Dilma e Lula se abraçam na comemoração da vitória da candidata petista (REUTERS/Ueslei Marcelino)
Da Redação
Publicado em 27 de outubro de 2015 às 18h06.
Última atualização em 2 de agosto de 2017 às 12h50.
São Paulo – Em paralelo à Operação Lava Jato, a Polícia Federal toca uma investigação de fraudes fiscais em julgamentos que definem multas e sanções a grandes empresas que praticaram irregularidades no Brasil. Trata-se da Operação Zelotes.
Mesmo para quem ainda não viu nada a respeito do assunto, o esquema é simples de entender: multas concedidas a empresas que devem ser pagas aos cofres públicos são julgadas pelo Carf (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais), composto de 120 conselheiros eleitos e ligado ao Ministério da Fazenda.
Parte desses conselheiros receberam propina para suavizar ou perdoar as dívidas no Conselho, tornando o gasto da empresa muito menor do que se tivesse que ressarcir os cofres públicos. O prejuízo já confirmado pela PF é de R$ 6 bilhões de reais.
Cerca de 70 empresas de setores como bancário, automobilístico, siderúrgico, entre outros, estariam envolvidas. São nomes grandes, como Petrobras, Embraer, Mitsubishi, Ford, Santander e Gerdau.
Em sua fase mais recente, deflagrada pela PF ontem, a investigação se aproximou também do alto escalão da política nacional.
Foi expedido um mandado de busca e apreensão à LFT Marketing Esportivo, empresa do filho mais novo do ex-presidente Lula, Luís Claudio Lula da Silva.
Ele é suspeito de ter recebido repasses do escritório de advocacia Marcondes & Mautoni como parte de um processo de compra de Medidas Provisórias para prorrogações de isenção do IPI de automóveis no período de Lula como presidente do Brasil.
O episódio teria azedado ainda mais a relação entre o ex-presidente e sua sucessora. Lula responsabilizou a presidente Dilma pela operação de busca e apreensão feita na LFT, dizendo que a situação “passou dos limites”, segundo informação do jornal O Estado de S. Paulo.
Veja abaixo os quatro passos para entender como vêm se desenvolvendo a Operação Zelotes desde março.
O que é o Carf?
O Conselho Administrativo de Recursos Fiscais é um tribunal de segunda instância que julga dívidas tributárias de empresas com o governo. Há o poder de chancelar as dívidas por incorreções fiscais impostas, suspendê-las ou corrigi-las. Em resumo: é a última instância para se recorrer a uma multa aplicada pela Receita Federal.
Como foi descoberto o esquema?
A denúncia sobre o esquema chegou a PF através de uma carta anônima, como reporta a Folha de S. Paulo. Outro fator que levantou suspeitas sobre o esquema foi o fato de cargos de conselheiro, que não são remunerados, estarem sendo disputados a fio pelos candidatos, por conta da propina paga.
Como funcionava?
Os responsáveis por esse julgamento são 120 conselheiros da sociedade política (Ministério da Fazenda) e civil (empresas e advogados, por exemplo). Cada turma do Carf que analisa os processos é composta por seis conselheiros, sendo três de cada tipo.
Como os civis tendiam a votar a favor de anulações, parte importante do processo era corromper um indicado por político. A propina acertada pelas empresas era de até 10% do valor da multa cobrada pela Receita Federal.
Geralmente, as consultorias ou escritórios de advocacia com contato dentro da Carf e informações privilegiadas ofereciam às empresas a possibilidade de controlar os processos.
Há casos inversos de empresas que fizeram contato direto com consultorias ou conselheiros para que fizessem lobby. Mas, para a maioria, uma comissão era paga às consultorias e outra para os conselheiros para que a dívida terminasse perdoada.
Como está a investigação?
A investigação está em curso desde março. As primeiras empresas foram citadas apenas dias depois junto com o anúncio da apreensão de R$ 2 milhões de conselheiros envolvidos no esquema, além de veículos e joias.
Foram citados inicialmente o Banco Safra e a Caoa, entre as companhias envolvidas. Ainda em março, o Carf suspendeu todos os seus julgamentos em prevenção à contaminação da corrupção.
No mês seguinte, o ex-presidente do Conselho foi conectado à investigação através de um e-mail que ele garantia 95% de chances de vitória à Ford caso ele interferisse, como relatou a Folha de S. Paulo. Segundo o jornal, havia até uma tabela de preços para a manipulação de resultados. Uma força-tarefa foi montada pela PF para investigar o esquema.
Em maio, o Senado abre uma CPI para investigar o Carf. A essa altura foram convocados executivos da Ford, Mitsubishi, Santander, Grupo RBS, Confederação Nacional do Comércio, Anfavea, Caoa, Engevix e outras para depor. Ex-conselheiros do órgão também, caso do ex-presidente Edison Pereira Rodrigues e Lutero Fernandes do Nascimento, assessor do também ex-presidente Otacílio Dantas Cartaxo.
Em julho, foram quebrados os sigilos bancários e telefônicos de altos executivos da MMC, empresa brasileira que controla a Mitsubishi. Foi através dessa quebra de sigilo que foram descobertos vínculos com o filho de Lula.
Em outubro, reportagem publicada pelo jornal O Estado de S. Paulo mostrou que escritórios de advocacia foram contratados por lobistas para atuarem pela edição da MP471, que prorrogava incentivos fiscais de R$ 1,3 bilhão por ano para favorecer montadoras de veículos.
Foram negociados pagamentos de até R$ 36 milhões a lobistas e a MP foi aprovada pelo Congresso em novembro de 2009. Ainda segundo a reportagem, empresas como a MMC e o Grupo Caoa contrataram os escritórios SGR Consultoria Empresarial e a Marcondes & Mautoni Empreendimentos para obter a extensão da redução de IPI até 2015.
Segundo a Procuradoria da República, Luís Cláudio Lula da Silva, filho do ex-presidente, teria recebido R$ 1,5 milhão em pagamentos da Marcondes & Mautoni Empreendimentos, possivelmente por lobby. O empresário confirmou os pagamentos, mas disse ter prestado serviços na área de marketing esportivo.
A SGR Consultoria, por sua vez, teria corrompido conselheiros do Carf para favorecer empresas que recorreram ao órgão para discutir multas. Umas dessas empresas teria sido a RBS, como reporta a Folha de S. Paulo.
A ponte entre RBS e SGR teria sido feita pela empresa Planalto Soluções e Negócios. Neste vínculo, a PF teria encontrado indícios de que o ministro do Tribunal de Contas da União Augusto Nardes, relator das contas da presidente Dilma Rousseff, pode ter recebido R$ 1,65 milhão de comissão.
Nardes foi sócio da Planalto até 2005, empresa que até hoje é registrada em nome de seu sobrinho, Carlos Juliano.
Em depoimento à CPI sobre vendas de sentenças no Carf, uma ex-funcionária do escritório J.R. Silva Advogados e Associados, Gegliane Bessa, confirmou que repassou dinheiro a Carlos Juliano. Nardes nega que tenha recebido qualquer pagamento.
No último dia 22, a Corregedoria da Fazenda instaurou o primeiro processo disciplinar por conta da Zelotes. O órgão, no entanto, não revelou nomes. Disse apenas se tratar de um caso de negociações para pedido de vista por conselheiro com promessa de repasse. O processo em questão é de crédito tributário de R$ 113 milhões.
Ontem, a PF cumpriu 33 mandados judiciais em São Paulo, Brasília, Piauí e Maranhão, sendo seis de prisão preventiva, 18 de busca e apreensão e nove conduções coercitivas. Entre as empresas vasculhadas estão a LFT Marketing Esportivo, de Luis Cláudio. No começo do mês, a CPI rejeitou a convocação de Luís Cláudio e Lula para prestar depoimentos.
Entre os presos está Mauro Marcondes, sócio da Marcondes e Mautoni. Foram levados para prestar esclarecimentos Eduardo Souza Ramos, sócio da Mitsubishi do Brasil, e Carlos Alberto de Oliveira Andrade, dono da Caoa.