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Este é o real impacto do áudio de Joesley para o futuro de Temer

O diálogo com Joesley Batista sobre Cunha não condena Temer, mas o estrago político que ele causa é inegável, dizem especialistas ouvidos por EXAME.com

Michel Temer (Igo Estrela/Getty Images)

Michel Temer (Igo Estrela/Getty Images)

Maurício Grego

Maurício Grego

Publicado em 19 de maio de 2017 às 05h55.

Última atualização em 12 de julho de 2020 às 13h06.

São Paulo — A gravação da conversa entre Joesley Batista e Michel Temer que sacudiu o país não é tão conclusiva quanto sugeriam os primeiros relatos sobre ela – ao menos na parte que faz referência a Eduardo Cunha.

Mas ela inclui trechos que, se não permitem condenar Temer, ao menos justificam a abertura de investigação contra ele e causam estrago político inegável, dizem especialistas ouvidos por EXAME.com.

A gravação foi feita por Joesley, sócio do grupo JBS, e entregue à Procuradoria Geral da República como parte da delação premiada que o empresário realiza no âmbito da operação Lava Jato.

A existência desse áudio foi revelada ontem pelo jornal O Globo. Mas ele só foi liberado para a imprensa hoje, depois que o ministro Edson Fachin, do STF, suspendeu o sigilo da delação da JBS.

Na parte da conversa em que Joesley e Temer falam sobre Cunha, ambos usam termos vagos. “Eu estou de bem com o Eduardo”, diz Joesley. “Tem que manter isso, viu”, responde Temer. A fala não deixa claro se Joesley realmente pagava a Cunha para mantê-lo calado sobre algum crime, como se divulgou inicialmente.

No entanto, logo em seguida, Joesley conta a Temer que estava “segurando” dois juízes. Na sequência, ele sugere que tinha um informante na força-tarefa da Lava Jato: “Então eu consegui um dentro da força-tarefa que também tá me dando informação”, diz.

É um trecho que desperta suspeitas mais fortes do que aquele sobre Cunha. “Se houvesse apenas o trecho referente ao Cunha, poderíamos pensar em interpretações diferentes e dúvidas sobre a gravidade da situação. Mas há a descrição de outros fatos, como a existência de um infiltrado na Procuradoria Geral da República”, diz Michael Mohallen, professor de ciências políticas da FGV-Rio.

“Ele não pode, em momento algum, em uma república séria, ser indiferente quando o empresário da maior empresa de carne do mundo fala algo sobre uma investigação policial. O presidente deveria ter reagido na própria conversa; ou então, depois, levado o fato ao conhecimento das autoridades. Não há notícia de que isso tenha acontecido”, completa Mohallen.

Crime de responsabilidade?

Na conversa com Temer, Joesley chega a afirmar que vai conseguir, de alguma forma, a troca do procurador que o está investigando. Ele pondera que isso pode dar algum tempo à sua defesa, mas que há o risco de o novo procurador ser ainda mais rigoroso que o anterior:

“E lá que eu estou para dar conta de trocar o procurador que está atrás de mim. Se eu der conta, tem o lado bom e o lado ruim: o lado bom é que dá uma esfriada até o outro chegar. O lado ruim é que, se vem um cara com raiva, que não sei o que…”, diz Joesley.

Temer responde com frases telegráficas. Considerando-se que a fala de Joesley foi, no mínimo, suspeita, sua atitude pode ser vista como conivência com possíveis atos ilegais.

“É um indício forte de que havia ciência do presidente da república de certas condutas que visam obstruir as investigações”, afirma Flávio de Leão Bastos, professor de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie.

Alamiro Velludo Salvador Netto, professor da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, tem opinião semelhante:

“Todo agente público tem o dever de zelar pela legalidade. Se ele sabe de algo ilícito dentro do seu âmbito funcional, tem o dever de comunicar às autoridades. E o âmbito funcional de um presidente é amplo”, afirma.

“O presidente não está sujeito só a crimes do Código Penal. Está também sujeito a dispositivos das leis de responsabilidade, que vão além dos crimes previstos no Código Penal e falam de algo mais amplo, de conceitos e princípios morais que regem toda uma liturgia sobre o que significa exercer o cargo de presidente”, acrescenta Netto.

E agora, Temer?

Os juristas ouvidos por EXAME.com destacam que ainda não se pode sustentar que Michel Temer, de fato, cometeu um crime. Afinal, há todo um processo legal antes que se chegue a um veredito sobre o caso. Mas, nas palavras de Bastos, do Mackenzie, uma ideia parece certa: “o estrago político está feito”.

Em seu pronunciamento na tarde de quinta-feira, Temer afirmou que não vai renunciar à presidência. Ele foi bastante enfático ao se declarar inocente e pediu que investigações fossem feitas rapidamente. Isso sinaliza que ele pretende lutar para manter seu cargo – o que não será uma batalha fácil.

“A base de apoio no Congresso já está em ruínas. Portanto, por diversos ângulos que se observe a situação, a posição de Temer é insustentável”, diz Marcelo Issa, sócio-diretor da empresa de consultoria política Pulso Público.

Veja a transcrição do momento em que Joesley e Temer falam sobre Cunha:

JOESLEY BATISTA: Queria te ouvir um pouco, presidente. Como o senhor está nessa situação toda aí, do Eduardo, não sei o quê …

MICHEL TEMER: O Eduardo resolveu me fustigar. Você viu que …

JOESLEY BATISTA: Eu não sei, como está a situação?

MICHEL TEMER: Eu não tenho nada a ver com a defesa. O Moro indeferiu 21 perguntas dele. Eu não tenho nada a ver com a defesa dele. Eu não fiz nada [inaudível] .. no Supremo Tribunal Federal. Então, é só.

JOESLEY BATISTA: Dentro do possível, eu fiz o máximo que deu ali, zerei tudo, o que tinha de alguma pendência daqui para ali, zerou tudo. E ele foi firme em cima e já estava lá, veio, cobrou, tal, tal, tal. Pronto. Acelerei o passo e tirei da fila. O único companheiro dele que está aqui, porque o Geddel sempre estava [inaudível] Geddel é que andava sempre ali, mas o Geddel eu perdi o contato, porque ele virou investigado e eu não posso também …

MICHEL TEMER: É complicado

JOESLEY BATISTA: … não posso encontrar ele.

MICHEL TEMER: [inaudível]

JOESLEY BATISTA:: O negócio dos vazamentos, [inaudível], o telefone do Eduardo com o Geddel. Volta e meia citava alguma coisa meio tangenciando a nós, a não sei o que. Eu tô lá me defendendo. Como é que eu dei mais ou menos dei conta de fazer até agora: eu estou de bem com o Eduardo

MICHEL TEMER: Tem que manter isso, viu.

JOESLEY BATISTA: Tô segurando as pontas, tô indo. Nesse processo, eu tô meio enrolado. É investigado, não tenho ainda a denúncia.

JOESLEY BATISTA: Tô segurando as pontas, tô indo. Nesse processo, eu tô meio enrolado no processo assim.

TEMER: [inaudível]

JOESLEY BATISTA: É investigado, não tenho ainda a denúncia. Eu dei conta de um lado o juiz, dá uma segurada, do outro lado o juiz substituto que é um cara que ficou …

TEMER: Está segurando os dois …

JOESLEY: É, estou segurando os dois. Então eu consegui dentro da força tarefa que também tá me dando informação. E lá que eu estou para dar conta de trocar o procurador que está atrás de mim. Se eu der conta, tem o lado bom e o lado ruim: o lado bom é que dá uma esfriada até o outro chegar. O lado ruim é que se vem um cara com raiva, que não sei o que…

TEMER: Mas o que você está lá?

JOESLEY: O que está me ajudando está bom, beleza. Agora, o principal que é um … tem um que tá me investigando. Eu consegui colar um no grupo. Agora, eu tô tentando trocar…

TEMER: O que tá…

JOESLEY: Isso. Então, tá meio assim… Ele saiu de férias, até essa semana eu fiquei preocupado que saiu um burburinho de que iam trocar ele, eu fiquei com medo. Tô contando essa história só para dizer assim: eu tô me defendendo, me segurando. Os dois lá tô mantendo, tudo bem. Mas o Geddel tava aqui, aquele negócio da anistia quase não deu.

TEMER: Quase … [inaudível] mas se todos se reunirem e fizerem isso …

JOESLEY BATISTA: Queria ter alguma sintonia contigo pra poder eu falar com ele e ele não jogar "ah, não, o presidente"

MICHEL TEMER: Que eu não deixo.

JOESLEY BATISTA: "o presidente não quer". Po, Henrique, mas você é um banana então! Daí eu falei com ele do Cade lá, que o presidente do Cade ia mudar, né. Ou mudou já mudou, já botou...

MICHEL TEMER: Já mudou...

JOESLEY BATISTA: Aí eu disse assim, "pô, o presidente do Cade aí, tem que botar", "ah, isso aí num..." Bom, eu quero dizer é o seguinte, resumindo. Eu também não sei se é a hora de mexer em algumas coisa porque, dentro de um conceito geral, eu também não quero importunar ele. Também, é, é. Se eu for mais... Eu trabalhei com ele quatro anos. Se eu for mais firme nele, né. "Po, Henrique, você tem que", bom, eu acho que ele corresponde.

MICHEL TEMER: Ele... Não sei se você sabe, mas uma das influências maiores que determinaram a vinda dele [inaudível]

JOESLEY BATISTA: O meu, e até voltando um pouco ao caso do Eduardo, na época, antes de... "ó briguei lá e tal. ó, agora tem que ver se ninguém..." Tudo bem aí ele, uns 15 dias antes dele, ele teve em casa, o Eduardo Cunha, ele veio e deu uma cobradazinha em mim "ó, tem que trabalhar, né" e não sei o que, tal. "Eduardo, não é assim também." [inaudível]

MICHEL TEMER: E deu no que deu...

JOESLEY BATISTA: Deu no que deu. Aí, eu disse, "Eduardo", isso uns 15 dias antes, "Eduardo, não é assim não, peraí pô". [inaudível] Ele falou, "por, você tá com a Ferrari com aí". Porque ele tinha a referência de que a gente ficou, é, Fazenda, Banco Central, né, o Banco Central perdeu o status de ministro, né. O Henrique ficou muito prestigiado. Mas peraí. O Henrique também não vai sair assim fazendo. Eu queria só te dar um toque em relação a isso e eu não sei o quanto eu vou mais firme, o quanto eu deixo ele com essa "pepineira" dele aí e tal. Enfim...

(…)

JOESLEY BATISTA: Tô fazendo 50 mil por mês.

MICHEL TEMER: Pro garoto.

JOESLEY BATISTA: Pro rapaz [inaudível] me dar informação, pelo menos me dar informação.

E esta é a gravação da conversa entre Joesley e Temer:

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