Pavilhão 9 da Casa de Detenção do Carandiru, onde ocorreu o massacre: de acordo com a sindicância, embora a entrada da polícia tenha sido avaliada como necessária, o resultado foi considerado um excesso. (Antonio Milena / VEJA)
Da Redação
Publicado em 13 de junho de 2013 às 07h48.
São Paulo – A primeira testemunha de defesa ouvida no julgamento do Massacre do Carandiru, o desembargador Ivo de Almeida, caracterizou como "desorganizada" a entrada da Polícia Militar no Pavilhão 9, para conter a rebelião ocorrida no dia 2 de outubro de 1992.
Juiz corregedor do presídio à época, Ivo de Almeida disse que o diretor do presídio, José Ismael Pedrosa, tentou negociar com os detentos instantes antes da invasão, mas a tentativa foi frustada, porque policiais militares o fizeram retroceder.
"Pedrosa pediu que os policiais militares o protegessem para uma tentativa de negociação. Ele foi junto com a tropa, protegido por escudos. Queria conversar com alguém, mas foi tolhido nessa ação", declarou.
O juiz corregedor disse que não viu exatamente o momento em que o diretor foi retirado pelos policiais, já que ele não ultrapassou a muralha. De acordo com o desembargador, o portão precisou ser arrombado por bombeiros, porque havia uma barricada.
Ao ser perguntado sobre o momento da ação policial, a segunda testemunha, o desembargador Fernando Torres Garcia, disse que a interrupção da tentativa de negociação se deu por conta dos objetos atirados pelo presos. "Não havia segurança. Lembro de uma privada que foi arremessada", informou.
O promotor Fernando Pereira da Silva, ao perguntar aos juízes sobre a entrada dos policiais no Pavilhão 9, fez referência ao depoimento dado pelo diretor do presídio à Justiça Militar, no qual ele se refere a esse momento como "estouro da boiada".
O desembargador Fernando Garcia avaliou que o uso da expressão foi indevido, tendo em vista que a confusão na entrada ocorreu porque o espaço era pequeno para passagem da tropa. "Foi uma ação organizada", declarou.
Nos meses que se seguiram ao massacre, três juízes foram responsáveis pela sindicância que ouviu agentes penitenciários, presos e policiais sobre a ação que resultou na morte de 111 detentos, em 2 de outubro de 1992.
De acordo com a sindicância, concluída no início de 1993, embora a entrada da polícia tenha sido avaliada como necessária, o resultado foi considerado um excesso. Dois desembargadores destacaram que não participaram da decisão sobre a invasão no presídio.
"Ubiratan [Guimarães, comandante da Polícia Militar na época] perguntou o que fazer. Eu disse: "Qual ordem você recebeu?". E ele respondeu que seria para entrar, se julgasse necessário. Nesse sentido, foi uma decisão exclusiva do Ubiratan", disse Fernando Garcia.
As falas dos desembargadores indicaram que eles só foram informados algum tempo depois sobre a existência de armas de fogo com os detentos. "Só vi armas brancas. Não vi [armas de fogo] nesse momento", declarou o desembargador.
Segundo ele, as armas foram recolhidas pelos policiais militares. Ele não soube informar se obteve informações sobre o armamento no mesmo dia ou se nos dias que se seguiram ao massacre.
Devem ser ouvidos hoje, como testemunhas de defesa de 26 policiais militares acusados pelo massacre, o governador à época, Luiz Antônio Fleury Filho, e o então secretário de Segurança Pública, Pedro Franco de Campos.
Duas das dez testemunhas convocadas pela advogada Ieda Ribeiro de Souza foram dispensadas, os policiais militares Reinaldo Pinheiro da Silva e Luiz Gonzaga de Oliveira.
Devido ao grande número de réus envolvidos, o julgamento do Massacre do Carandiru, que teve início ontem (14), está sendo feito em etapas. Neste primeiro júri, os réus são acusados por 15 mortes ocorridas no segundo pavimento do Pavilhão 9.