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Era Bolsonaro: colégios públicos passam a ter gestão militar em Brasília

O sistema mais rigoroso inclui: modelo de corte de cabelo para meninos e coque para meninas, uniformes, filas e aulas de cidadania

Brasília: o início das aulas no centro educacional CED 07, em Ceilândia, representa o começo de sua transformação em "colégio militar" (Valeria Pacheco/AFP)

Brasília: o início das aulas no centro educacional CED 07, em Ceilândia, representa o começo de sua transformação em "colégio militar" (Valeria Pacheco/AFP)

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AFP

Publicado em 28 de fevereiro de 2019 às 12h08.

Última atualização em 28 de fevereiro de 2019 às 12h21.

Em um colégio público no entorno de Brasília, um sargento explica a um grupo de cerca de 20 alunos de 13 e 14 anos que as regras mudaram: a partir de agora, deve-se fazer fila para entrar na sala de aula, os meninos devem ter cabelo curto e as meninas, prendê-lo em um coque, no estilo militar.

O início das aulas no centro educacional CED 07, em Ceilândia, representa, também, o começo de sua transformação em "colégio militar", um modelo elogiado pelo presidente Jair Bolsonaro, capitão do Exército na reserva.

O colégio vai adotar o modelo de "gestão compartilhada": funcionários da Polícia Militar (PM) assumem as tarefas de disciplina e administrativas, enquanto professores respondem pela parte pedagógica.

"Estamos aqui para empoderar os professores", afirma o capitão da PM Newton de Araújo, vestindo um impecável uniforme celeste e azul marinho, enquanto organiza seus subalternos para que passem aos alunos as novas regras. "Chegamos para ser colaboradores e não usurpadores", esclarece.

Desde 11 de fevereiro, quatro escolas públicas de cidades-satélites da capital federal - com cerca de 7.000 estudantes - formam parte deste projeto piloto. "A previsão é chegar a 40 até o fim do ano", explica à AFP Mauro Oliveira, assessor da secretaria de Educação do Distrito Federal.

"Máquina dois nos lados, quatro em cima", disse o sargento Nunes tocando a própria cabeça, para explicar a um aluno, que escutava atentamente, como terá que cortar o cabelo. Uma jovem, de cabelo comprido, também perguntava sobre o estilo a ser usado pelas meninas.

Formar fila para entrar em sala é a primeira novidade.

Nos próximos meses, serão apresentadas outras determinações: os alunos usarão uniforme, os acessórios usados pelas meninas deverão ser "muito discretos", haverá uma cerimônia diária de hasteamento da bandeira nacional e terão aulas de cidadania.

"Através de princípios da cultura militar vamos aplicar regras como civismo, patriotismo, cidadania, ética", afirma o capitão Newton.

Para Lucas Monteiro, um aluno do CED 07 que aos 13 anos já participou de projetos educacionais militares, o novo modelo ajudará também a enfrentar os problemas de "agressão física e verbal entre os estudantes, como espancamentos e bullying".

Modelo de "sucesso"… ou de exclusão

Os quatro colégios foram selecionados, entre outros fatores, pelos baixos índices de desenvolvimento humano e o alto índice de criminalidade - como tráfico de drogas - nos bairros onde estão localizados, acrescenta o capitão Newton.

O Distrito Federal se inspirou nos 120 colégios públicos no Brasil, a metade no vizinho estado de Goiás, que já contam com esta metodologia há anos.

Bolsonaro afirmou durante a campanha eleitoral que "há um preconceito quando se fala sobre as escolas coordenadas por militares" e prometeu expandir o modelo.

"Já foi mais do que provado o sucesso deste modelo", declarou.

A proposta pretende melhorar a disciplina e o rendimento acadêmico, disse Newton.

A iniciativa escandalizou parte da comunidade educacional. A professora Carla Alcântara Souza é filha de militar, mas se opõe radicalmente ao projeto "imposto" no CED 07.

"Me preocupei muito quando nosso diretor de disciplina disse que aqueles que não se adaptarem a este modelo podem ir embora. Para um educador, escutar que 'se você não se adaptar pode sair', é doloroso", afirmou rodeada do barulho do recreio.

Para a professora, a personalidade dos alunos também será afetada.

"Vamos falar para um aluno negro com um penteado afro, que está começando a assumir sua identidade: infelizmente, agora você terá que se adaptar a um padrão no qual este traço da sua personalidade não é mais aceita", acrescenta.

Alguns alunos estão preocupados. "Tenho medo porque afetará nossa liberdade de expressão", disse Maria Eduarda Lacerda, de 14 anos, lembrando que já não poderá se vestir como gosta.

A autoridade não se transfere

"Muitos diziam que os policiais militares tomariam o lugar dos professores, que assumiriam o poder de decisão; a verdade é totalmente inversa. Queremos empoderá-los", alega o capitão Newton.

"Mas que modelo de sucesso é este?", questiona a professora Miriam Fabia Alves, da universidade de Goiás, que pesquisou a expansão dos colégios militares no estado nos últimos 20 anos.

"É possível conceder autoridade a outra pessoa? Isso não existe, não se faz transferência de autoridade, isso é um discurso falacioso. Essas escolas implantam uma lógica educacional extremamente conservadora", afirma.

Para pesquisadora, a gestão compartilhada "esconde" a entrega da gestão das escolas à Polícia Militar e aos bombeiros. Uma modalidade que, ao que parece, se propagará com força durante o governo de Bolsonaro, cujo ministro da Educação, Ricardo Vélez, já prometeu criar uma subsecretaria para as escolas militares.

"Hoje os astros se alinham para isso (…). Não tenho dúvida, tudo isto favorece muito a expansão deste tipo de escola", prevê Alves.

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