática das atribuições da corte, Fachin disse que não há ordem democrática sem o cumprimento de decisões judiciais. O presidente Jair Bolsonaro e aliados dele têm feito críticas sobre decisões do STF e já ameaçaram descumpri-las. Fachin também contestou duramente atos antidemocráticos.
"São inadmissíveis a defesa da ditadura, do fechamento do Congresso ou do Supremo. Não há liberdade de expressão que ampare a defesa desses atos. Quem os pratica precisa saber que enfrentará a Justiça constitucional do seu país", disse.
"Precisa saber que este Supremo não os tolerará, não há direito e não há princípios que possam ser invocados para que se autorize transigir com a prevalência dos direitos fundamentais. Não há no texto constitucional qualquer norma que autorize outro Poder ou instituição a última palavra sobre e a Constituição Federal, que cabe ao Judiciário. A espada sem a Justiça é o arbítrio", completou.
Em outro momento, Fachin disse que atentar contra um dos Poderes, incitando o seu fechamento, a morte ou a prisão de seus membros, ou ainda o descumprimento de suas decisões não são manifestações protegidas pela liberdade de expressão pela Constituição.
O relator da ação disse que não é "extravagante" a decisão do presidente do STF, Dias Toffoli, de ter delegado para o colega Alexandre de Moraes a relatoria do inquérito.
O ministro do Supremo afirmou que a polícia pode realizar as diligências por ordem do STF e posteriormente se remeter as conclusões para o Ministério Público.
Ao fim do voto de Fachin, Alexandre de Moraes, relator do inquérito das fake news, fez uma rápida exposição de medidas que tomou no caso. Ao elogiar o voto do colega, disse que permitiu acesso à ex-procurador-geral da República Raquel Dodge e ao atual chefe do Ministério Público Federal, Augusto Aras, e autorizou 20 pedidos de acesso aos autos de citados nas investigações.
A expectativa é que o Supremo valide o inquérito, uma espécie de blindagem institucional da Corte, conforme reportagem da Reuters da semana passada.
Antes do voto de Fachin, Augusto Aras, também tinha defendido a regularidade do inquérito, mas sugeriu à corte a fixação de balizas para que a investigação "não se eternize", tenha um objeto delimitado e que medidas invasivas contra investigados sejam informadas previamente ao MP.
"Precisamos apenas de balizas para que o objeto do inquérito das fake news não seja um objeto que caiba todas e quaisquer pessoas", disse Aras.
O procurador-geral disse que o "direito sagrado" da liberdade de expressão não pode ser uma oportunidade para abusar dele. E fez uma defesa do Poder Judiciário.
"Nesta toada, não podemos permitir que uma instituição, o Poder Judiciário, o seu órgão de cúpula, seja atacado, sem que se tome as medidas necessárias, doa a quem doer", disse, ao acrescentar que não se pode "passar incólume" contra cada fake news publicada.
Na mesma linha, o ministro-chefe da Advocacia-Geral da União (AGU), José Levi Mello, disse que o inquérito das fake news é regular, mas fez uma série de ponderações à investigação ao defender, por exemplo, que não puna criminalmente a liberdade de imprensa nem a liberdade de expressão, inclusive e especialmente na internet.
Apesar da manifestação oficial da AGU, Bolsonaro já fez críticas públicas ao inquérito, chamando-o de inconstitucional. Na semana retrasada, essa investigação, conduzida pelo ministro do STF Alexandre de Moraes, realizou busca e apreensão contra aliados de presidente.