Presidente Jair Bolsonaro. (Marcos Corrêa/PR/Flickr)
Agência O Globo
Publicado em 5 de julho de 2021 às 11h10.
Última atualização em 5 de julho de 2021 às 11h12.
A ex-cunhada do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), a fisiculturista Andrea Siqueira Valle, disse que o mandatário demitiu seu irmão, André Siqueira Valle, porque ele se recusou a entregar a maior parte de seu salário a Bolsonaro, que na época era deputado federal. É o que mostram áudios de Andrea obtidos pelo site “UOL”.
Nas gravações, a fisiculturista diz ainda que Fabrício Queiroz, ex-assessor de Flávio Bolsonaro e denunciado pelo Ministério Público no esquema de “rachadinha” no gabinete do então deputado estadual na Assembleia Legislativa do Rio (Alerj), não foi o único a recolher os salários dos funcionários do atual senador. Ela aponta que a maior parte do salário que recebia do gabinete do filho mais velho do presidente era recolhida pelo coronel da reserva do Exército Guilherme dos Santos Hudson.
Assim como Queiroz, o senador Flávio também é investigado pelo MP no esquema que orientava assessores do seu antigo gabinete a devolver parte de seu salário. De acordo com o áudio de Andrea, a prática também seria feita por Bolsonaro na época em que ele esteve na Câmara federal. O presidente foi deputado federal entre 1991 e 2018.
— O André dava muito problema, porque o André nunca devolveu o dinheiro certo que tinha que ser devolvido, entendeu? Tinha que devolver R$ 6 mil, André devolvia R$ 2 mil, R$ 3 mil. Foi um tempão assim, até que o Jair pegou e falou: 'Chega, pode tirar ele porque ele nunca me devolve o dinheiro certo' — disse Andrea no áudio obtido pelo “UOL”.
Andrea e André são irmãos de Ana Cristina Siqueira Valle, ex-mulher de Jair Bolsonaro e mãe do filho mais novo do presidente, Renan. Andrea foi assessora de Bolsonaro na Câmara entre setembro de 1998 e novembro de 2006. Depois, trabalhou no gabinete do vereador Carlos Bolsonaro (de novembro de 2006 a setembro de 2008) e de Flávio (de agosto de 2008 a agosto de 2018), período em que ele esteve na Alerj.
Já André foi lotado no gabinete de Jair por pouco menos de um ano, entre novembro de 2006 e outubro de 2007. Antes, tinha trabalhado em dois momentos como assessor do filho “02” do presidente, Carlos: de agosto de 2001 a fevereiro de 2005, e de fevereiro de 2006 a novembro do mesmo ano.
— Não é pouca coisa que eu sei, não. É muita coisa que eu posso ferrar a vida do Flávio, posso ferrar a vida do Jair, posso ferrar a vida da Cristina. Entendeu? É por isso que eles têm medo aí e manda eu ficar quientinha, não sei o que, tal. Entendeu? É esse negócio aí — diz Andrea em um dos áudios.
De acordo com a ex-cunhada do presidente, o coronel da reserva do Exército Guilherme dos Santos Hudson era responsável em recolher grande parte de salário na época que trabalha no gabinete de Flávio. O militar, tio de Andrea, André e Cristina, foi assessor do então deputado estadual entre junho e agosto de 2018.
— O tio Hudson também já até tirou o corpo fora, porque quem pegava a bolada era ele. Quem me levava e buscava no banco era ele — diz Andrea, que também diz: — Na hora que eu tava aí fornencendo também, e ele também estava me ajudando, lógico, e eu também estava. Porque eu ficava com mil e pouco e ele ficava com R$ 7 mil. Então assim, certo ou errado, agora já foi. Não tem jeito de voltar atrás.
Em outra troca de mensagens obtida pelo “UOL”, a mulher e a filha de Fabrício Queiroz, Márcia Aguiar e Nathália Queiroz, citam o presidente Jair Bolsonaro e se referem a ele como “01”. Segundo a reportagem, os áudios são de outubro de 2019, época que o ex-assessor estava escondido na casa da família Bolsonaro, Frederick Wassef, em Atibaia, interior de São Paulo.
Na conversa, Márcia e Nathália falam sobre o desejo de Queiroz de voltar para a política. No entanto, a mulher do ex-assessor diz que o marido não conseguiria isso por resistência do próprio Bolsonaro.
— É que ainda não caiu a ficha dele que agora voltar para a política, voltar para o que ele fazia tão cedo... esquece. Bota ano para ele voltar. Até porque o "01", o Jair, não vai deixar. Tá entendendo? Não pelo Flávio, mas enfim. Ainda não caiu essa ficha dele. Fazer o quê?
De acordo com o “UOL”, a troca de mensagens ocorreu após o GLOBO revelar, em outubro de 2019, que Queiroz seguia fazendo articulações políticas apesar das investigações do Ministério Público do Rio de Janeiro (MP-RJ) sobre o caso do “rachadinha”.
Tanto Márcia quanto Nathália foram lotadas no gabinete de Flávio. A mulher de Queiroz trabalhou como assessora do então deputado entre março de 2007 e setembro de 2017. Já Nathália ficou de setembro de 2007 a dezembro de 2016. Depois, virou assessora de Jair Bolsonaro de dezembro de 2016 até outubro de 2018.
Já em outro áudio obtido pelo “UOL”, Queiroz fala de Wassef, se referindo a ele como “Anjo”, seu apelido. O ex-assessor foi preso em junho do ano passado, enquanto estava na casa do advogado da família Bolsonaro.
— E todas as pessoas que eu falo, eu sempre falo: 'meu irmão, apaga, escreveu apaga'. Eu sei com quem eu conversei esse assunto aí. Chateadão também por causa disso. Tu lembra que eu falo: 'apaga, apaga, apaga, apaga...? Aí deu nisso aí. O "Anjo" também, a primeira coisa que o "Anjo" chegou pra mim e falou na minha cara foi: "você foi traído, você foi traído ontem à noite'.
Ao “UOL”, Wassef afirmou que os fatos narrados por Andrea "são narrativas de fatos inverídicos, inexistentes, jamais existiu qualquer esquema de rachadinha no gabinete do deputado Jair Bolsonaro ou de qualquer de seus filhos". Ele negou que exista qualquer ilegalidade e disse que existe uma antecipação da campanha de 2022.