Brasil

Empresários, economistas e artistas lançam manifesto contra Bolsonaro

Dentre os signatários estão Maria Alice Setúbal, acionista do Itaú, o economista Bernard Appy, Guilherme Leal, sócio da Natura, e o músico Caetano Veloso.

O candidato à presidência da República Jair Bolsonaro (Diego Vara/Reuters)

O candidato à presidência da República Jair Bolsonaro (Diego Vara/Reuters)

EC

Estadão Conteúdo

Publicado em 23 de setembro de 2018 às 17h35.

Última atualização em 25 de setembro de 2018 às 15h09.

São Paulo - Um grupo que inclui artistas, advogados, ativistas e empresários articula um manifesto contra a candidatura de Jair Bolsonaro. O documento intitulado "Pela democracia, pelo Brasil" não indica apoio à candidatura do PT nem de qualquer um dos adversários do deputado, mas afirma ser necessário um movimento contra o projeto antidemocrático do candidato do PSL.

"É preciso dizer, mais que uma escolha política, a candidatura de Jair Bolsonaro representa uma ameaça franca ao nosso patrimônio civilizatório primordial. É preciso recusar sua normalização, e somar forças na defesa da liberdade, da tolerância e do destino coletivo entre nós", diz o texto.

O documento diz que o País já teve em Jânio Quadros e Fernando Collor de Mello "outros pretensos heróis da pátria, aventureiros eleitos como supostos redentores da ética e da limpeza política", mas que acabaram levando o Brasil ao "desastre".

"Nunca é demais lembrar, líderes fascistas, nazistas e diversos outros regimes autocráticos na história e no presente foram originalmente eleitos, com a promessa de resgatar a autoestima e a credibilidade de suas nações, antes de subordiná-las aos mais variados desmandos autoritários", diz outro trecho do manifesto.

Versão preliminar do manifesto, obtido pela reportagem, conta com cerca de 150 nomes, entre eles os de Maria Alice Setúbal, educadora e acionista do Itaú Unibanco; do economista Bernard Appy; do empresário Guilherme Leal, sócio da Natura; de Caetano Veloso e Paula Lavigne; do advogado e professor da FGV Carlos Vilhena; e do médico Drauzio Varella.

Caetano e Paula Lavigne declararam apoio a Ciro Gomes (PDT) nesta eleição. Maria Alice Setúbal e Guilherme Leal já atuaram ao lado de Marina Silva (Rede) em pleitos passados, mas não têm papel na campanha atual da ex-senadora.

O manifesto deve ser lançado ainda neste domingo, 23, com uma relação inicial de signatários e ficará hospedado num site próprio do movimento. A lista ficará aberta para quem quiser incluir a assinatura.

O documento foi fechado na quinta-feira pelas mãos de um grupo de amigos, entre eles o advogado José Marcelo Zacchi. O texto foi sendo circulado em grupos de Whatsapp a partir de sexta e ganhando adesões ao longo do fim de semana.

Segundo Zacchi, o objetivo é reunir vozes que representem diversos segmentos da sociedade e possam mobilizar esses setores. "É sobre repudiar um projeto que nos parece contrário aos princípios democráticos", diz. "É um chamado para quem vota em quem quer que seja, mas está dentro do campo democrático".

Leia abaixo a íntegra do manifesto:

"Pela Democracia, pelo Brasil

Somos diferentes. Temos trajetórias pessoais e públicas variadas. Votamos em pessoas e partidos diversos. Defendemos causas, ideias e projetos distintos para nosso país, muitas vezes antagônicos.

Mas temos em comum o compromisso com a democracia. Com a liberdade, a convivência plural e o respeito mútuo. E acreditamos no Brasil. Um Brasil formado por todos os seus cidadãos, ético, pacífico, dinâmico, livre de intolerância, preconceito e discriminação.

Como todos os brasileiros, sabemos da profundidade dos desafios que nos convocam nesse momento. Mais além deles, do imperativo de superar o colapso do nosso sistema político, que está na raiz das crises múltiplas que vivemos nos últimos anos e que nos trazem ao presente de frustração e descrença.

Mas sabemos também dos perigos de pretender responder a isso com concessões ao autoritarismo, à erosão das instituições democráticas ou à desconstrução da nossa herança humanista primordial.

Podemos divergir intensamente sobre os rumos das políticas econômicas, sociais ou ambientais, a qualidade deste ou daquele ator político, o acerto do nosso sistema legal nos mais variados temas e dos processos e decisões judiciais para sua aplicação. Nisso, estamos no terreno da democracia, da disputa legítima de ideias e projetos no debate público.

Quando, no entanto, nos deparamos com projetos que negam a existência de um passado autoritário no Brasil, flertam explicitamente com conceitos como a produção de nova Constituição sem delegação popular, a manipulação do número de juízes nas cortes superiores ou recurso a autogolpes presidenciais, acumulam declarações francamente xenofóbicas e discriminatórias contra setores diversos da sociedade, refutam textualmente o princípio da proteção de minorias contra o arbítrio e lamentam o fato das forças do Estado terem historicamente matado menos dissidentes do que deveriam, temos a consciência inequívoca de estarmos lidando com algo maior, e anterior a todo dissenso democrático.

Conhecemos amplamente os resultados de processos históricos assim. Tivemos em Jânio e Collor outros pretensos heróis da pátria, aventureiros eleitos como supostos redentores da ética e da limpeza política, para nos levar ao desastre. Conhecemos 20 anos de sombras sob a ditadura, iniciados com o respaldo de não poucos atores na sociedade. Testemunhamos os ecos de experiências autoritárias pelo mundo, deflagradas pela expectativa de responder a crises ou superar impasses políticos, afundando seus países no isolamento, na violência e na ruína econômica. Nunca é demais lembrar, líderes fascistas, nazistas e diversos outros regimes autocráticos na história e no presente foram originalmente eleitos, com a promessa de resgatar a autoestima e a credibilidade de suas nações, antes de subordiná-las aos mais variados desmandos autoritários.

Em momento de crise, é preciso ter a clareza máxima da responsabilidade histórica das escolhas que fazemos.

Esta clareza nos move a esta manifestação conjunta, nesse momento do país. Para além de todas as diferenças, estivemos juntos na construção democrática no Brasil. E é preciso saber defendê-la assim agora.

É preciso dizer, mais que uma escolha política, a candidatura de Jair Bolsonaro representa uma ameaça franca ao nosso patrimônio civilizatório primordial. É preciso recusar sua normalização, e somar forças na defesa da liberdade, da tolerância e do destino coletivo entre nós.

Prezamos a democracia. A democracia que provê abertura, inclusão e prosperidade aos povos que a cultivam com solidez no mundo. Que nos trouxe nos últimos 30 anos a estabilidade econômica, o início da superação de desigualdades históricas e a expansão sem precedentes da cidadania entre nós. Não são, certamente, poucos os desafios para avançar por dentro dela, mas sabemos ser sempre o único e mais promissor caminho, sem ovos de serpente ou ilusões armadas.

Por isso, estamos preparados para estar juntos na sua defesa em qualquer situação, e nos reunimos aqui no chamado para que novas vozes possam convergir nisso. E para que possamos, na soma da nossa pluralidade e diversidade, refazer as bases da política e cidadania compartilhadas e retomar o curso da sociedade vibrante, plena e exitosa que precisamos e podemos ser."

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