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ESG começa com Governança: contradições no Dia da Terra

OPINIÃO | O planeta precisa de um fundraiser para combater as mudanças climáticas

Planet earth globe view from space showing realistic earth surface and world map as in outer space point of view. 
3d-Rendering in Blender , Abtract finance background
Elements of this image furnished by NASA 
https://eoimages.gsfc.nasa.gov/images/imagerecords/57000/57752/land_shallow_topo_2048.jpg (Nasa/divulgação/Getty Images)

Planet earth globe view from space showing realistic earth surface and world map as in outer space point of view. 3d-Rendering in Blender , Abtract finance background Elements of this image furnished by NASA https://eoimages.gsfc.nasa.gov/images/imagerecords/57000/57752/land_shallow_topo_2048.jpg (Nasa/divulgação/Getty Images)

Marcos Calliari
Marcos Calliari

CEO da Ipsos no Brasil

Publicado em 27 de maio de 2023 às 08h04.

Já é consenso que combater as mudanças climáticas é tarefa de todos – governos, empresas e indivíduos. Também está claro que atacar o tema é tarefa urgente, e a percepção dos riscos é enorme. Mas, ainda parece haver uma área nebulosa com relação ao quanto custa frear o aquecimento, e, mais importante, quem seria o responsável por arcar com essa conta. O planeta precisa de um fundraiser para combater as mudanças climáticas.

Esta urgência fica clara quando constatamos que, na onda mais recente do Ipsos Global Trends, um estudo de tendência globais realizado em 50 países, 80% da população global declara que estamos caminhando para um desastre ambiental, a menos que mudemos nossos hábitos rapidamente – no Brasil, são os mesmos 80% da média global.

A pesquisa Ipsos “Earth Day 2023”, lançada na ocasião do Dia da Terra, também corrobora esta visão urgente. A pesquisa que traz a opinião pública de pessoas em 29 países sobre tópicos envolvendo o meio ambiente, mostra uma forte concordância de que não conseguiremos enfrentar totalmente as mudanças climáticas se todos os países não trabalharem juntos. A média global de adesão a essa perspectiva é de 75%, sendo liderada pela África do Sul (83%) e com a menor anuência vinda dos Estados Unidos (66%); o Brasil está abaixo da média global, mas ainda com concordância inequívoca de 72%.

Já quando abordamos os possíveis culpados da emergência climática, vemos o seguinte cenário: 61% dos entrevistados acreditam que os países desenvolvidos – que mais contribuíram para a emergência climática e, por consequência, produziram a maior parte das emissões de carbono – deveriam pagar mais para resolver o problema. Sem nenhuma surpresa, aqueles que são solicitados a financiar o combate ao aquecimento global, devido à dívida histórica, são os que menos concordam com a afirmação. Japão (45%), Estados Unidos (46%) e Canadá (50%) compõem o trio de países que menos concordam com a afirmação. Ressalta-se, entretanto, que os números seguem expressivos.

Contudo, não é porque a maior parcela de responsabilidade é vista como sendo das nações mais desenvolvidas (e maiores causadoras das ações danosas ao meio-ambiente) que o Brasil não deve se posicionar mais ativamente na questão.

Com a situação atual, o melhor a se fazer é lutar com as armas que temos e sair um pouco do papel de ‘guardiões da floresta’. E, um primeiro passo para isso é deixarmos de ser coniventes com políticas incoerentes.

Cito aqui como exemplo a questão dos combustíveis fósseis que têm incentivos fiscais, mesmo sabidamente sendo mais poluentes. Pego emprestados dados do Inesc, organização sem fins lucrativos que monitora o orçamento público brasileiro sob um viés de direitos humanos. O relatório "Subsídio aos combustíveis fósseis no Brasil", divulgado no fim de 2022 com dados referentes ao ano anterior, mostra que os subsídios aos combustíveis fósseis totalizaram R$ 118,2 bilhões, já juntando os subsídios destinados à produção desses combustíveis e aos consumidores finais. Houve uma queda de 4,17% em relação a 2020 mais por uma questão de alteração de nomenclaturas que de política ambiental. Ao consumo de combustíveis fósseis, foram destinados R$ 71,9 bilhões, mostrou o Inesc, enquanto para a produção foram alocados R$ 46,3 bilhões, o que significa que o consumo representou 60,84% do total de subsídios.

O maior subsídio ao consumo naquela ocasião foi motivado pela pressão dos caminhoneiros –base eleitoral de peso do então presidente Jair Bolsonaro, – que resultou na isenção de PIS/Cofins para o diesel entre os meses de março e abril de 2021.

Há quem possa argumentar que estávamos vivendo mundialmente um período duro consequência da pandemia de Covid-19 e guerra na Ucrânia. E é verdade. Mas o que explica os dados parciais de 2022 já divulgados pela AIE (Agência Internacional de Energia) de que os subsídios globais ao consumo de combustíveis fósseis dobraram em relação ao ano anterior, atingindo o recorde histórico de US$ 1 trilhão?

Segundo o "Global Landscape of Climate Finance", estudo do Climate Policy Initiative que compreende o período de 2011 a 2020, os subsídios de 51 grandes economias – incluindo o Brasil – totalizaram US$ 6,8 trilhões, de acordo com a OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) e a AIE (2022), 40% a mais do que o financiamento climático.

Voltando à nossa pesquisa “Earth Day”, não dá para criticar os apenas 31% de entrevistados da média global que concordam que o seu o Governo tem um plano claro sobre como o setor público, as empresas e as próprias pessoas trabalharão juntas para enfrentar as mudanças climáticas – embora o Brasil esteja um pouco acima da média global aqui, com 41% de concordância. Os números decepcionam.

Aliás, aqui entra um papel de atuação mais coerente do Governo, como as pessoas esperam que ele haja. Sete em cada dez brasileiros (70%) concordam que se o Governo não agir agora no combate às mudanças climáticas, ele estará falhando com os cidadãos. A porcentagem do Brasil é superior à média global, que é de 61%.

Mas então, é papel do governo pagar esta conta da crise ambiental?

Na visão dos cidadãos pelo mundo, sim, mas é das empresas também. 69% dos entrevistados no Brasil concordam com a afirmação, de que se as empresas não agirem para combater as mudanças climáticas, elas estrão falhando com seus consumidores e funcionários – um média bem próxima a do governo.
Correndo o risco de soar demasiadamente ingênuo, digo que precisamos caminhar juntos para um novo modelo. E, com “juntos”, quero dizer que é preciso que a mudança de mentalidade seja transversal. Não é somente pedindo para a dona de casa jogar sua garrafa pet no lixo reciclável. É preciso ir muito além neste momento.

Ações de educação da população sobre programas de reciclagem (e uma estrutura de coleta para possa ser implementada de maneira abrangente), produtos mais sustentáveis vendidos a preços mais acessíveis aos consumidores (e com subsídios estudados para este tipo de produção), combate mais duro ao desmatamento e garimpo ilegal.

São muitas as ações possíveis, mas a primeira delas, hoje, tanto para o governo quantos para as empresas é ‘arrumar a própria a casa’ antes de colocar qualquer ação em prática.

Isso é o ESG na sua forma mais completa, porque essas três siglas são indissociáveis. A Governança é o pilar que amarra tudo e dá estrutura para que, o ambiental e o social consigam virar pauta. Tudo começa aqui.

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