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Estados buscam doador europeu contra desmatamento

Após decisão do governo sobre o Fundo da Amazônia, maiores Estados da Região Norte passaram a buscar parcerias diretas com doadores internacionais

Desmatamento: entre os estados há consenso de que a devastação avança e que faltam recursos para fiscalizar e proteger a floresta (Nacho Doce/Reuters)

Desmatamento: entre os estados há consenso de que a devastação avança e que faltam recursos para fiscalizar e proteger a floresta (Nacho Doce/Reuters)

EC

Estadão Conteúdo

Publicado em 11 de agosto de 2019 às 14h40.

São Paulo — Após a decisão do governo federal de paralisar as ações do Fundo Amazônia, sob a justificativa de que teria encontrado supostas irregularidades na condução do programa pelo BNDES, os maiores Estados da Região Norte passaram a buscar parcerias diretas com doadores internacionais para financiar ações de combate ao desmatamento. Há consenso de que a devastação avança e que faltam recursos para fiscalizar e proteger a floresta.

Nas últimas semanas, representantes da Alemanha e da Noruega, os maiores doadores do fundo, se reuniram com integrantes desses Estados para discutir alternativas de repasses diretos, sem a necessidade de passar pelo governo do presidente Jair Bolsonaro.

Os encontros e discussões foram confirmados pelos governadores do Pará, Amazonas e Mato Grosso — que está na área de influência da floresta e integra a chamada Amazônia Legal.

Criado em 2007, o Fundo Amazônia é um programa tocado pelo governo federal, em parceria direta com os países europeus. A possibilidade de o acordo acabar acendeu um alerta nos Estados, que analisam a possibilidade de abrir um canal direto com os doadores internacionais, inclusive sem a participação do BNDES.

Os recursos, avaliam, poderiam ser direcionados, inclusive, a instituições financeiras estaduais, como o Banco da Amazônia (Basa) e o Banco do Pará. "Tudo está em aberto. São possibilidades", afirmou o governador paraense, Helder Barbalho (MDB).

"Temos de buscar alternativas econômicas que possam garantir a sustentabilidade da floresta em pé. Está muito claro que Alemanha e Noruega estão buscando parceiros. Nós temos o desejo e a demanda. Se isso será feito por meio de uma articulação federal, não somos contrários a isso. Agora, nós não vamos ficar a reboque disso", disse. "Já temos parceria com a Alemanha. Agora estamos consolidando uma agenda para fazer um road show com a Noruega, que possa permitir a formalização de nossas parcerias."

Em junho, o governo do Pará assinou um contrato de contribuição financeira direta com o banco de desenvolvimento alemão KFW - o mesmo que faz as doações por meio do Fundo Amazônia - no valor de 12,5 milhões (R$ 55,2 milhões).

O objetivo: redução do desmatamento, com ações para o fortalecimento do licenciamento, monitoramento e fiscalização, e para desconcentração da gestão ambiental no Pará. "Nosso desejo é que o Fundo Amazônia continue e que seja fortalecido. Não adianta o governo federal ficar discutindo dados. É fato que há uma expansão de desmatamento", completou Barbalho.

Paralelamente ao Fundo Amazônia, Alemanha e Reino Unido têm realizado convênios pontuais com Estados da região para financiar iniciativas de combate ao desmatamento. Esses, no entanto, estão longe do potencial dos R$ 3,4 bilhões doados, a fundo perdido, pela Noruega (94%) e Alemanha (5,5%). Por isso, os Estados consideram crucial a continuidade do acesso aos recursos, mesmo sem a participação federal.

"Essa situação de paralisia do Fundo Amazônia por causa desses embates é algo que nos preocupa muito porque há uma urgência em utilizarmos recursos, não apenas para proteger, mas para conservar", disse Wilson Lima (PSC), governador do Amazonas. "Os investimentos do Fundo Amazônia precisam estar mais próximos dos principais interessados, que é quem mora na Amazônia."

Lima disse que tem buscado ampliar os investimentos com o banco KFW e com outros apoiadores internacionais que tenham interesse em ajudar na proteção da Amazônia. "Respeitamos essa questão do governo federal, mas a gente vai, na medida do possível, estabelecendo essas parcerias internacionais, entendendo o que é prioridade dentro de nossa política pública."

Diagnóstico

A gestão do Fundo Amazônia virou foco de crise desde maio, quando o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, declarou ter encontrado "fragilidades na governança e implementação" dos projetos em contratações feitas pelo BNDES. A diretoria responsável pela execução do programa no banco foi afastada, o que resultou em protestos dos servidores e pedidos de exoneração.

O governo anunciou que apresentaria as irregularidades e proporia uma nova estrutura de operação. Até hoje, porém, essa nova estrutura não foi detalhada e não há previsão de um novo acordo. "Estamos tocando nossas ações internas e temos buscado construir pontes diretas com algum tipo de mecanismo ou organismo que possa nos ajudar, seja pelo Fundo Amazônia ou outras iniciativas", disse Mauro Mendes (DEM), governador do Mato Grosso. "Tenho recebido embaixadores da Noruega, Reino Unido, Alemanha, Chile e Luxemburgo." Mato Grosso também já recebeu valores do banco alemão KFW.

Questionada sobre o tema, a embaixada da Noruega declarou que "ainda" não há parcerias diretas firmadas com os Estados da área de influência da Amazônia. A embaixada alemã informou que não iria comentar. Ricardo Salles disse que "os Estados têm todo direito de fazer isso (parcerias diretas)". "Espero que obtenham o máximo de recursos possível." O ministro disse achar possível chegar a um acordo com a Noruega.

Os governos da Noruega e da Alemanha afirmam que nunca encontraram problema na gestão do fundo. O do Brasil, porém, insiste que há irregularidades e critica duramente a participação de ONGs nas ações promovidas nos Estados. O argumento é que a maior parte dos recursos seria usada para pagar funcionários de organizações, em vez de ir diretamente para o combate ao desmatamento.

Embate

Na semana passada, as relações entre o governo brasileiro e o da Noruega se desgastaram ainda mais. Em audiência na Câmara, Salles disse que os noruegueses não podiam criticar o Brasil porque tinham passivos ambientais graves, como explorar petróleo no Ártico e caçar baleias. O país reagiu e declarou que sua indústria petrolífera "é líder global em padrões de saúde, segurança e proteção ambiental" e que sua atividades petrolíferas "estão entre as mais limpas do mundo".

A decisão dos governos estaduais de buscar acordos diretos com os países europeus ocorre no momento em que o presidente Bolsonaro enfrenta forte resistência internacional por causa dos altos índices de desmatamento recém divulgados. Internamente, a visão do Planalto em relação à questão ambiental não é vista como um bom negócio pelos governadores, que buscam saídas para a falta de recursos especialmente em áreas carentes da floresta.

Os governadores do Amazonas e de Mato Grosso são alinhados com políticas de Bolsonaro e procuram manter diálogo com o Planalto. No Pará, porém, Helder Barbalho foi um dos governadores que, no segundo turno da eleição do ano passado, adotaram postura neutra e não apoiaram o então candidato do PSL.

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