Luiz Inácio Lula da Silva (Fabio Vieira/Getty Images)
Agência O Globo
Publicado em 8 de março de 2021 às 22h06.
Última atualização em 8 de março de 2021 às 22h11.
Após a decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Edson Fachin, que anulou condenações do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva no âmbito da Lava-Jato, nesta segunda-feira, O GLOBO preparou oito perguntas (e respostas) para esclarecer os fundamentos e os impactos deste novo desdobramento jurídico envolvendo o petista. Com a decisão de Fachin, temas como a elegibilidade de Lula e a validade de outras decisões proferidas pelo então juiz Sergio Moro tendem a ser reanalisadas.
Em resposta a um recurso da defesa de Lula, que questionava a competência da Justiça Federal de Curitiba para avaliar casos envolvendo o ex-presidente, Fachin acatou o argumento de que não houve conexão direta entre desvios na Petrobras e o pagamento de supostas vantagens indevidas a Lula pela empreiteira OAS, por exemplo, nos processos referentes ao tríplex do Guarujá e ao sítio de Atibaia.
Em outras palavras, Fachin firmou entendimento de que decisões proferidas por Moro na 13ª Vara Federal de Curitiba referentes a quatro ações, incluindo os casos do tríplex do Guarujá e do sítio de Atibaia, devem perder a validade, por não se tratar do foro adequado.
"Na estrutura delituosa delimitada pelo Ministério Público Federal, ao paciente são atribuídas condutas condizentes com a figura central do grupo criminoso organizado, com ampla atuação nos diversos órgãos pelos quais se espalharam a prática de ilicitudes, sendo a Petrobras S/A apenas um deles, conforme já demonstrado em excerto colacionado da exordial acusatória", escreveu Fachin.
"Mas não cuida a exordial acusatória de atribuir ao paciente uma relação de causa e efeito entre a sua atuação como Presidente da República e determinada contratação realizada pelo Grupo OAS com a Petrobras S/A, em decorrência da qual se tenha acertado o pagamento da vantagem indevida", afirmou o ministro do STF em outro trecho.
Em julho 2017, ao negar um recurso da defesa de Lula na primeira instância, o então juiz Sergio Moro já havia escrito que "este Juízo jamais afirmou, na sentença ou em lugar algum, que os valores obtidos pela Construtora OAS nos contratos com a Petrobrás foram utilizados para pagamento da vantagem indevida para o ex-Presidente".
Embora não tenha sido citado na decisão de Fachin, o trecho escrito por Moro se refere à mesma hipótese de conexão direta analisada pelo ministro do STF nesta segunda-feira.
Os advogados do ex-presidente Lula citaram, em sua petição, um entendimento construído inicialmente pelo Supremo Tribunal Federal (STF) numa questão de ordem de setembro de 2015, “segundo o qual a 13ª Vara Federal da Subseção Judiciária de Curitiba seria competente apenas para o julgamento dos fatos que vitimaram a Petrobras S/A, sendo imperativa a observância, em relação aos demais, às regras de distribuição da competência jurisdicional previstas no ordenamento jurídica”, conforme relatou Fachin em sua decisão.
No documento, Fachin cita outros casos que passaram pela Segunda Turma do STF, da qual o ministro faz parte, como uma ação que julgava pagamento de propina pela Odebrecht na obra da Refinaria Abreu e Lima, analisada em abril de 2018, e também uma investigação referente a vantagens indevidas envolvendo a Transpetro -- que constam em delação premiada de seu ex-presidente, Sérgio Machado --, analisada em setembro do ano passado.
Nesses casos, os ministros do STF adotaram o mesmo entendimento firmado em 2015 e redistribuíram casos originalmente a cargo da 13ª Vara Federal de Curitiba para outros tribunais, por avaliarem que o pagamento de vantagens ilícitas não teve conexão direta com desvios na Petrobras.
Porque o pedido de habeas corpus foi feito pela defesa de Lula em novembro de 2020, segundo informa Fachin logo no início de sua decisão. O ministro também explica que esta impetração foi “pela vez primeira assim apresentada” pelos advogados do ex-presidente. Fachin ainda faz a ressalva de que o pedido se refere a situações similares julgadas pelo STF em período recente, nos quais ele mesmo “restou vencido”.
O ministro também afirmou, na decisão, que usou o recesso judiciário de dezembro de 2020 a janeiro deste ano para analisar o pedido da defesa de Lula, “cotejando a linha evolutiva de seus contornos nesses últimos anos”.
Antes do recesso, Fachin havia chegado a remeter o habeas corpus para análise pelo plenário do STF. Os advogados, no entanto, contra-argumentaram nos embargos de declaração que havia uma “tese jurídica já uniformizada pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal” -- isto é, a necessidade de ser comprovada a conexão direta entre desvios na Petrobras e pagamentos de propina através de empreiteiras --, “razão pela qual a resolução da questão demandaria tão somente a verificação da sua incidência ao caso concreto”, sem caber nova análise por parte dos 11 ministros da Corte.
Fachin determinou a nulidade “apenas dos atos decisórios” tomados nos processos envolvendo Lula -- isto é, a apresentação e recedimento das denúncias e o julgamento propriamente dito.
Em sua decisão, o ministro do STF escreveu que “o juízo competente (deve) decidir acerca da possibilidade da convalidação dos atos instrutórios” -- ou seja, a Justiça Federal do Distrito Federal, apontada como foro competente para os casos envolvendo Lula, terá que decidir se confirma a validade de outros atos no processo, incluindo os depoimentos tomados por Moro em Curitiba e também as provas obtidas por meio de buscas e quebras de sigilo autorizadas pelo então juiz.
Um sorteio definirá o novo juiz do caso.
Segundo juristas, é possível que o inquérito seja convalidado até sua etapa final, com a manutenção de todos os procedimentos de obtenção de provas, apenas deixando a necessidade, por exemplo, de que os interrogatórios sejam refeitos. Para cada ato processual que o novo juiz do caso decida não convalidar, é necessário apresentar uma justificativa.
Sim. Como os processos em que Lula havia sido condenado em segunda instância foram anulados, o ex-presidente volta a ter sua elegibilidade permitida pela Lei da Ficha Limpa, que impede a participação eleitoral apenas de condenados por órgão colegiado (com mais de um juiz).
No entanto, caso uma nova denúncia seja apresentada contra o ex-presidente e julgada em primeira instância, e depois confirmada em segunda instância, antes do período de registro de candidaturas das eleições de 2022, Lula pode ficar inelegível novamente.
Em sua decisão, Fachin determinou a “perda de objeto” de ações no STF que buscavam a anulação de casos julgados pelo ex-juiz Sergio Moro com base em acusações de parcialidade, suscitadas principalmente após a divulgação de diálogos no Telegram atribuídos a Moro e a procuradores da Lava-Jato no Paraná. Portanto, de acordo com a decisão, o processo de suspeição contra Moro deveria ser arquivado.
O plenário do STF, no entanto, pode ser provocado a rever alguns pontos da decisão de Fachin. O processo de suspeição contra Moro movido pela defesa de Lula começou a ser julgado em 2018, na Segunda Turma do STF. Fachin, relator do caso, votou para negar a suspeição e foi acompanhado pela ministra Cármen Lúcia. O julgamento foi interrompido pelo ministro Gilmar Mendes, que ainda pretende recolocar o caso em análise na Segunda Turma no primeiro semestre deste ano.
A Procuradoria-Geral da República já afirmou que vai recorrer da decisão. Esse recurso pode pedir ao próprio Fachin que modifique seu entendimento ou solicitar que o tema seja levado para julgamento dos demais ministros, seja na Segunda Turma do STF ou no plenário.
O assunto está sob responsabilidade da subprocuradora-geral da República Lindôra Araújo, responsável pelos casos da Lava-Jato perante o STF.
É possível que sim. Na semana passada, Fachin já havia decidido em outra ação, com base em razões semelhantes às levantadas pela defesa de Lula, que a 13ª Vara Federal de Curitiba não tinha competência para analisar ilícitos envolvendo a Transpetro.
A decisão de Fachin ocorreu em recurso movido pela defesa dos empresários Germán Efromovich e José Efromovich, que respondem na Justiça pelo suposto pagamento de propina e lavagem de dinheiro envolvendo contratos do estaleiro Eisa com a empresa subsidiária da Petrobras. Fachin decidiu remeter o caso também à Justiça Federal do DF.
A tendência é que outros casos com teor semelhante investigados pela Lava-Jato de Curitiba, que não envolvem diretamente desvios da Petrobras, sejam levados à Corte com pedidos de incompetência de foro.