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Entenda as polêmicas sobre a PEC que cria benefícios sociais em ano eleitoral, aprovada pelo Senado

A três meses das eleições, governo pretende criar um voucher caminhoneiro e um benefício para taxistas, além de ampliar o valor do Auxílio Brasil e de dobrar o vale-gás

Plenário do Senado Federal  (Edilson Rodrigues/Agência Senado/Flickr)

Plenário do Senado Federal (Edilson Rodrigues/Agência Senado/Flickr)

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Alessandra Azevedo

Publicado em 3 de julho de 2022 às 10h00.

O Senado aprovou na quinta-feira, 30, uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que cria e amplia benefícios sociais, com o objetivo de mitigar os efeitos dos sucessivos aumentos nos preços dos combustíveis. 

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Para não ferir a Lei Eleitoral, que proíbe a criação de benefícios em ano de eleições, o texto prevê o estado de emergência no país. A proposta ainda precisa passar pela Câmara dos Deputados. 

Após horas de discussão no plenário do Senado, a PEC foi aprovada quase por unanimidade: apenas o senador José Serra (PSDB-SP) votou contra, nos dois turnos. No Twitter, ele disse que a PEC é uma “bomba fiscal”, que viola a Lei de Responsabilidade Fiscal e fura o teto de gastos. 

Durante a votação, muitos senadores fizeram críticas a pontos do texto, apesar de terem concluído que os benefícios se sobrepõem aos problemas. Veja as três principais polêmicas envolvendo a PEC:

  • Criação de benefícios a três meses das eleições

Alguns senadores apontaram o caráter eleitoreiro da concessão de benefícios à população a pouco mais de três meses das eleições. Segundo eles, a PEC pode melhorar a percepção de parte do eleitorado em relação ao presidente Jair Bolsonaro (PL), que figura em segundo lugar nas pesquisas de intenção de voto, atrás do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Além disso, as medidas vão durar apenas até o fim do ano -- a não ser pelo cadastro de 1,6 milhão de famílias no Auxílio Brasil, que ficarão enquanto cumprirem os requisitos -- o que mostra, para a oposição, que as medidas visam apenas as eleições.

“Aprovamos hoje uma PEC que tem forte risco de discussão com relação à sua própria constitucionalidade, na medida em que fazemos uma alteração sem respeitar o princípio da anterioridade, com impactos, evidentemente, eleitorais”, observou o senador Alessandro Vieira (PSDB-SE), após a votação na quinta-feira. 

Segundo Vieira, “não há de se ignorar um risco potencial de judicialização dessa questão”. Ainda assim, ele votou a favor, por entender que “a necessidade do povo se impõe e o legislador, devidamente embasado em pareceres da própria Casa, do próprio Senado, não pode descuidar em tentar atender, de alguma forma, aqueles que mais precisam”.

A senadora Zenaide Maia (PROS-RN) também fez ressalvas, apesar de ter votado a favor do texto. “É eleitoreiro, sim, porque o presidente nunca se preocupou com a extrema pobreza deste país”, argumentou, durante o voto. 

  • Estado de emergência

Para evitar que avancem medidas eleitoreiras que possam acabar gerando competição desigual entre candidatos, a lei proíbe a criação de benefícios sociais em ano de eleições. A lei nº 9.504 de 1997, conhecida como Lei Eleitoral, é clara ao vedar a prática, mas traz uma ressalva: benefícios só podem ser criados em situações de emergência ou calamidade no país. 

"No ano em que se realizar eleição, fica proibida a distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios por parte da Administração Pública, exceto nos casos de calamidade pública, de estado de emergência ou de programas sociais autorizados em lei", diz a Lei Eleitoral.

Por isso, o relator, senador Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), incluiu no texto a decretação de estado de emergência no país em 2022, “decorrente da elevação extraordinária e imprevisível dos preços do petróleo, combustíveis e seus derivados e dos impactos sociais deles decorrentes”. 

No relatório, ele argumenta que o país “passa por uma situação de emergência provocada pelo forte aumento no preço dos combustíveis, com seus impactos diretos sobre o custo de vida, e indiretos, via efeitos de segunda ordem sobre a inflação”. 

O reconhecimento do estado de emergência, segundo Bezerra, “é importante para dar o necessário suporte legal às diferentes políticas públicas, focadas nos mais vulneráveis”. Porém, pode haver judicialização da PEC porque os motivos para a emergência podem ser contestados.

O Decreto 10.593/2020 caracteriza estado de emergência como uma “situação anormal provocada por desastre que causa danos e prejuízos que impliquem o comprometimento parcial da capacidade de resposta do Poder Público do ente federativo atingido ou que demande a adoção de medidas administrativas excepcionais para resposta e recuperação”.

A instituição de um estado de emergência foi criticada por vários senadores, tanto que o relator precisou mudar o texto para conseguir aprová-lo. Na versão do parecer apresentada na quarta-feira, 29, havia um trecho que dizia que as medidas da PEC não observariam qualquer restrição ou vedação legal de qualquer natureza. 

Bezerra precisou retirar esse trecho, depois que senadores apontaram que isso seria dar um “cheque em branco” ao governo para outras medidas, como liberar mais verbas ou até decretar uma operação de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) neste ano. 

Na versão apresentada na quinta-feira, o relator deixou claro que as medidas autorizadas pelo estado de emergência reconhecido serão somente as previstas na PEC, “sem possibilidade de novos programas com base nessa mesma motivação”, garantiu.

  • Gastos bilionários e fora do teto

O texto que os senadores aprovaram foi o parecer à PEC 1/2022, que foi apensada à PEC 16/2022, conhecida como PEC dos Combustíveis, que previa compensação aos estados pela redução a zero do ICMS sobre combustíveis. 

Na prática, Bezerra abandonou a ideia de compensação aos estados, recomendando o arquivamento da PEC 16, e focou na PEC 1, que foi apelidada de “PEC Kamikaze” no início do ano, justamente por criar benefícios com impacto fiscal bilionário fora do teto de gastos, regra que limita o aumento das despesas do governo. 

Ao apresentar um parecer com base na “PEC Kamikaze”, o relator manteve as premissas do texto original, que criava benefícios, mas fez algumas mudanças. O impacto fiscal do texto original chegava a R$ 100 bilhões. A versão aprovada pelos senadores custará R$ 41,25 bilhões.

O texto final, que foi enviado à Câmara, prevê a criação de um voucher caminhoneiro de R$ 1 mil e de um benefício para taxistas, além de ampliar o valor do Auxílio Brasil de R$ 400 para R$ 600 e dobrar o vale-gás de R$ 60 para cerca de  R$ 120 por bimestre.

Todos esses benefícios serão custeados por crédito extraordinário, fora do teto de gastos e das demais regras fiscais. Além disso, economistas já se preocupam com a possibilidade de que novos gastos fora do teto sejam aprovados neste ano, depois desse precedente. 

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