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Caso da área de TI mostra insegurança jurídica e resistência à reforma

Decisões de tribunais regionais do trabalho, como as que autorizam volta da contribuição sindical, ferem espírito da reforma, segundo especialistas

Direitos do trabalhador; carteira de trabalho; CLT (Thiago Santos/Getty Images)

Direitos do trabalhador; carteira de trabalho; CLT (Thiago Santos/Getty Images)

Ligia Tuon

Ligia Tuon

Publicado em 15 de setembro de 2019 às 08h00.

Última atualização em 16 de setembro de 2019 às 10h25.

São Paulo - 160 mil trabalhadores do setor de tecnologia da informação  — número que corresponde ao contingente de funcionários da área registrados em todo o estado de São Paulo —  não poderão ser demitidos até o fim do ano por determinação da Justiça do trabalho.

A decisão foi tomada pelo Tribunal Regional do Trabalho (TRT) de São Paulo, após julgamento realizado em 28 de agosto, e incomodou empresas e advogados trabalhistas.

O incômodo foi gerado não tanto pelo congelamento, que é praxe em casos de dissídio coletivo, mas por detalhes pouco comuns na decisão e que contrariam um consenso do Supremo Tribunal Federal (STF) em relação à reforma trabalhista aprovada em 2017, durante a gestão Michel Temer.

Um dos pontos polêmicos é o início do prazo de estabilidade dos funcionários, que começou a ser contado a partir do dia da decisão e não da sua publicação no Diário Oficial, feita sete dias depois, em 4 de setembro.

Esse é um dos fatos que causam insegurança jurídica, segundo o advogado trabalhista Luiz Eduardo Amaral de Mendonça, do escritório FAS Advogados.

"Quem dispensou alguém no dia 29, por exemplo, teve de readmitir, pois não necessariamente ficou sabendo da decisão até a sua publicação. O correto e o mais comum é que as partes coloquem o prazo a partir da publicação do acórdão, porque aí ninguém pode alegar que não sabia", diz.

Mendonça conta ainda que foi procurado por empresas do setor com dispensas de funcionários agendadas para o dia seguinte à decisão. É comum, segundo ele, que as demissões programadas aconteçam no fim do mês, pela facilidade de cálculos e de atendimento a outras burocracias.

Advogados questionam também a validade dessa norma, criada para defender funcionários de futuras retaliações, mas que já não faz o mesmo sentido atualmente.

"Hoje em dia, não existe um evolvimento tão grande dos empregados nas negociações que possa justificar essas retaliações. Esse é o caso também do Sindipb (representante dos funcionários de processamento de dados)", afirma o advogado Rodrigo Takano, sócio da área trabalhista do escritório Machado Meyer.

Contribuição sindical

Outro ponto controverso da decisão e que causou estranheza por contrariar entendimento do STF, a mais alta instância do judiciário brasileiro, foi a volta da obrigatoriedade da contribuição sindical descontada direta e automaticamente da folha de pagamento.

A decisão do TRT libera da cobrança só quem votou contra o desconto em assembleia feita há oito meses, em janeiro.

A contribuição sindical deixou de ser obrigatória em 2017, após a entrada em vigor da reforma trabalhista.

Segundo o artigo 582 do novo texto, "os empregadores são obrigados a descontar da folha de pagamento de seus empregados relativa ao mês de março de cada ano a contribuição sindical dos empregados que autorizaram prévia e expressamente o seu recolhimento aos respectivos sindicatos."

Uma semana antes da decisão do TRT, o ministro do Supremo Luís Roberto Barroso suspendeu os efeitos de uma determinação da Justiça do trabalho do Piauí, que manteve as contribuições de um funcionário da Caixa ao sindicato dos bancários. 

O bancário recorreu à Justiça nesse caso, com o argumento de que a decisão afrontava a autoridade do STF, e ganhou a causa. 

Da mesma forma, no caso do setor de TI, se um funcionário que não tenha votado contra a cobrança sindical na assembleia de janeiro entrar com uma ação na Justiça, muito provavelmente ganhará a causa nem que para isso precise recorrer até chegar à última instância, de acordo com os advogados.

O entendimento diferente nesse caso fere os princípios da celeridade e da economia processual, segundo Mendonça: "Por que o tribunal regional vai julgar diferente do entendimento das instâncias superiores, mesmo sabendo que o caso pode ir até Brasília para conseguir fazer valer o entendimento do STF ou do Tribunal Superior do Trabalho?"

O TST (Tribunal Superior do Trabalho), que está acima do TRT, já tinha se manifestado dizendo que a contribuição sindical é facultativa e que deve ser autorizada individualmente pelo trabalhador, como diz a reforma, diz o advogado.

"O STF também entende que a reforma nesse ponto é constitucional, que deve ser praticada. Então não se discute mais, se não, a gente volta para o passado", afirma Mendonça.

Guardião da reforma

O TST é a mais alta instância da Justiça do trabalho e, de acordo com Rodrigo Takano, tem tido um papel importante na segurança jurídica pós-reforma trabalhista.

"Todas as vezes que o tribunal superior se pronunciou sobre aspectos da reforma, especialmente sobre contribuição sindical, trabalho intermitente e, mais recentemente, processos extrajudiciais, teve um entendimento de aplicação da reforma trabalhista", diz Takano. 

Na semana passada, contrariando decisão do TRT-2, o Tribunal Superior do Trabalho decidiu, pela primeira vez, a favor da homologação de um acordo extrajudicial com cláusula de quitação geral do contrato de trabalho.

Essa cláusula impede que o trabalhador volte a procurar a Justiça futuramente para iniciar novo conflito relacionado àquela relação de trabalho.

O tribunal regional havia entendido que a cláusula não era válida e homologou parcialmente o acordo. Porém, no entendimento do relator do recurso no TST, Ives Gandra Martins Filho, se as duas partes - empregado e empregador - estão em acordo, a Justiça deve apenas homologar ou não o acordo extrajudicial, e não optar por retirar um ponto.

Com o objetivo de evitar o acúmulo de processos, a reforma trabalhista passou a permitir que empregado e empregador firmem acordo extrajudicial para resolver conflitos de trabalho sem a necessidade de abertura de um processo. A Justiça do trabalho precisa somente homologar o acordo.

Apesar de haver resistência de alguns tribunais regionais para aplicar determinados pontos da reforma, a maioria deles está alinhada ao Supremo, diz Takano. No entanto, segundo ele, basta um caso para criar insegurança jurídica: “Um exemplo disso foi decisão que o Tribunal de Minas Gerais tomou em dezembro sobre um contrato intermitente”.

Nesse processo, o tribunal anulou um contrato intermitente de um trabalhador da Magazine Luiza, por entender que a modalidade de contratação intermitente não deve ser utilizada pelas empresas, a não ser em casos excepcionais. Essa é uma das modalidades de contratação que surgiram com a reforma.

O caso teve grande repercussão na imprensa, porque o colegiado também condenou a empresa a pagar as diferenças salariais e verbas rescisórias como se o empregado fosse um trabalhador com contrato CLT.

O julgamento desse caso foi concluído pelo TST em agosto e a decisão, como era de esperar, foi pela manutenção do contrato intermitente.

O número de processos pendentes na Justiça brasileira apresentou uma redução no ano passado, segundo o relatório Justiça em Números, divulgado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

A queda é inédita na série histórica produzida pelo órgão desde 2009. A Justiça do Trabalho praticamente manteve a produtividade do ano anterior apesar da redução de 861 mil novos processos. Por isso, houve uma diminuição no estoque de 656 mil processos.

“A redução dos processos ingressados pode estar relacionada à reforma trabalhista aprovada em julho de 2017, tendo entrado em vigor em novembro de 2017”, destaca o próprio relatório. Ou seja, apesar das resistências, a reforma está fazendo efeito.

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