Brasil

Empresa com um funcionário recebeu R$ 3,2 mi de concessionárias

Entre 2009 e 2010, a empresa Astenge Assessoria Técnica e Engenharia recebeu R$ 3,224 milhões de duas concessionárias do Grupo Ecorodovias

Ecorodovias: a empresa registrou um único funcionário entre os anos de 2008 e 2011 e dois em 2012 (OS2Warp/Wikimedia Commons)

Ecorodovias: a empresa registrou um único funcionário entre os anos de 2008 e 2011 e dois em 2012 (OS2Warp/Wikimedia Commons)

EC

Estadão Conteúdo

Publicado em 14 de maio de 2018 às 12h23.

São Paulo - A empresa Astenge Assessoria Técnica e Engenharia LTDA, controlada por Júlio Cesar Astolphi, ex-assessor de Projetos da Diretoria de Engenharia do Departamento de Estradas de Rodagem de São Paulo (DER-SP), tinha apenas um funcionário registrado entre 2009 e 2010. Neste período, a Astenge recebeu R$ 3,224 milhões de duas concessionárias do Grupo Ecorodovias.

De acordo com o Ministério do Trabalho, a empresa registrou um único funcionário entre os anos de 2008 e 2011 e dois em 2012. A Astenge registrou um funcionário em 2013.

Os dados foram obtidos pela reportagem junto ao Ministério do Trabalho por meio da Lei de Acesso à Informação. Os registros dos funcionários fazem parte da Relação Anual de Informações Sociais (RAIS), um levantamento que registra, em 31 de dezembro, empregados estatutários, celetistas, temporários ou avulsos do ano-base.

A Astenge foi aberta em 29 de novembro de 2000. Entre 2002 e 2007 e também entre 2014 e 2016, a empresa não registrou nenhum funcionário.

Astolphi foi assessor de DER-SP entre julho de 2007 e janeiro de 2011. A Ecovia Caminho do Mar S/A, que administra 175,1 quilômetros de estradas entre Curitiba e o litoral do Paraná, pagou R$ 1,009 milhão, em 2009, à Astenge Assessoria Técnica e Engenharia LTDA, controlada por Astolphi e sua mulher.

No ano seguinte, a Ecocataratas, responsável por 387,1 quilômetros da rodovia BR-277, transferiu R$ 2,215 milhões à empresa do engenheiro, que tem sede no endereço residencial do casal.

Segundo a Ecovia, a empresa do ex-assessor do DER-SP "foi contratada para realização de estudos técnicos de engenharia, melhoria e otimização da infraestrutura existente na BR-277, no Paraná, com o objetivo de identificar oportunidades de integração entre a rodovia BR-277 e os portos de Paranaguá e Pontal (integração entre os modais rodoviário e portuário)".

A Ecocataratas afirma que a Astenge foi contratada para elaborar estudo técnico sobre enquadramento territorial e socioambiental para projeto de duplicação da BR-277.

O Grupo Ecorodovias controla outras concessionárias além da Ecovia e da Ecocataratas. Duas delas atuam junto ao Programa de Concessões do Estado de São Paulo. A Ecovias administra o sistema Anchieta-Imigrantes e a Ecopistas, o corredor Ayrton Senna/Carvalho Pinto. Tanto a Ecovias quanto a Ecopistas não têm contratos com o DER-SP.

Dados da Receita apontam que a Astenge funciona na zona oeste de São Paulo e tem como atividade econômica principal "serviços de engenharia". A empresa não tem registro na Junta Comercial de São Paulo, apenas em cartório.

O endereço da Astenge, perante o Fisco, é o mesmo que Júlio Cesar Astolphi informou à Junta Comercial do Estado como o de sua residência ao abrir outra empresa em 2009. O engenheiro controla também a JMXGUMA Participações e Intermediação de Negócios - empresa que tem como atividade econômica principal a "intermediação e o agenciamento de serviços e negócios em geral, exceto imobiliários". Em 27 de dezembro de 2011, o capital social da JMXGUMA era de R$ 2 milhões.

Alvo

Júlio Cesar Astolphi é investigado em um inquérito civil aberto em 8 de agosto de 2017 no Ministério Público do Estado de São Paulo, derivado da delação da Odebrecht. A 5ª Promotoria de Justiça do Patrimônio Público e Social apura supostos atos de improbidade administrativa: enriquecimento ilícito (artigo 9), prejuízo ao erário (artigo 10) e violação a princípio (artigo 110).

Três delatores da Odebrecht afirmaram que pagaram propina a Júlio Cesar Astolphi e a outros dois dirigentes do DER-SP, entre 2005 e 2008, durante a execução da obra da rodovia SP-225 (Araraquara-Jaú). Segundo a empreiteira, o valores foram solicitados pelos agentes públicos.

O delator Roberto Cumplido relatou que a partir de 2007, "o porcentual de 4% de propina passou a ser pago ao diretor de engenharia Júlio Astolphi, do DER de São Paulo". Segundo o empreiteiro, "os valores foram pagos em espécie em locais definidos" pelos então dirigentes do DER-SP.

"Júlio Astolphi dizia que os valores eram destinados a campanhas eleitorais", afirmou o executivo em delação.

Roberto Cumplido narrou que, em 2008, como contrapartida a um aditivo contratual, Júlio Cesar Astolphi "solicitou o pagamento de propina". A alegação, de acordo com o delator, também foi "campanhas eleitorais". "Foi me pedido pelo Júlio R$ 600 mil para campanha aqui em São Paulo", afirmou. "Foi um valor fechado."

O executivo entregou ao Ministério Público Federal, com quem os funcionários da Odebrecht fecharam delação premiada, planilhas de pagamentos de propina ligadas às obras da rodovia SP-255. Uma das tabelas indica um total de R$ 900 mil em três repasses em maio (R$ 350 mil), junho (R$ 300 mil) e julho (R$ 250 mil) de 2008.

Em decisão de dezembro do ano passado, a Justiça Federal apontou que o Ministério Público Federal "não identificou existência de verba que atraísse a competência federal" e a parte criminal da investigação foi enviada ao juízo da Comarca de Araraquara (SP), onde os fatos teriam ocorrido.

Defesas

As concessionárias Ecocataratas e Ecovia se manifestaram sobre o assunto por meio de nota: "A empresa foi contratada para realizar serviço primordialmente de natureza intelectual, de análise de cenários e projetos, fazendo uso de informações e dados já disponíveis", disseram

A reportagem deixou um pedido de posicionamento na portaria da residência de Julio César Astolphi no dia 15 de março, mas ainda não obteve resposta. O espaço está aberto para manifestação.

Acompanhe tudo sobre:DinheiroEcoRodoviasExploração de rodoviasMinistério do Trabalho

Mais de Brasil

Lula diz estar bem de saúde após episódio de labirintite: 'Melhor impossível'

Opinião: Uma proposta ambiciosa, porém possível, de transformação da educação brasileira

Homem ateia fogo no próprio corpo na estação São Bento do metrô de São Paulo

Em depoimento ao STF, Tarcísio diz que Bolsonaro 'jamais mencionou' tentativa de golpe