O projeto foi apresentado em maio do ano passado pelo senador Cristovão Buarque, que não compareceu ao debate de hoje por ter ficado insatisfeito com a composição da mesa (José Cruz/ABr)
Da Redação
Publicado em 8 de maio de 2013 às 18h24.
Brasília - As estratégias defendidas pelo governo federal para reduzir a falta de médicos em regiões com menos recursos não vão resolver a questão e ainda podem agravar problemas associados à oferta de saúde pública no país.
A avaliação é dos representantes das entidades médicas que participaram hoje (8) de audiência pública da Comissão de Educação, Cultura e Esporte do Senado Federal.
Entre as propostas está a obrigatoriedade de os médicos recém-formados que tiverem seus cursos custeados com recursos públicos exercerem a profissão por dois anos em municípios com menos de 30 mil habitantes ou em comunidades carentes de regiões metropolitanas, conforme previsto no Projeto de Lei do Senado (PLS) 168/2012, objeto de análise da audiência desta quarta-feira.
O projeto foi apresentado em maio do ano passado pelo senador Cristovão Buarque, que não compareceu ao debate de hoje por ter ficado insatisfeito com a composição da mesa. De acordo com sua assessoria, o senador avalia que, para garantir o equilíbrio da discussão, era necessário ouvir também acadêmicos e médicos de países onde medidas semelhantes são aplicadas.
Além da proposta prevista no PLS, o governo brasileiro estuda contratar médicos estrangeiros para atuar no país. Na segunda-feira (6), o ministro das Relações Exteriores, Antonio Patriota, mencionou a articulação de um acordo para a vinda de 6 mil médicos cubanos, mas a discussão se estende à busca de parcerias com outros países, como Portugal, para o mesmo fim.
Para o vice-presidente do Conselho Federal de Medicina, Carlos Vital, a falta de estrutura adequada para o exercício da profissão, somada aos baixos salários historicamente oferecidos nesses locais, são os principais obstáculos à interiorização dos profissionais. Ele questionou o envio de médicos recém-formados para cuidar das populações em áreas carentes, na medida em que, em sua avaliação, trata-se de profissionais que não estão prontos para o serviço.
"Não se pode exigir isso de um recém-formado, sob o risco de oferecer à população uma pseudoassistência. O maior motivo pelo qual os médicos não querem se fixar nesses lugares é a objeção de consciência diante da falta de condições de trabalho”, disse.
Sobre a vinda de médicos estrangeiros para atuar no Brasil, ele negou que o tema represente um tabu para a categoria, mas enfatizou que é fundamental garantir a qualidade dos profissionais que atuarão em território nacional.
"Não é com assistência de péssima qualidade que vamos resolver o problema", disse, lembrando que dados apresentados ontem (7) pela entidade mostram que apenas 20 entre 182 médicos cubanos foram aprovados no Exame Nacional de Revalidação de Diplomas Médicos em 2012. A avaliação do Ministério da Educação é exigência para o profissional atuar no país.
O representante da Associação Médica Brasileira, José Luiz Bonamigo Filho, enfatizou que a problemática em torno da oferta de saúde no país não está ligada apenas ao número de profissionais no mercado e à relação entre a quantidade de médicos proporcionalmente à população, mas envolve também restrições orçamentárias e de gestão, que prejudicam o serviço.
“Por que o foco tão intenso em apontar como vilão os médicos e a falta deles? Trata-se de um problema muito complexo porque, atualmente, no período de residência, os profissionais já trabalham em esquema quase voluntário, ao cumprirem sete horas diárias ganhando em torno de R$ 2 mil”, disse.
Bonamigo Filho também ressaltou que, muitas vezes, ao sair da faculdade, o profissional não está preparado para exercer a atividade com a segurança necessária à população.
A secretária executiva da Comissão Nacional de Residência Médica do Ministério da Educação, Maria do Patrocínio Tenório Nunes, que também participou do debate no Senado, acredita que as diretrizes curriculares atuais, que ainda estão em processo de implementação pelas escolas de medicina, são suficientes para garantir que o profissional, ao concluir os seis anos de formação, esteja apto a resolver os problemas de saúde “mais habituais e frequentes” entre a população brasileira. Ela defende, no entanto, que o projeto de lei preveja uma supervisão específica durante os dois anos do serviço obrigatório.
Favorável à medida, o diretor da Secretaria de Gestão do Trabalho e de Educação na Saúde do Ministério da Saúde, Fernando Antonio Menezes da Silva, destacou que os profissionais recém-formados têm mais capacidade para fazer o atendimento básico do que aqueles com mais tempo de experiência, que atuam em áreas especializadas.
“O que é melhor para a população? Ter alguém que, ao passar seis anos em uma universidade, está habilitado para atender ou não ter ninguém? Eu diria até que ele está mais habilitado [para fazer esse tipo de atendimento] do que eu, que deixei a faculdade na década de 1970”, disse.
“Na verdade, o que falta nesses locais é tecnologia. Claro que temos que melhorar as condições para o exercício da profissão, mas não posso dizer que não sou capaz de auscultar alguém, fazer um procedimento ou uma prescrição porque não tenho tecnologia disponível”, acrescentou.
Ele lembrou que o serviço obrigatório é adotado em vários países desenvolvidos, como o Reino Unido, onde a medida faz parte do processo de formação dos profissionais, configurando requisito necessário ao ingresso na residência médica.