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Estaremos onde quisermos, diz 1º mulher a chefiar a Polícia Civil do RS

Em entrevista a EXAME, Nadine Farias Anflor conta seus planos e metas à frente da instituição, que completa neste ano 178 anos de história

Nadine: aos 42 anos, ela assume a Polícia Civil do Rio Grande do Sul (Facebook/Reprodução)

Nadine: aos 42 anos, ela assume a Polícia Civil do Rio Grande do Sul (Facebook/Reprodução)

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Clara Cerioni

Publicado em 27 de janeiro de 2019 às 08h00.

Última atualização em 27 de janeiro de 2019 às 08h00.

São Paulo — Aos 16 anos, Nadine Farias Anflor deixou a casa de seus pais, no interior do Rio Grande do Sul, com o objetivo de ter sua independência e sem planos definidos para o futuro.

Vinte e seis anos se passaram e hoje, aos 42 anos, ela enfrenta o maior desafio de sua vida: ser a primeira mulher a chefiar a Polícia Civil do Rio Grande do Sul, que completa neste ano 178 anos de existência.

"Isso é para provar que a mulher pode estar em qualquer lugar que quiser", relata Nadine em entrevista por telefone concedida a EXAME.

Defensora das causas femininas, a delegada assume o posto no momento em que o Estado enfrenta um aumento no número de homicídios e sob o espectro de combater o feminicídio, que tem assolado o país nos últimos meses.

Segundo o Atlas da Violência de 2018, o RS é o único estado da região Sul e Sudeste que “apresentou crescimento gradativo de violência letal nos últimos dez anos”. Em 2006, a taxa de homicídios a cada 100.000 habitantes era de 18,1. Em 2016, saltou para 28,6 casos, um aumento de 58%.

"O maior bem é a vida, então não podemos deixar de colocar os homicídios como uma das prioridades do nosso trabalho", diz.

Para ela, a repercussão de sua nomeação foi uma surpresa. "Infelizmente isso ainda é notícia e meu objetivo quando aceitei o desafio é realmente quebrar esse paradigma".

Na entrevista, Nadine fala sobre suas ações e cita também a decisão de colocar mulheres em outros cargos de chefia dentro da Polícia Civil. Confira os principais trechos da conversa:

EXAME: Em 177 anos de história da Polícia Civil, você é a primeira mulher a chefiá-la. Qual a importância histórica dessa sua conquista profissional?

Nadine: Para nós gaúchas é uma quebra de paradigma, porque foi preciso de 177 anos para uma mulher chefiar a Polícia Civil. Infelizmente isso ainda é notícia e meu objetivo quando aceitei o desafio é realmente quebrar esse paradigma e dizer que podemos estar em qualquer lugar.

Sei que essa minha conquista é uma forma de representar todas as mulheres que já passaram pela Polícia Civil. Elas trilharam esse caminho para que hoje a instituição pudesse ter uma chefe mulher.

Cheguei aqui com naturalidade e a repercussão externa foi até maior do que imaginei. O que espero é que em breve isso não seja mais notícia. Não queremos nem mais nem menos.

Estou aqui para mostrar que esse não é mais um papel masculino, nós mulheres também temos competência para assumir uma área tão sensível como a Polícia Civil.

Apesar disso, sei que serei cobrada duplamente pelo fato de ser mulher, mas a minha ideia é que as próximas não sejam. Chego com tranquilidade para assumir o trabalho, já que tenho 15 anos de história dentro da PC. Recebi apoio de todos os colegas, não só as mulheres, mas sinto a vibração feminina pela minha nomeação.

Quando foi distribuir as funções dentro da PC, você pensou na igualdade de gêneros?

Nós já somos 37% do efetivo da PC, mas na minha organização fiz questão de colocar uma chefe mulher no departamento de homicídio e da Região Metropolitana — duas áreas bastante sensíveis do nosso trabalho, que nunca tinham tido uma gestora mulher.

Mas houve uma feliz coincidência nessa organização: hoje a PC do Rio Grande do Sul tem 12 diretores de departamento e quando terminei de designar as funções eu percebi que há seis diretoras e seis diretores. Foi bastante natural.

Mas a inovação foi colocá-las onde nunca antes tinham estado. Mulher não fica só na área administrativa, na academia de polícia ou no cuidado de crianças e adolescentes. É claro que não é nenhum demérito trabalhar nessas áreas, inclusive porque um homem não daria conta de cuidar de crianças e adolescentes, por exemplo.

Quais serão os pilares da sua gestão?

Evidentemente que o maior bem é a vida, então não podemos deixar de colocar os homicídios como uma das prioridades. Queremos manter a marca de 70% dos índices de elucidação de crimes de homicídio.

Mas ainda vamos mais além: teremos como prioridade os crimes patrimoniais, como roubo de veículo, principalmente na capital. Iremos focar também nos roubos em geral com arma de fogo.

Será nosso papel dar um olhar diferenciado para as delegacias que atuam com organizações criminosa, para fazer repressão dos líderes do tráfico de drogas.

Por fim, trataremos da corrupção em todos os níveis, tanto dentro da polícia quanto no combate à corrupção dos crimes contra a administração pública.

E claro, sem nunca dar deixar de dar grande atenção ao combate à violência contra a mulher.

Essa é uma questão preocupante, já que temos visto índices altíssimos de feminicídio no Brasil. Como será a atuação do Rio Grande do Sul nessa questão?

Bom, a Delegacia da Mulher foi a minha primeira filha, como costumo dizer, porque trabalhei com isso por mais de dez anos. Hoje temos 22 delegacias especializadas no atendimento à vítimas de violência doméstica.

O problema é que esse é um crime silencioso: não tem cor, não tem classe social e todas as mulheres estão sujeitas a se tornarem vítimas. Nos últimos meses, percebemos um aumento nas taxas de feminicidio e um decréscimo no registro de ameaça. E isso é muito preocupante.

As mulheres precisam fazer boletim de ocorrência no primeiro sinal de violência, seja ela ameaça, injúria ou ofensa verbal. É preciso se socorrer e pedir apoio.

Para que consigamos fazer nosso trabalho, as prefeituras e os municípios terão que entrar nessa luta, porque a violência doméstica não atinge apenas a mulher, mas a família toda. É necessário criar uma rede de fiscalização da Lei Maria da Penha, que incentive a mulher a sair do ciclo de violência.

Além disso, também é mais do que necessário que comecemos a trabalhar com os homens, porque às vezes a mulher consegue romper com ele, mas logo depois o agressor encontra outra. E tudo começa de novo.

A flexibilização do posse de armas pode aumentar os casos de feminicídio?

Sobre esse assunto estou evitando fazer muitos comentários ainda, porque precisamos ver as consequências do decreto. Mas de forma geral ter uma arma dentro de casa é mais um instrumento para o agressor.

Sem a arma, no entanto, ele não seria impedido. É óbvio que a violência pode ser facilitada e poderá haver mais vítimas. Com arma ou sem arma a preocupação é em como vamos proteger essas mulheres.

Em relação à corrupção, você já tem detalhes sobre como vai combater esse crime?

Depois da Lava Jato nós conseguimos ver uma cara e um norte do que o Brasil precisa combater em relação à corrupção. Atualmente temos 12 delegacias especializadas nesse tipo de crime.

Ainda vamos reforçar nosso quadro de funcionários, porque temos 400 agentes em formação que assim que concluírem o treinamento serão destinados a essas delegacias.

Queremos estender nosso efetivo para fazer um trabalho forte de inteligência, que é o coração da Polícia Civil.

Nós, mulheres, costumamos ver de forma bastante positiva e até animadora quando uma outra mulher assume um cargo de chefia no Brasil. Como você interpreta esse sentimento?

Eu fico honrada, penso nisso todos os dias. Principalmente pela representatividade. Muitas adolescentes se identificaram com a minha nomeação e me falaram que querem se tornar policiais um dia.

Eu tenho dito que não cumpro essa missão só por mim, porque eu já estou aqui, mas sim pelos jovens e pela sociedade. Se eu conseguir fazer a diferença eu já ficarei bastante realizada.

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